Lucas Cardoso acadêmico do 5° Semestre de Relações Internacionais da UNAMA.

O Eurovision Song Contest, ou Festival Eurovisão da Canção, é uma das maiores e mais antigas competições musicais do mundo, criada em 1956 pela União Europeia de Radiodifusão (EBU). Surgiu para promover a integração europeia no pós-guerra por meio da música. Com o tempo, tornou-se um evento anual de grande audiência, com apresentações ao vivo, votação internacional e participação de países de fora da Europa, como Israel e Austrália (EBU,2024).

Embora a competição declare apolítica, o Eurovision frequentemente reflete questões políticas, sociais e culturais. Performances, votações e escolhas de anfitriões revelam alianças regionais, disputas geopolíticas e afirmações de identidade, mostrando como a cultura popular se entrelaça com a política internacional (REVISTA BABEL,2021).

Um dos aspectos mais visíveis dessa politização é o chamado “voto de vizinhança”, em que países tendem a apoiar seus aliados históricos ou vizinhos próximos. Esse padrão ocorre, por exemplo, entre os países nórdicos, os bálticos e os balcânicos, além da tradicional troca de votos entre Grécia e Chipre. Embora não seja oficialmente proibido, esse comportamento é frequentemente criticado por distorcer a ideia de mérito artístico e reforçar alianças políticas regionais (Vuletic,2018).

As tensões entre Rússia e Ucrânia refletem-se no Eurovision, evidenciando como conflitos internacionais influenciam o festival. Em 2016, a Ucrânia venceu com “1944”, cantada em tártaro, que abordava a deportação dos tártaros da Crimeia por Stalin, uma referência histórica com conotação política após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 (Revista Babel, 2021). Em 2022, durante a guerra, a Ucrânia venceu novamente com “Stefania”, que une rap e música folclórica, impulsionada pelo voto popular e pela solidariedade europeia frente à invasão russa. (Vuletic,2018).

Outro exemplo notório é o conflito entre Armênia e Azerbaijão, cujas tensões geopolíticas são constantemente refletidas no festival. Houve boicotes, censuras de apresentações e protestos diplomáticos por causa de símbolos ou mensagens políticas nos palcos do Eurovision. Em algumas edições, certos países chegaram a evitar mostrar as apresentações do adversário durante as transmissões nacionais, evidenciando como a rivalidade política pode ultrapassar o campo da diplomacia tradicional (Vuletic,2018)

A presença de Israel também é fonte constante de debate político. Apesar de não estar localizado na Europa, Israel participa desde 1973 como membro da EBU, tendo vencido 4 vezes a competição . Em anos recentes, com o agravamento do conflito com a Palestina, grupos e movimentos sociais têm pressionado por boicotes à sua participação, acusando o país de usar o festival como uma estratégia de artwashing ou seja, de limpar sua imagem internacional por meio da cultura. Protestos já foram registrados tanto no local das competições quanto nas redes sociais (Revista Babel,2021).

Além das disputas políticas entre Estados, o Eurovision também se tornou palco de lutas por direitos civis e afirmações de identidade. A vitória de Conchita Wurst, drag queen austríaca, em 2014 marcou a visibilidade LGBTQIA+ e a rejeição a discursos conservadores. Em 2024, o cantor suíço Nemo, pessoa não binária, venceu com uma performance centrada na identidade de gênero, reforçando o compromisso do festival com a representatividade. Já em 2025, o austríaco JJ destacou-se com uma fusão de pop e ópera, celebrando a diversidade queer e ampliando as vozes da comunidade LGBTQIA+ no cenário europeu (Revista Babel,2021).

O festival também é usado como instrumento de diplomacia cultural e projeção internacional. Países como Geórgia, Moldávia ou até mesmo Austrália utilizam o evento para se afirmar no contexto europeu. Nações recém-independentes ou em busca de reconhecimento internacional veem no Eurovision uma oportunidade de apresentar sua identidade nacional ao mundo e conquistar apoio simbólico. Trata-se de uma forma de soft power, em que a cultura é usada para influenciar corações e mentes (Revista Babel,2021).

Por fim, mesmo com o discurso de neutralidade, a organização do Eurovision já precisou tomar decisões politicamente significativas. A Rússia foi excluída da edição de 2022 como resposta à guerra na Ucrânia, e a Bielorrússia foi desclassificada em 2021 por insubordinação às regras do festival, após tentar inscrever músicas com mensagens políticas ofensivas. Essas decisões mostram que, apesar de tentar manter-se “apolítico”, o Eurovision é inevitavelmente atravessado pelas tensões políticas do seu tempo(Revista babel,2021).

O Eurovision pode ser interpretado por meio do conceito de soft power, desenvolvido por Joseph Nye (2005), que define o poder de influência baseado na cultura, valores e atração, em vez da força. No festival, países projetam uma imagem positiva de si mesmos por meio da música e da performance, buscando conquistar prestígio e simpatia internacional. Essa estratégia fortalece suas reputações no cenário global e promove laços com outras nações. Ao utilizarem o Eurovision como vitrine cultural, os Estados exercem influência sutil sobre o público e os governos. Casos como os da Ucrânia, Suécia e Israel mostram como o festival se torna um instrumento eficaz de diplomacia cultural.

REFERÊNCIAS

Eurovision e a política internacional. Babel, 13 de outubro 2021. Disponível em: https://babel.webhostusp.sti.usp.br/. Acesso em: 20 maio 2024.

Eurovision e a política internacional. Babel, 13 de outubro 2021. Disponível em: https://babel.webhostusp.sti.usp.br/. Acesso em: 20 maio 2024.

VULETIC, Dean. Postwar Europe and the Eurovision Song Contest. London: Bloomsbury Academic, 2018.

The Origins of Eurovision. Eurovision, 2025. Disponível em : https://eurovision.tv/history/origins-of-eurovision

Our History. EBU, 2025. Disponível em: https://www.ebu.ch/about/history