
Lucas Cardoso -Acadêmico do 5° Semestre de Relações Internacionais da UNAMA
Cecília Leal – Acadêmica do 1° Semestre de Relações Internacionais da UNAMA
A Guerra da Crimeia, ocorrida na península homônima entre 1853 e 1856, deu início a um período de desorientação na história do século XIX. O conflito, travado pelo império Russo contra uma aliança formada pelo Império Otomano, França, Reino Unido e Reino de Sardenha, excedeu as disputas geopolíticas e territoriais, inflamando as fragilidades dos impérios envolvidos e iniciando outras formas de continuar a guerra (Figes, 2010).
No livro a “Crimeia: a Guerra que mudou a história”, o historiador Orlando Figes, enfatiza dinâmicas políticas e sociais que levaram ao conflito, demonstrando como a Guerra da Crimeia moldou o cenário internacional e influenciou os rumos da história europeia. Destacando as tensões entre a Rússia e o Império Otomano, e os interesses das potências europeias na região, como antecedentes deste conflito.
Nos anos que antecederam a Guerra da Crimeia, a Europa vivia um período de grande tensão política e disputa pelo equilíbrio de poder. O declínio do Império Otomano, conhecido como o “homem doente da Europa”, despertava o interesse das potências europeias, especialmente da Rússia, que buscava expandir sua influência nos Bálcãs e garantir acesso estratégico ao Mar Negro e ao Mediterrâneo. Ao mesmo tempo, o Reino Unido e a França estavam preocupados em conter o avanço russo para proteger suas rotas comerciais e interesses coloniais. Estes fatores, somados a rivalidades históricas e a uma complexa rede de alianças, criaram o cenário para o conflito que explodiria em 1853 (Figes, 2010).
O estopim da guerra foi a controvérsia sobre a proteção dos locais sagrados na Palestina, até então sob domínio Otomano. A França sobre a liderança de Napoleão III que se considerava o defensor da cristandade reivindicava a proteção dos locais católicos, enquanto a Rússia defendia os direitos dos cristãos ortodoxos. Esta disputa religiosa acabou mascarando interesses geopolíticos maiores, especialmente o desejo da Rússia de ampliar sua presença no Mar Negro, ameaçando o equilíbrio de poder europeu (Figes, 2011).
O conflito teve um papel importante na modernização dos exércitos envolvidos. A Guerra da Crimeia foi uma das primeiras a utilizar tecnologias como o telégrafo e o uso extensivo de ferrovias para movimentação de tropas e suprimentos. Também, se destacou pelo uso do rifle de percussão, que era mais eficiente que os mosquetes tradicionais. Esta guerra marcou uma transição importante nas estratégias militares da época (Tolstoi, 2024).
Um dos episódios mais famosos da Guerra da Crimeia foi o cerco e a batalha de Sebastopol, uma fortaleza russa no Mar Negro que resistiu por quase um ano. A luta intensa e prolongada causou pesadas baixas dos dois lados e revelou falhas graves na logística e no cuidado com os soldados, especialmente do lado britânico. A enfermagem durante a guerra ganhou destaque graças ao trabalho pioneiro de Florence Nightingale, que ajudou a melhorar as condições sanitárias dos hospitais militares (Sinoue, 2009).
Também, a guerra foi notória pelo impacto da imprensa, que pela primeira vez enviou correspondentes para cobrir o conflito diretamente do front. De forma que, a opinião pública europeia teve acesso à relatos vívidos da violência e do sofrimento dos soldados, influenciando a percepção da guerra e pressionando governos a melhorarem as condições dos combatentes (Tolstoi, 2024).
O Tratado de Paris, assinado em 1856, pôs fim à Guerra da Crimeia. O acordo resultou na neutralização do Mar Negro, proibindo a presença de forças militares na região, o que limitou a influência russa naquela área. Além disto, o tratado reafirmou a integridade do Império Otomano, embora sua decadência continuasse a ser um fator de instabilidade na Europa nos anos seguintes (Figes, 2010).
Apesar da vitória da aliança ocidental, a Guerra da Crimeia expôs a fragilidade e os problemas internos de todos os envolvidos, especialmente da Rússia, que após o conflito iniciou uma série de reformas para modernizar seu exército e sociedade. Esta guerra é vista como um marco que antecipou tensões e transformações que culminaram mais tarde em conflitos como a Primeira Guerra Mundial (Figes, 2011).
A Guerra da Crimeia representou, portanto, um evento de grande relevância para a história do século XIX. O conflito não só reconfigurou o equilíbrio de poder Europeu, como também estimulou o desenvolvimento de novas tecnologias militares e práticas de assistência médica, como demonstrado pela atuação de Florence Nightingale. Além disto, a guerra evidenciou a fragilidade dos impérios envolvidos, movendo reformas internas e questionamentos sobre estruturas sociais e políticas vigentes (Sinoue, 2009).
A obra de Tolstói, “Contos de Sebastopol”, continua como uma validação literária poderosa da experiência humana na guerra, inferindo a complexidade moral e o sofrimento inerentes ao conflito. A análise do autor, por sua vez, cede uma compreensão aprofundada da guerra, em suas causas e consequências, demonstrando como esse marco histórico delineou o cenário internacional e influenciou os rumos da história europeia (Tolstoi, 2024). Em suma, a Guerra da Crimeia representa um fato decisivo mundial, cujo legado permanece a tomar nos dias de hoje.
Segundo Tucídides, em História da Guerra do Peloponeso (2022), guerras surgem por medo, interesse e prestígio. A Guerra da Crimeia reflete essa lógica: o avanço russo despertou temor no Reino Unido e na França, que intervieram para conter a influência russa e proteger seus interesses estratégicos. A disputa religiosa por lugares sagrados também expressava uma busca por prestígio. Assim como no conflito entre Atenas e Esparta, não foram ideais que motivaram a guerra, mas ambições de poder. Em um sistema anárquico, como afirma Tucídides (2022), o conflito se torna inevitável diante do risco de desequilíbrio. A Crimeia é um exemplo clássico dessa dinâmica.
Referências
FIGES, Orlando. Crimeia: A Guerra Que Mudou a História. Rio de Janeiro: Record, 2010.
FIGES, Orlando. Crimea: The Last Crusade. Londres: Allen Lane, 2011.
SINOUE, Gilbert. La Dame à la lampe: Une vie de Florence Nightingale. 1. ed. Folio, 2009.
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Tradução de Mário da Gama Kury. São Paulo: Editora Makura, 2022.
TOLSTÓI, Lev. Contos de Sebastopol. São Paulo: Editora 34, 2024.
