Maysa Lisboa, acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais 

Mais do que uma produtora cultural, Marara Kelly é uma agente de transformação simbólica, atua como cantora, compositora, DJ, performer e artista visual. Sua obra transita entre o technobrega, o hyperpop, o baile funk e outras linguagens experimentais, fundindo raízes amazônicas com influências globais.  Ao construir uma estética própria e insurgente, ela questiona normas de gênero, descentraliza geografias do poder e reinventa pertencimentos ao tensionar noções tradicionais de identidade, soberania e representação no espaço global.

Nascida como Mayara Yamada Castro, em 24 de fevereiro de 1992, na cidade de Belém, ela construiu uma trajetória que atravessa o teatro, as artes visuais e a música. Estudou teatro na Casa das Artes das Laranjeiras (Rio de Janeiro), aprofundou-se em Estética e Teoria do Teatro na Unirio, e em 2022 concluiu o mestrado em Artes Visuais pela ECAL, na Suíça (PLATTFORM, 2023). Sua identidade artística como Marara Kelly não é apenas um nome, pode ser lida como um ato de reinvenção queer, além de uma escolha performativa e política, um gesto de resistência à cisnormatividade e às expectativas sociais sobre o corpo e a identidade.

Sua trajetória artística teve início na cena underground da capital paraense, marcada por um forte protagonismo da cultura LGBTQIAPN+. Ao longo dos anos, construiu um percurso de projeção internacional, vivendo e se apresentando em cidades como Rio de Janeiro, Paris e Genebra, sem nunca romper com suas raízes amazônicas (FONDATION LABRI, s.d). Em 2024, lançou seu primeiro EP, Festa de Outro Mundo, uma obra que combina breakbeat, funk e sonoridades eletrônicas, pensada para a pista de dança, mas também como um manifesto de existência dissidente, dando visibilidade a subjetividades marginalizadas (BANDCAMP, 2024).

Marara é uma performer que faz do corpo e da imagem uma linguagem política. Seus figurinos, vídeo clipes e aparições públicas evocam um imaginário futurista, amazônico e queer, criando novas formas de existência que desafiam tanto o binarismo de gênero quanto o olhar colonizador ocidental. 

A análise de sua obra no campo das Relações Internacionais pode ser relacionada devido a sua trajetória artística a partir da teoria queer, especialmente por meio das obras de Judith Butler e Cynthia Weber. Em Gender Trouble (1990), Butler argumenta que o gênero não é uma essência fixa, mas sim uma performance reiterada e socialmente construída. Essa perspectiva permite analisar a produção artística de Marara como um ato de resistência e subversão: ao explorar o corpo, a música e a estética como meios performativos, ela rompe com o binarismo de gênero e com os padrões normativos da feminilidade e da brasilidade. Por meio de sua arte, Marara afirma novas formas de existência possíveis e propõe mundos alternativos no espaço público, como uma insurgência estética que também é política.

Complementando essa análise, Cynthia Weber, em Queer International Relations (2016), demonstra como as normas de gênero e sexualidade atravessam o campo da política internacional, moldando discursos e estruturas de poder globais. Sob essa perspectiva, a presença de Marara na cena cultural internacional — com performances tanto na Europa quanto na América Latina — pode ser entendida como uma forma de insurgência queer. Sua atuação desestabiliza estruturas binárias e eurocentradas das Relações Internacionais ao introduzir um corpo amazônico, LGBTQIA+ e periférico como protagonista simbólico nos circuitos culturais internacionais. Esse gesto perturba fronteiras geopolíticas tradicionais e amplia as possibilidades de representação no cenário global.

Sua existência e sua obra ilustram com potência as proposições de Butler e Weber: um mundo mais múltiplo, descentralizado e inclusivo. Marara Kelly é, assim, uma figura-chave para pensar as interseções entre cultura, identidade de gênero e política internacional. Sua arte performática atua como um dispositivo político que desestabiliza normas hegemônicas e expande os horizontes do que é possível ser, viver e representar.

Ao ocupar espaços centrais com uma estética enraizada na Amazônia e nas vivências queer, Mayara Kelly não apenas subverte categorias tradicionais de gênero, mas também desafia hierarquias geopolíticas. Sua obra contribui para imaginar um mundo novo — mais plural, diverso e justo, exatamente como propõe a teoria queer ao repensar as relações de poder internacionais.

Referências 

BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. London: Routledge, 1990.

MONTREUX JAZZ FESTIVAL. Marara Kelly. Montreux Jazz Festival, s.d. Disponível em: https://www.montreuxjazzfestival.com/en/artist/marara-kelly/. Acesso em: 13 jun. 2025.

OPÉRATION ICEBERG. Marara Kelly – Baile Funk | Genève (Suisse). Opération Iceberg, 17 fev. 2025. Disponível em: https://operation-iceberg.eu/artiste/marara-kelly/. Acesso em: 13 jun. 2025.

KAITHEATER. Marara Kelly – Art Show: You’ve Been Coming to My Parties, I’ve Been Appearing in Your Dreams. Kaaitheater, 2025. Disponível em: https://kaaitheater.be/en/agenda/24-25/marara-kelly-art-show-youve-been-coming-my-parties-ive-been-appearing-your-dreams. Acesso em: 13 jun. 2025.

VISIT BRUSSELS. Marara Kelly – Art Show: You’ve Been Coming to My Parties, I’ve Been Appearing in Your Dreams. Visit Brussels, 2025. Disponível em: https://www.visit.brussels/en/visitors/agenda/event-detail.Marara-Kelly-Art-Show-you-ve-been-coming-to-my-parties-I-ve-been-appearing-in-your-dreams.570433. Acesso em: 13 jun. 2025.

PLATTFORM. Mayara Yamada. Plattformplattform, s.d. Disponível em: https://www.plattformplattform.ch/Mayara-Yamada. Acesso em: 13 jun. 2025.

FONDATION LABRI. Mayara Yamada. Fondation l’Abri, s.d. Disponível em: https://www.fondationlabri.ch/en/artistes/mayara-yamada. Acesso em: 13 jun. 2025.

KELLY, Marara. Festa de Outro Mundo [EP]. Bandcamp, 20 dez. 2024. Disponível em: https://mararakelly.bandcamp.com. Acesso em: 13 jun. 2025.

L’ABRI GENÈVE. Mayara Yamada Portfolio. L’Abri Genève, s.d. Disponível em: https://labrigeneve.ch/media/pages/artistes/mayara-yamada/c11f6c3297-1695897122/mayara-yamada_portfolio_fr.pdf. Acesso em: 13 jun. 2025.

WEBER, Cynthia. Queer International Relations: Sovereignty, Sexuality and the Will to Knowledge. New York: Oxford University Press, 2016.