
João Victor Barra Pinheiro – acadêmico do 8° semestre de Relações Internacionais da Unama
A América Latina é composta por um verdadeiro mosaico cultural, fruto dos mais variados tipos de processos histórico-sociais. A herança cultural de tanta expressão artística, religiosa, linguística e social está intimamente ligada às dinâmicas estabelecidas entre povos originários, colonizadores europeus e populações africanas escravizadas.
A forma como a cultura resistiu e prosperou na região foi por meio da fusão cultural e da força de vontade em manter viva a memória de toda uma região, que compartilha as dores e traumas da exploração (GALEANO, 2010). A cultura latino-americana se configura, portanto, como um elemento de pertencimento e transformação social. Este artigo propõe uma reflexão sobre a riqueza da cultura latino-americana, não se limitando somente à expressão artística, mas também como um instrumento para analisar processos sociopolíticos da região. A análise será acerca do papel da cultura na formação de identidades e resistências, com base em sua história e suas expressões.
A teoria pós-colonial das Relações Internacionais surge com a “virada epistemológica”. Esse movimento rompia, pela primeira vez, com as correntes teóricas tradicionais que até então dominavam o campo das Relações Internacionais. O pressuposto principal da pós-colonialidade parte do fato de que os debates e as teorias presentes até então nas Relações Internacionais eram de uma perspectiva eurocêntrica, que não conseguia ler de maneira eficaz realidades marginalizadas, como a da América Latina (QUIJANO, 2005).
Um de seus principais teóricos na América Latina, Aníbal Quijano, propôs o conceito de “colonialidade do poder” para descrever como o colonialismo persiste mesmo após a “descolonização” oficial dos territórios invadidos. Para Quijano (2005), as Relações Internacionais ainda são fundamentadas em uma hierarquia racial e cultural, preterindo o conhecimento e a cultura dos povos latino-americanos a uma condição inferior.
Do mesmo modo, Frantz Fanon, em sua análise da colonização, afirma que a desumanização do colonizado não reside somente na materialidade, mas também no simbolismo, moldando como o indivíduo se vê e percebe sua cultura (FANON, 2008).
A cultura latino-americana expressa sua resistência de diversas formas. Da literatura, com autores como Eduardo Galeano, à música de resistência de Chico Buarque, há algo em: denúncia e insubmissão. As manifestações religiosas sincréticas e os saberes tradicionais preservados por comunidades originárias e afrodescendentes mostram como a memória sobrevive ao apagamento e à desumanização de séculos de trauma colonial. Essa riqueza cultural permanece até hoje por meio de um processo de criação vivo e em constante dinamismo, sujeito a adaptações e incorporações.
Do ponto de vista analítico, é necessário entender que a cultura não se configura somente como um retrato da realidade social, mas como um instrumento de autonomia e emancipação. Em um contexto de colonialidade do poder, valorizar as expressões culturais da região representa uma forma de subverter a lógica hegemônica que busca inferiorizar o que é latino-americano. Como afirma Quijano (2005), romper com a colonialidade teórica é fundamental para trilhar novos caminhos de liberdade e dignidade para a América Latina.
Dessa forma, a cultura adota também um papel político, sendo movimentada como meio de afirmação internacional. A cultura latino-americana, ao unir tradição e contemporaneidade, tem potencial para redefinir o lugar da região no globo, não se limitando a estereótipos exóticos e românticos, mas como indivíduos donos de sua própria narrativa.
Portanto, a beleza da cultura latino-americana se encontra em sua resistência e renovação. Ela revela a luta de um povo que, apesar da dominação, continua produzindo história e vida. Analisá-la a partir da teoria pós-colonial permite questionar os sistemas de poder que ainda tentam calar suas vozes, apagar sua memória e relativizar suas dores. Ao reconhecer a cultura como ferramenta de luta e afirmação, reafirma-se a importância da América Latina como espaço de criação viva e resistência no cenário global.
REFERÊNCIAS:
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 45. ed. Porto Alegre: L&PM, 2010.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 117–142. Disponível em: https://www.clacso.org.ar/libreria-latinoamericana/. Acesso em: 09 jul. 2025.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. 2. ed. São Paulo: Civilização Brasileira, 2008.
