Sofia Dias, acadêmica do 1º semestre de Relações Internacionais 

Thaís Carvalho, acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais 

Ficha Técnica: 

Ano: 2022 

Direção: S. S. Rajamouli   

Gênero: Ação, Aventura, Drama 

Distribuição: Netflix 

País de Origem: Índia  

RRR – sigla para Rise Roar Revolt – é um longa-metragem indiano dirigido e coescrito por S. S. Rajamouli, que se destaca por ter sido a primeira produção em língua Telugu indicada ao Globo de Ouro. A consagração internacional veio com a vitória da canção “Naatu Naatu” no Oscar de Melhor Canção Original (2023) marcando um feito inédito para o cinema indiano e asiático. A obra se propõe a reimaginar, sob uma perspectiva ficcional e épica, as vidas de dois notórios líderes anticoloniais do início do século XX: Alluri Sitarama Raju e Komaram Bheem.  

Embora esses personagens históricos jamais tenham se encontrado, o filme os entrelaça em uma narrativa de amizade, resistência e luta compartilhada contra o domínio britânico. Por meio de uma estética visual exuberante e intensamente coreografada, o longa transforma acontecimentos históricos em lenda, ampliando suas figuras para além da realidade e aproximando-as do imaginário heroico coletivo (IMDB, 2022). 

Situado na década de 1920, o enredo se desenrola a partir do sequestro de Malli (Twinkle Sharma), uma criança da tribo Gond, levada por Catherine Buxton (Alison Doody), esposa do governador britânico, como se fosse um bem exótico. Tal injustiça desperta a reação de Komaram Bheem (interpretado por N. T. Rama Rao Jr.), que parte para Delhi em busca da menina, ocultando sua identidade sob o disfarce de um mecânico muçulmano. Ao mesmo tempo, Rama Raju (Ram Charan), um policial indiano subordinado ao regime imperial, aceita infiltrar-se entre os revolucionários para servir à Coroa. 

É dentro deste contexto que os caminhos dos dois se cruzam de forma arrebatadora, quando, juntos, salvam um menino durante um acidente de trem – uma cena que antecipa a intensidade do vínculo que se formará entre eles. Ao longo da trama, no entanto, as lealdades ocultas e os objetivos pessoais colocam à prova essa amizade, gerando um jogo de tensões, descobertas e alianças (BRODY, 2022). 

Assim, a obra projeta os protagonistas como ícones de uma mitologia moderna. A fidelidade documental dá lugar à liberdade criativa, e a história se transforma em alegoria. Bheem e Raju são retratados com força quase sobre-humana, desafiando limites físicos e morais em nome da justiça e da libertação. Essa elevação simbólica, aliada a uma estética grandiosa e estilizada, insere os protagonistas em um panteão heroico que transcende o tempo.  

Nesse sentido, a mitologização dos dois líderes, existente no longa, não apenas enaltece suas figuras, mas também mobiliza um sentimento coletivo de pertencimento e resistência. Ao articular o passado e a ficção em um só gesto narrativo, a obra cinematográfica afirma uma identidade nacional orgulhosa e resiliente – uma estratégia narrativa comum em discursos pós-coloniais, nos quais a memória é reimaginada para fortalecer a noção de soberania cultural e emancipação histórica (COLETTI, 2022). 

Isto posto, é possível analisar a obra à luz da teoria pós-colonial das Relações Internacionais (RI), vertente que surge como um contraponto epistemológico às narrativas hegemônicas. Essa abordagem centra-se nas vozes dos povos dominados e nas culturas historicamente silenciadas pelo eixo acadêmico euro-americano das RI. Assim, a teoria pós-colonial apresenta-se como uma alternativa teórica e praxeológica ao hegemonismo epistemológico ocidental na área (Castro, 2012, p. 390-391). 

Formulada a partir do final dos anos 1980, a teoria pós-colonial incorpora métodos oriundos de áreas correlatas, como a antropologia, a etnografia e as ciências sociais, tendo Edward Said como um dos principais pensadores expoentes desse campo. Nesse contexto, destaca-se também Frantz Fanon, pensador da libertação anticolonial e considerado uma das vozes mais influentes da teoria pós-colonial (Castro, 2012, p. 391). 

Em sua obra Os Condenados da Terra (1968), Fanon argumenta que a violência colonial desumaniza os colonizados e que, por isso, a única forma de recuperar a dignidade e reconstruir a subjetividade dos povos oprimidos seria por meio da violência revolucionária. Para o autor, essa violência não representa um simples impulso destrutivo, mas sim um ato de afirmação ontológica. Ao rebelar-se contra o colonizador, o sujeito colonizado nega a dominação imposta e reconstitui sua agência política. 

Dessa forma, no contexto de RRR, a violência revolucionária descrita por Fanon encontra uma representação simbólica nas ações de seus protagonistas, Raju e Bheem, pois ambos encarnam o ideal fanoniano do sujeito colonizado que rejeita a submissão e se reconstrói por meio do confronto direto com o poder imperial. Como também, faz parte da narrativa do filme que a insurgência armada contra o domínio britânico surge não apenas como uma estratégia política, mas também como uma expressão coletiva de um povo cuja identidade foi sistematicamente suprimida. 

Por fim, RRR não é apenas um épico de ação, mas uma poderosa narrativa simbólica de resistência anticolonial, pois ao retratar personagens que rompem com a submissão e optam pela rebelião violenta como forma de reconstrução identitária e libertação coletiva, a película transcende a ficção e se afirma como um gesto político e cultural que reinterpreta a história colonial sob a perspectiva dos marginalizados. 

REFERÊNCIAS 

COLETTI, Caio. O indiano RRR entende aquilo que Hollywood ignora sobre como fazer um espetáculo. Omelete, 22 nov. 2022. Disponível em: https://www.omelete.com.br/filmes/criticas/rrr-netflix-india. 

BRODY, Richard. The Netflix Hit “RRR” Is a Political Screed, an Action Bonanza, and an Exhilarating Musical. The New Yorker, 2022. Disponível em: https://www.newyorker.com/culture/the-front-row/the-netflix-hit-rrr-is-a-political-screed-an-action-bonanza-and-an-exhilarating-musical. 

IMDB. RRR (2022). Disponível em: https://www.imdb.com/pt/title/tt8178634/

CASTRO, Thales. Teoria das relações internacionais. Brasília: FUNAG, 2012. 

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução de Eduardo Brandão. Prefácio de Jean-Paul Sartre. São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 1968.