
O conflito entre Índia e Paquistão, que dura há mais de 75 anos, é um dos mais tensos do cenário global. Surgido com a partição do subcontinente indiano em 1947, ele envolve disputas territoriais, choques religiosos e rivalidades políticas. A questão da Caxemira é o principal foco da tensão entre os dois países. Ambos possuem armas nucleares, o que eleva o risco de uma guerra com consequências mundiais. Esse impasse afeta a estabilidade do sul da Ásia e é acompanhado com atenção por potências globais. Entender esse conflito é fundamental para compreender os desafios da diplomacia internacional no século XXI.
Antes da chegada britânica, o território indiano era formado por diversos reinos e impérios independentes, como o Império Mogol, que dominava grande parte da região no início do século XVIII. Essa diversidade incluía povos de diferentes etnias, línguas e religiões, com destaque para as comunidades hindu, muçulmana, sikh e budista. A Índia era rica em recursos naturais e produtos valiosos como especiarias, tecidos e pedras preciosas, o que atraía o interesse comercial de diversas potências europeias, incluindo portugueses, holandeses, franceses e britânicos (Wolpert, 2004).
A partir do século XVIII,através da Companhia das Índias Orientais, os britânicos começaram a expandir sua influência no subcontinente indiano. Inicialmente presentes para fins comerciais, os britânicos aproveitaram conflitos internos entre reinos locais para assumir o controle de vastos territórios. Com a vitória na Batalha de Plassey (1757), consolidaram o domínio sobre Bengala e, gradualmente, estenderam seu poder sobre grande parte da Índia. Em 1858, após a Rebelião dos Cipaios, o controle foi transferido da Companhia para a Coroa Britânica, e a Índia tornou-se oficialmente uma colônia do Império Britânico (Wolpert, 2004)
Durante a colonização, os britânicos impuseram políticas que beneficiaram a economia imperial, em detrimento das populações locais. Muitos indianos foram explorados como mão de obra, perderam terras e viram suas indústrias artesanais arruinadas. Além disso, houve forte repressão a protestos e resistência, como no Massacre de Jallianwala Bagh, em 1919, quando centenas de indianos foram mortos por tropas britânicas. A dominação estrangeira também incentivou divisões religiosas e sociais que mais tarde seriam agravadas no processo de independência (Metcalf, 2012).
Ao longo do século XX, cresceu o movimento nacionalista indiano. O Congresso Nacional Indiano, liderado por figuras como Mahatma Gandhi e Jawaharlal Nehru, defendeu a independência através de meios pacíficos, como a desobediência civil e o boicote a produtos britânicos (Brown, 2009). Paralelamente, a Liga Muçulmana, sob liderança de Muhammad Ali Jinnah, representava os interesses da população muçulmana, temendo que, em uma Índia unificada, os muçulmanos seriam marginalizados politicamente. Estas diferenças complicaram as negociações com os britânicos (Jalal, 1985).
Diante da pressão popular, da crise econômica no pós-guerra e da impossibilidade de manter o controle, o Reino Unido decidiu conceder a independência. Em 1947, a Índia foi dividida em dois países: a Índia, com maioria hindu e governo laico, e o Paquistão, criado como um Estado islâmico. A partição foi mal organizada e causou uma tragédia humanitária: cerca de 15 milhões de pessoas migraram entre os dois países e até 1 milhão morreram em conflitos étnicos e religiosos. A divisão também deixou feridas profundas que jamais foram totalmente curadas (Talbot, 2006).
Logo após a independência, surgiu o primeiro grande confronto: a disputa pela região da Caxemira, de maioria muçulmana, mas governada por um príncipe hindu que decidiu aderir à Índia. Isto provocou a Primeira Guerra Indo-Paquistanesa (1947-1948), que terminou com a divisão da Caxemira entre os dois países. Desde então, o território continua sendo motivo de disputa e a rivalidade entre Índia e Paquistão cresceu, com novos conflitos armados em 1965, 1971 (que levou à criação de Bangladesh) e 1999 (Conflito de Kargil), além de diversas escaramuças ao longo das décadas (Wolpert, 2004).
A tensão se intensificou com o desenvolvimento de armas nucleares por ambos os países: a Índia testou sua primeira bomba em 1974 e o Paquistão em 1998. O risco de uma guerra nuclear aumentou de forma considerável, principalmente após eventos como o atentado de Mumbai, em 2008, atribuído a militantes com base no Paquistão. Tentativas de diálogo e acordos de paz ocorreram ao longo dos anos, mas foram constantemente interrompidos por ataques terroristas, disputas políticas e pressões internas em ambos os países (Metcalf, 2012).
Atualmente, Índia e Paquistão mantêm uma relação extremamente delicada. Em 2019, a Índia revogou o status especial da Caxemira, o que provocou fortes reações do Paquistão e aumentou novamente as tensões. Ambos seguem investindo em defesa, enquanto mantêm um discurso nacionalista. A região permanece altamente militarizada, com confrontos frequentes na Linha de Controle. O conflito, que dura mais de 75 anos, continua sendo um dos principais pontos de instabilidade do mundo e um grande desafio para a diplomacia internacional (Khilhani, 1999).
O conflito entre Índia e Paquistão pode ser compreendido a partir do realismo ofensivo de John Mearsheimer, que enxerga o sistema internacional como anárquico, onde os Estados buscam maximizar seu poder para garantir segurança e influência. Como não confiam nas intenções uns dos outros, adotam estratégias ofensivas e priorizam o fortalecimento militar. No Sul da Ásia, esta dinâmica se manifesta na disputa territorial pela Caxemira, no desenvolvimento de armas nucleares e na constante rivalidade geopolítica entre os dois países. Mesmo com esforços diplomáticos ao longo das décadas, a desconfiança permanece, transformando o conflito em uma ameaça duradoura à estabilidade regional e internacional (MEARSHEIMER, 2014).
Referências:
BROWN, Judith M. Gandhi and civil resistance in India, 1917–47. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
JALAL, Ayesha. The sole spokesman: Jinnah, the Muslim League and the demand for Pakistan. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
KHILNANI, Sunil. The idea of India. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1999.
MEARSHEIMER, John J. The tragedy of great power politics. Updated edition. New York: W. W. Norton & Company, 2014.
METCALF, Barbara D.; METCALF, Thomas R. A concise history of modern India. 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.
TALBOT, Ian. Divided cities: partition and its aftermath in Lahore and Amritsar 1947–1957. Oxford: Oxford University Press, 2006.
WOLPERT, Stanley. A new history of India. 7. ed. New York: Oxford University Press, 2004.
