
Keity Oliveira e Pedro Henrique de Aviz (Internacionalistas formados pela UNAMA)
Stefany Campolungo (acadêmica do 8º semestre de RI da UNAMA)
Ficha Técnica:
Ano: 2024
Direção: Jon M. Chu
Gênero: Fantasia, Comédia, Drama e Musical
Distribuição: Universal Pictures
País de Origem: Estados Unidos
Em meados de 1939, o cinema recebe pela primeira vez o aclamado “O Mágico de Oz”, trazendo a história de Dorothy e os sapatinhos de rubi contra a Bruxa Má do Oeste. O sucesso da obra foi tanto, que mesmo após décadas, novas adaptações, histórias e musicais foram criados para enriquecer ainda mais o universo de Oz (O Mágico de Oz, 1939).
“Wicked: A História Não Contada das Bruxas de Oz” é uma das releituras mais famosas desse universo de Gregory Maguire, que posteriormente seria um dos maiores musicais da Broadway, estrelado por Idina Menzel como Elphaba e Kristin Chenoweth como Galinda/Glinda. As músicas são compostas por Stephen Schwartz, que criou os sucessos “No One Mourns The Wicked”, “Popular” e “For Good” (Maguire, 1995).
O musical se tornou um dos maiores ícones da Broadway, sendo especialmente popular entre o público jovem e comunidades marginalizadas. Diferente do livro, o musical exclui diversos aspectos sombrios e políticos da trama original. Enquanto o livro possui reflexões filosóficas, críticas ao autoritarismo e elementos adultos (como religião, sexualidade e violência), o musical se torna mais leve, centrado no emocional e na construção do laço entre as protagonistas, com mensagens de empatia e aceitação (Wicked Musical, 2003)
Com base nisto, o filme “Wicked”, lançado em 2024, fez um enorme sucesso internacional e atraiu a atenção da crítica e do público devido às suas músicas, efeitos, personagens e história cativante. A obra é um prelúdio da história de “O Mágico de Oz” e se consolidou como um sucesso em bilheterias, chegando a arrecadar milhões de dólares em sua semana de estreia ao redor do mundo (Deolindo, 2024).
“Wicked” narra a história da bruxa má do oeste, Elphaba, e a bruxa boa do norte, Glinda, mostrando as dinâmicas entre a relação das duas dentro da mágica Universidade Shiz, antes da chegada de Dorothy. Em Shiz, Elphaba é constantemente marginalizada devido a cor verde de sua pele, enquanto Glinda é amada por todos e conquista tudo o que deseja com sua lábia e charme. Elas são obrigadas a dividir o mesmo quarto e, apesar das duas terem personalidades e comportamentos completamente opostos, Elphaba e Glinda se tornam grandes amigas e contribuem para o crescimento uma da outra durante a história (Wakeman, 2024).
Durante a trama, também é apresentado o Dr. Dillamond, professor da Universidade e um animal falante, que, durante uma de suas aulas, menciona o desaparecimento repentino de outros animais falantes em Oz, alertando sobre o perigo da censura e da manipulação na região. As duas amigas, sobretudo Elphaba, ficam tocadas com a situação alarmante (Wakeman, 2024). Este mistério permanece sem resposta até que as duas amigas fazem uma visita nas cidades das esmeraldas, e descobrem que o Mágico de Oz e a Madame Morrible, reitora de Shiz, são os culpados pelo desaparecimento dos animais. Após a revelação, a divergência de opinião entre Elphaba e Glinda as fazem escolher caminhos diferentes que consolidam Elphaba como a bruxa má do oeste e Glinda a bruxa boa do Norte.
A Escola de Copenhague é uma abordagem teórica significativa no campo da segurança internacional, que se distingue por sua ênfase na “securitização” como um processo através do qual questões são transformadas em questões de segurança. Isso significa que certos temas – que poderiam ser apenas políticos, econômicos, sociais ou ambientais – passam a ser vistos como problemas de segurança quando são apresentados dessa forma por atores relevantes, como líderes políticos ou instituições (Buzan; Wæver; Wilde, 1998).
Esta abordagem, desenvolvida por Barry Buzan, Ole Wæver e Jaap de Wilde, na obra “Security: A New Framework for Analysis” (1998), propõe uma forma mais ampla e dinâmica de entender o que é considerado uma ameaça, levando em conta o contexto e a forma como o discurso é construído. Conforme os teóricos (1998), a securitização ocorre quando uma questão é apresentada como ameaça existencial a um objeto referente (tipicamente, mas não exclusivamente, o Estado), justificando medidas excepcionais para combatê-la. Este processo envolve três componentes principais: o ator securitizante (quem securitiza), o discurso de securitização (como a questão é apresentada) e o público (quem precisa ser convencido).
