
Julia Pimenta, acadêmica do 2° semestre de Relações Internacionais.
Ficha Técnica:
Ano: 2024
Gênero: Comédia. Romance.
Diretor: Greg Berlanti
Distribuição: Sony Pictures
País de Origem: Estados Unidos da América
O filme Como Vender a Lua (Fly Me to the Moon, 2024), dirigido por Greg Berlanti e estrelado por Scarlett Johansson e Channing Tatum, é uma comédia dramática que revisita, sob uma perspectiva crítica e satírica, a corrida espacial travada entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria. A trama se passa nos bastidores da missão Apollo 11, retratando a intensa pressão política sofrida pela NASA, não apenas para garantir o sucesso técnico do lançamento, mas para preservar a imagem de liderança global dos Estados Unidos diante do mundo (ADOROCINEMA, 2024).
O enredo gira em torno de Kelly Jones, uma publicitária contratada para transformar a opinião pública sobre o programa espacial, e de Cole Davis, engenheiro-chefe da missão. Após o fracasso de um teste crucial, cresce a preocupação do governo com o risco de derrota simbólica frente à URSS. Para garantir que os EUA não pareçam fracos, Kelly é pressionada por um agente do governo a produzir uma gravação simulando o pouso lunar, a ser transmitida caso a missão real falhe. O filme revela, assim, os bastidores da manipulação política e midiática, explorando os limites entre realidade, propaganda e poder.
Situado no auge da Guerra Fria, o longa-metragem reflete a lógica de um mundo bipolar, onde as grandes potências não disputavam apenas território, mas prestígio ideológico e tecnológico. Nesse contexto, o sucesso da missão espacial assumia uma função estratégica essencial para a manutenção da hegemonia simbólica dos EUA. Como destaca Sarfati (2011), em um sistema internacional anárquico e sem uma autoridade superior, os Estados operam guiados pela busca de segurança e influência, muitas vezes por meio de instrumentos indiretos como propaganda, discurso e imagem pública.
É nesse ponto que o filme se alinha de forma precisa com os fundamentos do realismo nas Relações Internacionais, especialmente com as teorias de Kenneth Waltz e John Mearsheimer. Para Waltz (1979), os Estados atuam de acordo com a estrutura anárquica do sistema internacional, que os força à autopreservação e à adoção de estratégias defensivas. Como explica Corrêa (2016), para Waltz, “a balança de poder é um reflexo da estrutura do sistema, que impõe comportamentos semelhantes mesmo entre Estados diferentes” (CORRÊA, 2016, p. 40). Dessa forma, a decisão de forjar um pouso na Lua seria, dentro da lógica de Waltz, uma resposta racional a um ambiente de ameaça e incerteza. A simulação do sucesso seria um mecanismo simbólico de manutenção do equilíbrio de poder.
Já Mearsheimer (2001), ao desenvolver o realismo ofensivo, oferece uma visão mais incisiva do comportamento das grandes potências. Para ele, os Estados não apenas visam à sobrevivência, mas buscam ativamente maximizar seu poder e impedir que rivais cresçam. No filme, a estratégia do governo norte-americano de garantir uma gravação do pouso, mesmo que falsa, expressa essa lógica ofensiva: trata-se de uma ação deliberada para manter a hegemonia global, mesmo à custa da verdade. Como argumenta o autor, “em um mundo anárquico, os Estados são forçados a se comportar como predadores de poder” (MEARSHEIMER, 2001, p. 29). Desse modo, Kelly Jones, ao construir uma campanha para manipular a percepção pública e internacional, encarna a dimensão simbólica do poder no sistema internacional.
Portanto, Como Vender a Lua oferece mais do que uma sátira da política espacial norte-americana. Ele revela, de maneira sensível e crítica, como o comportamento estatal diante da competição global é moldado por estruturas sistêmicas e pela necessidade de projetar poder. Sob a ótica de Waltz, o filme mostra a reação defensiva de um Estado em um sistema anárquico. Pela lente de Mearsheimer, a obra revela o impulso constante das grandes potências de moldar a realidade a seu favor, mesmo por meios artificiais.
Em síntese, o filme é um excelente exemplo de como o poder internacional é disputado não apenas com armas ou tecnologias, mas também com imagens, narrativas e controle simbólico. Assim, Como Vender a Lua não apenas diverte, mas também oferece uma poderosa crítica sobre a lógica estratégica que orienta o comportamento das potências em um sistema internacional competitivo e instável.
REFERÊNCIAS
ADOROCINEMA. Como Vender a Lua. 2024. Disponível em: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-303294/. Acesso em: 10 jul. 2025.
CORRÊA, Fernanda das Graças. A balança de poder sob a ótica de Kenneth Waltz: uma discussão da teoria sistêmica. Revista InterAção, v. 11, n. 11, jul./dez. 2016.
MEARSHEIMER, John J. A tragédia da política das grandes potências. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
SARFATI, Gilberto. Teorias de Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
WALTZ, Kenneth N. Theory of International Politics. Reading, MA: Addison-Wesley, 1979.
