Maysa Lisboa, acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais

Pode parecer cena de ficção científica, mas é real: a NASA está testando formas de plantar comida no espaço, e uma das parceiras dessa missão é a empresa brasileira Embrapa. A união entre a agência espacial norte-americana e a empresa pública de pesquisa agrícola do Brasil mostra como ciência e política externa caminham lado a lado (Governo do Brasil, 2011).

Essa cooperação se insere em um contexto formal mais amplo, pois Brasil e os EUA firmaram um Acordo-Quadro sobre Cooperação nos Usos Pacíficos do Espaço Exterior em 19 de março de 2011, que estabelece os termos para o desenvolvimento conjunto de programas científicos e tecnológicos espaciais, incluindo intercâmbio de dados e pesquisas conjuntas em áreas como ciências da vida e microgravidade, fundamentais para projetos como o cultivo de alimentos no espaço (Governo do Brasil, 2011).

A diplomacia científica, vertente das Relações Internacionais que compreende o uso da ciência como ponte para cooperação entre países (Rungius; Flink, 2020), é claramente exemplificada nesta parceria. O projeto evidencia como o conhecimento técnico pode ultrapassar barreiras políticas, culturais e geográficas.

Esta cooperação não apenas marca uma conquista tecnológica, mas também revela o potencial da ciência como vetor de prestígio internacional. De fato, esta realidade é confirmada ao se observar o conceito denominado de Soft Power, formulado por Joseph Nye (2004), em que considera a influência de um país não apenas como poder militar ou econômico, mas também de sua cultura, valores e conhecimento técnico. Ao contribuir com sua expertise no cultivo de alimentos em ambientes extremos, o Brasil projeta uma imagem de liderança científica e inovação sustentável, atributos estes que reforçam sua presença no cenário internacional de forma simbólica e estratégica.

Além disso, a colaboração entre Brasil e Estados Unidos neste projeto pode ser analisada também sob a ótica dos Regimes Internacionais, conceito trabalhado por Robert Keohane (1984), que define regimes como conjuntos de princípios, normas e regras que regulam a cooperação internacional em determinada área. Mesmo sem um tratado formal ou uma hegemonia clara entre os dois países, a parceria se desenvolve em torno de normas compartilhadas, como a busca por segurança alimentar, inovação e sustentabilidade.

Trata-se também de um caso claro de interdependência complexa, conceito elaborado por Keohane e Nye (1977), em que ciência e tecnologia se tornam meios de conexão entre os países, mesmo em um cenário de divergências políticas ou comerciais., em que ciência e tecnologia se tornam meios de conexão entre os países, mesmo em um cenário de divergências políticas ou comerciais (Keohane; Nye, 1977). A existência desses regimes técnicos e científicos permite que a cooperação ocorra de forma contínua e estratégica, gerando benefícios mútuos e fortalecendo vínculos diplomáticos por meio do conhecimento.

Como destaca a pesquisadora brasileira Letícia Pinheiro (2013), a política externa não é feita apenas pelo Estado tradicional: outros atores, como universidades, centros de pesquisa e empresas públicas, também exercem papéis diplomáticos. É o caso da Embrapa, que, nas dependências territoriais do Brasil, atua como agente de paradiplomacia científica, ou seja, uma atuação diplomática realizada por entes subnacionais ou instituições não estatais, especialmente na promoção de cooperação técnica e científica. Dessa forma, a Embrapa representa o Brasil em uma cooperação internacional de alto nível, mesmo sem passar pelas vias tradicionais do Itamaraty.

Embora a Constituição Federal reserve ao presidente da República a condução da política externa, estados, municípios e instituições públicas brasileiras, como a Embrapa, têm ampliado sua atuação internacional dentro de suas competências, em um fenômeno conhecido como paradiplomacia. Essa prática, ainda sem regulamentação formal no Brasil, tem crescido e abrange diversas áreas, incluindo saúde, meio ambiente, inovação e ciência (Pinheiro, 2013).

A Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, atua como mediadora e facilitadora dessas iniciativas, assegurando que estejam alinhadas com os objetivos da política externa nacional. Apesar dos desafios institucionais, como a baixa integração burocrática e a ausência de legislação específica, a paradiplomacia científica da Embrapa é um exemplo pioneiro e eficaz de como atores não estatais promovem cooperação internacional de alto nível, ampliando o alcance da diplomacia brasileira para além dos canais tradicionais.

