
Antônio Vieira – 3º semestre de Relações Internacionais (UNAMA)
De acordo com uma reportagem do jornal The Washington Post (2021), serão necessários séculos para que os índices de CO2 na atmosfera retornem aos níveis pré-Revolução Industrial. A reportagem exemplifica essa afirmação ao destacar que, em 2021, a concentração de C02 na atmosfera era de 400ppm, já no período pré-Revolução Industrial, de 280ppm. Tal panorama consternador demonstra que, apesar do efeito estufa ser um fenômeno geológico natural do planeta Terra, as ações humanas – muitas vezes motivadas pelo capital – como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, estão intensificando esse fenômeno que gera o aquecimento global (Nações Unidas Brasil, 2023). Nesse contexto, segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres (2023), em uma coletiva de imprensa, há inúmeros fatores que demonstram que a Terra não está mais passando pelo aquecimento global, mas sim por um estágio mais grave, a chamada “ebulição global”.
Nesse sentido, durante o discurso, o secretário exaltou que o planeta já passou da fase do aumento gradual das crises climáticas, pois agora há uma intensificação significativa na velocidade das mudanças climáticas, havendo uma diminuição no intervalo entre catástrofes ambientais, como enchentes e furacões:
De acordo com os dados divulgados hoje, julho teve o período de três semanas mais quente já registrado; os três dias mais quentes já registrados; e as temperaturas oceânicas mais altas de todos os tempos para esta época do ano. As consequências são claras e trágicas: crianças arrastadas pelas chuvas de monções; famílias fugindo das chamas; trabalhadores sucumbindo ao calor escaldante (Nações Unidas do Brasil, 2023).
Paralelamente, ele expõe a sua angústia pela problemática: “o ar está irrespirável. O calor é insuportável. E a dimensão do lucro obtido pela queima de combustíveis fosseis e a inação climática são ambas inaceitáveis” (Nações Unidas do Brasil, 2023). Consoante a isso, a fala de António Guterres é atemporal e de suma importância para conscientizar a população global sobre a urgência de se reverter essa realidade, uma vez que, infelizmente, após 2023, houve diversos impactos socioambientais alarmantes, como, por exemplo, as enchentes no Estado do Rio Grande do Sul no Brasil em maio de 2024 e na Espanha em outubro, bem como os furacões Helene e Milton, no período de setembro a outubro do mesmo ano. Aliado a isso, vale ressaltar que, pela primeira vez, a temperatura em 2024 atingiu 1,6 grau Celcius acima da média pré-Revolução Industrial, o que impacta diretamente no aumento do nível do mar (BBC, 2025).
Contudo, apesar da situação grave, António Guterres (2023) afirma que ainda há saída. De acordo com o secretário-geral da ONU, ainda é possível limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau Celsius – estabelecido pelo acordo de Paris – caso haja ações climáticas drásticas e imediatas. Para subverter tal panorama, ele clama que haja uma cooperação entre diversos atores do sistema internacional, sendo eles: o Estado, empresas, instituições financeiras, civis etc. Dentre os requisitos, António cita que os países responsáveis por 80% das emissões globais devem liderar os esforços para combater as mudanças climáticas, impondo metas mais ambiciosas para a redução das emissões. Além disso, ele destaca que, em um mundo globalizado, onde o mercado financeiro desempenha um forte papel em investimentos estatais e privados, é essencial que haja um cessamento de investimentos e empréstimos em combustíveis fosseis, priorizando as energias renováveis. Em relação as empresas, é salientado que práticas como o “greenwashing” – uma forma de distorcer condutas danosas ao meio ambiente – precisam acabar.
Sob essa ótica, é possível associar o perfil do discurso de António Guterres com a ideia de Governança Global, apresentada pelo teórico das Relações Internacionais, James Rosenau, na obra Governance without Government: Change in World Politics. Segundo o autor, o sistema internacional está cada vez mais complexo e interdependente com a globalização, onde há a participação de diversos atores. Nesse viés, Rosenau afirma que há problemas que vão além das fronteiras – como pandemias e crises climáticas – e que, portanto, é necessário haver uma governança global, onde o poder de decisão não se encontra centralizado no Estado, mas sim em outros atores, como ONG´S, OI’s e empresas. Dessa maneira, a ideia central é que a governança global gera uma maior cooperação (ROSENAU, 1992).
Ademais, é perceptível a semelhança entre o discurso de António Guterres e James Rosenau quanto a resolução de crises – como a do meio ambiente – através de uma junção entre diversos atores. Sob esse viés, embora o presente seja marcado pela ansiedade climática, é importante que a sociedade global encontre no conceito de ebulição global uma motivação para intensificar a ação climática. Pois, caso medidas como a intenção dos EUA de sair do Acordo de Paris sejam mais frequentes, será impossível avançar positivamente o vigente contexto das crises climáticas.
REFERÊNCIAS:
DURRAN, Dale; THORNTON, Joel. An imperative to act: Carbon dioxide added to the atmosphere takes ages to draw down. The Washington Post. 31 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/weather/2021/10/31/carbon-dioxide-atmosphere-cop26/. Acesso em: 16 junho de 2025.
Nações Unidas Brasil. O que são mudanças climáticas? 28 de outubro de 2023. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/175180-o-que-s%C3%A3o-mudan%C3%A7as-clim%C3%A1ticas. Acesso em: 16 junho de 2025.
Nações Unidas Brasil. Coletiva de imprensa do secretário-geral da ONU sobre o clima. 27 de julho de 2023. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/240543-coletiva-de-imprensa-do-secret%C3%A1rio-geral-da-onu-sobre-o-clima>. Acesso em: 16 junho de 2025.
POYNTING, Mark; RIVAULT, Erwan; DALE, Becky. Os gráficos que mostram como Terra atingiu ‘linha vermelha’ de aquecimento em 2024. BBC, 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/czj3yem097po. Acesso em: 16 junho de 2025. ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto (org.). Governance without government: order and change in world politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
