Marcela Martins, acadêmica do 1° semestre de Relações Internacionais da UNAMA.

Cacique Raoni Matuktire, nasceu na aldeia Mebêngôkre (Kayapó), localizada no Mato Grosso. A data de seu nascimento não é exata, estima-se que foi no ano de 1932, quando os Kayapós ainda eram nômades e não possuíam contato para além de sua comunidade. Raoni teve seu primeiro contato com o “mundo dos brancos” e a língua portuguesa em 1954, através dos irmãos Villas-Bôas (BBC, 2023). 

Raoni ficou conhecido mundialmente depois de ter um filme gravado pelo cineasta Jean-Pierre Dutilleux, contando sobre o seu povo, sua luta pela floresta e sua cultura, cujo nome é “Raoni”.  Esta produção foi indicada ao Oscar, exibido no Festival de Cannes e ganhou o prêmio de melhor filme no Brasil, mais especificamente em Gramado. Uma figura importante no início da trajetória do Cacique é o cantor britânico Sting, pois juntos rodaram o mundo levando a pauta de preservação das florestas e dos direitos dos povos indígenas, nos anos de 1980 (BBC, 2023).  

Os Kayapós foram peças fundamentais para pressionar o congresso a aprovar e reconhecer os direitos dos povos originários na Constituição de 1988. Desde então, Raoni é visto como uma figura de grande respeito por outros indígenas, algo de grande feito, pois antigamente eles viviam em guerra com as etnias vizinhas (BBC, 2023). 

O Cacique é uma figura de extrema relevância e resistência desde 1960, sua voz é ouvida e respeita por líderes mundiais, sejam eles atores estatais ou não. Ele foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz no ano de 2020, porém não ganhou. Quando estava próximo dos seus 90 anos de idade, o cacique parou de conversar em português. Apesar de Raoni ser visto como uma espécie de embaixador global em pautas da preservação do meio ambiente, sua relação com os governos brasileiros não é fácil, uma vez que, projetos como a Usina de Belo Monte que se iniciou no governo Lula, mas foi implementada no governo Dilma, não eram aceitas pelo cacique (National Geographic, 2020). 

O documentário “O chamado do Cacique: Herança, Terra e Futuro” aborda temas em torno de denúncias feitas pelas comunidades que seguem sendo prejudicadas pela expansão do desmatamento, do garimpo, do agronegócio em geral. Desde 1985, eles não têm um território demarcado e muitos precisam migrar para outras áreas para continuar sobrevivendo. Os indígenas representam apenas 5% da população mundial, mas preservam 80% da natureza, dado esse comprovado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) (IPAM / AMAZONIAR, 2025). 

Raoni recebeu do presidente Lula, o título de Grão-Mestre da Ordem Nacional do Mérito, é a mais alta honraria do país. Este título foi criado em 1946 por Eurico Gaspar Dutra, com o intuito de reconhecer figuras brasileiras e estrangeiras que tenham motivos relevantes para tal honraria (G1, 2025). 

Recentemente, o cacique tem expressado preocupação com a nova geração de indígenas. Em uma de suas falas, demonstrou tristeza ao perceber que muitos jovens estão se distanciando da cultura tradicional: 

“Nos meus sonhos eu os vejo [os jovens] e fico preocupado com eles. Por quê? Porque assim que eu deixá-los, no dia em que eu partir, eles não estarão bem. Eles estão mais aprendendo ritmos da cultura dos brancos – e esquecendo a nossa (…). Eu falo para eles não serem assim, para defenderem as terras, os rios, o povo. Isso que eu falo para eles” (Folha de S. Paulo, 2025). 

A trajetória do cacique Raoni pode ser compreendida pela teoria pós-colonial, que investiga as marcas deixadas pelo colonialismo nas dimensões política, econômica e cultural. Essa teoria enfatiza como elementos da estrutura colonial continuam presentes mesmo depois das independências formais, principalmente na forma de exclusão. Sankaran Krishna é um autor que discute como o sistema internacional e os próprios Estados nacionais perpetuam essas estruturas coloniais ao acentuar a marginalização de grupos subalternos e reforçar uma visão única de modernidade e identidade nacional. (KRISHNA, 2009). 

Ele problematiza o conceito de subalternidade, destacando como não somente povos indígenas, mas outras minorias, também são excluídos das decisões globais (KRISHNA, 2019). A ação de Raoni se coloca como resposta direta ao apagamento histórico das lideranças indígenas, projetando-o como um agente político relevante que fala por sua comunidade em locais nacionais e internacionais.  

Desde seu primeiro contato com o “mundo dos brancos” até sua atuação internacional, o cacique desafia o colonialismo interno ao defender saberes e territórios indígenas frente a projetos de progresso impostos pelo Estado. Sua crítica à perda cultural entre os jovens e sua resistência a megaprojetos como Belo Monte revelam uma luta contra a imposição de uma modernidade ocidental, reafirmando sua posição como ator internacional legítimo fora da lógica estatal.  

Por fim, evidenciam-se os papéis do cacique nas Relações Internacionais ao reorientar debates críticos sobre soberania territorial, justiça ambiental, direitos humanos e reconhecimento cultural. Como líder indígena, Raoni ressignifica o lugar do indígena nas relações globais e mostra que há múltiplas formas de se relacionar com o mundo que vão além da lógica colonial. 

Referências 

BBC News Brasil. Quem é Raoni, cacique que subiu rampa com Lula na posse presidencial. BBC, 2023. Disponível em: Quem é Raoni, cacique que subiu rampa com Lula na posse presidencial – BBC News Brasil. Acesso em: 30 jun. 2025. 

National Geographic. Quem é Raoni Metuktire, caiapó apontado como candidato ao Nobel da Paz. Natinal Geographic, 2020. Disponível em: Quem é Raoni Metuktire, caiapó apontado como candidato ao Nobel da Paz | National Geographic. Acesso em: 30 jun. 2025. 

IPAM/AMAZONIAR. O Chamado do Cacique: Herança, Terra e Futuro. [Arquivo de vídeo]. YouTube, 2025. Disponível em: https://youtu.be/lxMTHXmhJRg?si=j8Is0OBruAeQraRU. Acesso em: 30 jun. 2025. 

G1. Veja principais feitos que levaram cacique Raoni a receber mais alta hosraria do país. G1, 2025. Disponível em: Veja principais feitos que levaram cacique Raoni a receber mais alta honraria do país | Mato Grosso | G1. Acesso em: 01 jul. 2025. 

Folha de S. Paulo. Cacique Raoni inicia sucessão histórica. Folha de S. Paulo, 2025. Disponível em: Cacique Raoni inicia sucessão histórica – 28/06/2025 – Ambiente – Folha. Acesso em: 01 jul. 2025. 

IRI PUC. Capitalismo, indigeneidade e crise do antropoceno: uma reflexão pós-colonial. IRI PUC. Disponível em: Capitalismo, indigeneidade e crise do antropoceno: uma reflexão pós colonial – IRI – Instituto de Relações Internacionais. Acesso em: 01 jul. 2025.  

KRISHNA, Sankaran. Globalization and postcolonialism: Hegemony and resistance in the twenty-first century. Rowman & Littlefield, 2009.