Nessa perspectiva, em Wicked, o governo do Mágico de Oz passa a restringir e perseguir os animais falantes e qualquer magia que não esteja sob seu controle. O Mágico e sua porta-voz, Madame Morrible, utilizam-se de discursos públicos para convencer a população de que essas forças representam uma ameaça à ordem. Esse processo pode ser analisado como um ato de securitização que transcorre pela obra: transformar um problema político ou social em uma ameaça existencial, desviando o debate do campo democrático para o campo da urgência e da exceção.
No longa, o processo de securitização pode ser observado de forma palpável em três cenas específicas: a expulsão do Dr. Dillamond, professor que sofre discriminação por ser um animal falante e que é removido de sala de aula com força; o experimento com o leão acorrentado em sala de aula, trazido pelo novo professor, simbolizando fisicamente a “ameaça animal” e que gera uma reação direta de Elphaba, ou seja, uma reação a essa securitização, protestando contra a criminalização de direitos básicos dos animais e por fim, a rotulagem de Elphaba como “bruxa má”, propagada pelo governo de Oz que apresenta a personagem como uma ameaça existencial.
Ao transformar Elphaba e os animais falantes em ameaças existenciais, o Estado de Oz legitima medidas autoritárias – como vigilância, perseguição, censura e o uso da força. Esse é o núcleo do processo de securitização: permitir que o Estado atue fora das normas legais e democráticas sob o pretexto de proteção. Em alguns momentos, a personagem tenta desconstruir a imagem criada pelo governo, agindo em defesa dos oprimidos e expondo a verdade. Mas o aparato estatal e midiático é tão forte que sua tentativa de “desecuritizar” a própria imagem fracassa, o que mostra o poder das estruturas discursivas no processo de segurança – a voz dissidente não basta se não há audiência disposta a ouvi-la, o que serve como perpetuação do ato em si.
Desse modo, o longa “Wicked” vai muito além de contar o passado dos personagens, ele traz uma importante reflexão sobre a securitização e o que é considerado “perigoso” dentro do mundo de Oz. Assim, é possível enxergar os diferentes efeitos deste processo na jornada das bruxas, já que enquanto Elphaba, por ser contra a ideologia do mágico, é considerada uma ameaça, Glinda, que aceita o sistema imposto, é considerada um símbolo de esperança para os demais cidadãos.
Ademais, as produções musicais dentro do filme corroboram para as análises feitas ao longo do texto, na música “Defying Gravity” (2003) as protagonistas fazem questionamentos mútuos acerca da desecuritização das ameaças impostas pelo Estado de Oz e se realmente é possível ir contra a estrutura altamente rígida imposta pelo mágico.
Portanto, “Wicked” traz diversos elementos que podem ser comparados no sistema internacional contemporâneo, em que líderes, instituições e organizações securitizam determinados temas em prol de seus interesses e narrativas, deixando de lado o bem-estar internacional, tal qual o Mágico e a Madame Morrible na terra de Oz.
REFERÊNCIAS
BUZAN B, Waever O, Wilde Jd. Security: A New Framework for Analysis. Lynne Rienner Pub, 1998.
DEOLINDO, Breno. Wicked se torna uma das 50 maiores bilheterias na história dos EUA. Omelete. 2024. Disponível em:<https://www.omelete.com.br/filmes/wicked-50-maiores-bilheterias-eua>. Acesso em 23 de junho de 2025.
MAGUIRE, Gregory. Wicked: a vida e os tempos da Bruxa Má do Oeste. Tradução de Fábio Fernandes. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.
O MÁGICO DE OZ. Direção de Victor Fleming. Produção de Mervyn LeRoy. [S.l.]: Metro-Goldwyn-Mayer, 1939. 1 DVD (102 min), son., color.
WAKEMAN, Gregory. Qual é a verdadeira origem da história de ‘Wicked’ e da Bruxa Má do Oeste que cativou o mundo e ganhou dois Oscars? BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx2x8vpeneko>. Acesso em 23 de junho de 2025.
WÆVER, Ole. Securitization and desecuritization. Vol. 5. Copenhagen: Centre for Peace and Conflict Research, 1993.
WICKED LLC. The Show – Wicked the Musical. Disponível em: https://wickedthemusical.com/the-show/. Acesso em 24 de junho de 2025