Nesse contexto, a Embrapa torna-se uma embaixadora da ciência tropical e da sustentabilidade brasileira no cosmos. Essa atuação mostra que a presença brasileira no exterior pode ser construída por meio da ciência aplicada e da inovação, reforçando a posição do país no cenário global sem recorrer exclusivamente ao aparato diplomático clássico. (Forbes Brasil, 2023)

Os benefícios dessa parceria não se limitam ao espaço sideral. A tecnologia desenvolvida para cultivar alimentos em Marte ou na Lua pode ter aplicação direta na Terra, especialmente em regiões áridas, em comunidades vulneráveis ou em zonas afetadas por crises climáticas. A experiência brasileira com plantio no Cerrado, por exemplo, é um ativo valioso para a criação de soluções adaptáveis a diferentes ecossistemas (Embrapa, 2024).

A participação da Embrapa em um projeto espacial da NASA demonstra que as Relações Internacionais do século XXI não se restringem a tratados, embaixadas e cúpulas políticas. O futuro das RI é híbrido — feito também de cooperações técnicas, saberes aplicados e inovação conjunta. Além disso, essa inovação dialoga com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável) e o ODS 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura), reforçando o papel do Brasil como agente ativo na busca por soluções globais para problemas como insegurança alimentar e mudanças climáticas (ONU, 2015).

Ao observarmos a atuação da Embrapa nesse contexto, percebemos uma convergência de teorias que ajudam a explicar o fenômeno. De um lado, o Brasil exerce soft power por meio da ciência; participa de um regime internacional científico de interdependência, onde cooperação e conhecimento prevalecem mesmo sem alinhamentos políticos absolutos; além de evidenciar a força da paradiplomacia, em que uma instituição técnica, e não o Itamaraty, protagoniza a inserção internacional do país.

Talvez, nas próximas décadas, alimentos cultivados no espaço levem o selo “tecnologia brasileira” — resultado de uma diplomacia feita com sementes, satélites e ciência.

REFERÊNCIAS

AGROFY NEWS. Missão espacial com estrela pop internacional leva sementes e plantas da Embrapa ao espaço. Agrofy News Brasil, 12 abr. 2024. Disponível em: https://news.agrofy.com.br/noticia/207059/missao-espacial-com-estrela-pop-internacional-leva-sementes-e-plantas-da-embrapa-ao. Acesso em: 16 jun. 2025.

EMBRAPA. Tecnologia desenvolvida para ambientes extremos pode ajudar a agricultura na Terra. Brasília: Embrapa, 2024a. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/30015917/artigo-a-tecnologia-na-agricultura. Acesso em: 14 jun. 2025.

EMBRAPA. Embrapa e AEB firmam parceria para projeto de base na Lua. Portal Embrapa, Brasília, 22 mar. 2024. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/85195507/embrapa-e-aeb-firmam-parceria-para-projeto-de-base-na-lua. Acesso em: 16 jun. 2025.

ESRI. Diplomacia científica: uma abordagem estratégica para as Relações Internacionais. [S. l.], [s. d.]. Disponível em: https://esri.net.br/diplomacia-cientifica/. Acesso em: 16 jun. 2025.

FORBES BRASIL. Entenda por que o agro brasileiro está com a NASA rumo a Marte. Forbes Agro, São Paulo, 23 nov. 2023. Disponível em: https://forbes.com.br/forbesagro/2023/11/entenda-por-que-o-agro-brasileiro-esta-com-a-nasa-rumo-a-marte/. Acesso em: 16 jun. 2025.

FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER. Diplomacia científica como instrumento de soft power. [S. l.]: Konrad Adenauer Stiftung, [2021?]. Disponível em: https://www.kas.de/documents/265553/265602/7_file_storage_file_16472_5.pdf/744527ca-f94f-c3c2-d83d-76170f8ab98f. Acesso em: 16 jun. 2025.

KEOHANE, Robert O. After hegemony: cooperation and discord in the world political economy. Princeton: Princeton University Press, 1984.

KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and interdependence: world politics in transition. Boston: Little, Brown and Company, 1977.

NYE, Joseph S. Soft power: the means to success in world politics. New York: Public Affairs, 2004.

ONU. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Nova York: Organização das Nações Unidas, 2015. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 14 jun. 2025

PINHEIRO, Letícia. Atores não estatais e política externa: o papel das instituições brasileiras na paradiplomacia científica. In: LIMA, Maria Regina Soares de (org.). Política externa brasileira: poder e ambição. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2013. p. 203–225.

RUNGIUS, Christian; FLINK, Tim. Diplomacia científica: um campo emergente na intersecção entre ciência, política e relações internacionais. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 63, n. 1, p. 1–20, 2020.