
Layla Andrade – acadêmica do 4° semestre de Relações Internacionais da Unama
A política externa dos Estados Unidos, sob influência do governo Trump e setores da extrema direita aliados a conglomerados financeiros e tecnológicos, reflete um cenário de realinhamento geopolítico marcado por isolacionismo estratégico, ambiguidades na resposta à invasão russa da Ucrânia, negligência em crises humanitárias como Gaza e uma retórica belicista que intensifica tensões regionais.
Essa postura tem sido amplamente analisada por teóricos das relações internacionais, especialmente John Mearsheimer, que, em Can China Rise Peacefully?(2014) e Why the US Can’t Stop China’s Rise? (2021), argumenta que a ascensão chinesa é inevitável devido a erros estratégicos dos EUA, incluindo a fragilidade das alianças ocidentais e a negligência ao Sul Global. Assim, a China não apenas consolida seu poder econômico, mas também se torna um polo de atração para países que buscam alternativas ao modelo liberal liderado por Washington, ampliando sua influência global à medida que os EUA recuam.
O isolacionismo norte-americano gera fissuras profundas em instituições como a OTAN, cuja credibilidade é abalada por declarações de Trump questionando o compromisso militar dos EUA com aliados europeus (CBS News, 2025). Isso obriga a Europa a buscar autonomia estratégica, mas sua dependência histórica de Washington em defesa e inteligência dificulta uma resposta eficaz (Euronews, 2025).
A incerteza ocidental diante da guerra na Ucrânia permite que a China se posicione como mediadora secundária, promovendo uma narrativa de paz que contrasta com a imagem fragmentada do Ocidente. Pequim reforça sua aliança com Moscou em setores estratégicos como energia e tecnologia, sem alienar completamente a Europa, que permanece economicamente vinculada ao mercado chinês (Atlantic Council, 2025).
No Oriente Médio, a política externa norte-americana, marcada por apoio incondicional a Israel e propostas de reassentamento forçado de palestinos, isola os EUA de aliados árabes moderados. Enquanto Washington aprofunda seu envolvimento no conflito, a China expande sua influência investindo em infraestrutura na região e facilitando diálogos como o acordo de reaproximação entre Irã e Arábia Saudita em 2023 (Al Jazeera, 2023).
A ameaça de um conflito global serve como pano de fundo para a consolidação da hegemonia chinesa. Enquanto os EUA se desgastam em disputas militares, a China avança com a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), conectando mais de 140 países por meio de investimentos estratégicos que reforçam sua posição como principal financiadora do desenvolvimento no Sul Global (PMC, 2024).
Em Can China Rise Peacefully?, Mearsheimer sustenta que potências emergentes raramente ascendem sem resistência, mas em Why the US Can’t Stop China’s Rise?, ele reconhece que os EUA facilitaram essa ascensão ao priorizar guerras no Oriente Médio e negligenciar a contenção econômica de Pequim. Dados do FMI (2024) mostram que a China já é o maior parceiro comercial de 128 países, enquanto os EUA lideram apenas em 89, e a expansão dos BRICS demonstra a capacidade chinesa de reconfigurar a ordem global, oferecendo alternativas ao G7 e promovendo uma nova dinâmica multipolar.
O declínio do Soft Power norte-americano acentua esse processo. Enquanto Washington recua de acordos climáticos e organismos multilaterais, Pequim se posiciona como líder em desenvolvimento sustentável e cooperação econômica. A pandemia de COVID-19 exemplificou essa tendência: enquanto os EUA adotavam um discurso nacionalista sobre vacinas, a China distribuía doses para mais de 100 países, consolidando sua imagem como alternativa ao Ocidente. Na América Latina, Brasil, Argentina e Chile aprofundam laços com Pequim devido à dependência econômica de exportações para a China, enquanto na África, investimentos chineses em infraestrutura desafiam a influência histórica dos EUA e da Europa.
Em conclusão, o cenário geopolítico atual sugere que, ao adotar uma política externa isolacionista e polarizada, os EUA aceleram involuntariamente a transição para uma ordem multipolar centrada na China. Como aponta Mearsheimer, a incapacidade norte-americana de conter a ascensão chinesa não é uma inevitabilidade histórica, mas o resultado de escolhas estratégicas equivocadas, incluindo a insistência em conflitos regionais, a desconsideração do Sul Global e a falha em modernizar instituições como a OTAN e o FMI.
Enquanto Washington oscila entre intervencionismo e retraimento, Pequim constrói uma rede de influência baseada em pragmatismo econômico e diplomático, consolidando uma hegemonia silenciosa que redefine as regras do jogo global.
Referências
MEARSHEIMER, J. J. Can China Rise Peacefully?. Palestra proferida na Universidade de Chicago, Chicago, 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KziM0S7kB-Y. Acesso em: 15 out. 2023.
MEARSHEIMER, J. J. Why the US Can’t Stop China’s Rise?. Palestra proferida no Council on Foreign Relations, Nova York, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2f5K6QOw4e4. Acesso em: 15 out. 2023.
INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). World Economic Outlook Database. 2023. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/WEO. Acesso em: 15 out. 2023.
ASIAN INFRASTRUCTURE INVESTMENT BANK (AIIB). Annual Report 2023. Disponível em: https://www.aiib.org/en/index.html. Acesso em: 15 out. 2023.
OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY (OEC). Country Profiles: China, United States. 2023. Disponível em: https://oec.world. Acesso em: 15 out. 2023.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). COVID-19 Vaccine Tracker. 2023. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/covid-19-vaccines. Acesso em: 15 out. 2023.
CBS NEWS. Trump questions NATO commitment amid European concerns. 2025. Disponível em: https://www.cbsnews.com. Acesso em: 15 jan. 2025.
EURONEWS. Europe’s strategic autonomy challenged by US dependency. 2025. Disponível em: https://www.euronews.com. Acesso em: 15 jan. 2025.
ATLANTIC COUNCIL. China-Russia partnership balances European relations. 2025. Disponível em: https://www.atlanticcouncil.org. Acesso em: 15 jan. 2025.
AL JAZEERA. China mediates Iran-Saudi Arabia reconciliation agreement. 2023. Disponível em: https://www.aljazeera.com. Acesso em: 15 mar. 2023. PMC. Belt and Road Initiative reaches 140 countries milestone. 2024. Disponível em: https://www.pmc.gov.cn. Acesso em: 15 dez. 2024.
