
Thaís Carvalho e Tayse Santana, acadêmicas do 8° semestre de Relações Internacionais.
Ficha Técnica:
Ano: 1993
Gênero: Drama, Romance.
Diretor: Chen Kaige
Distribuição: Festival
País de Origem: Hong Kong, China.
Considerado o primeiro filme em língua chinesa a vencer a Palma de Ouro em Cannes, em 1993, e indicado em duas categorias do Oscar, Adeus, Minha Concubina acompanha a trajetória de dois amigos, Cheng Dieyi (Leslie Cheung) e Duan Xiaolou (Zhang Fengyi), que se conhecem ainda na infância em uma rígida escola de treinamento da Ópera de Pequim. Tornam-se parceiros de cena na encenação de uma das peças mais clássicas da ópera chinesa, de nome homônimo à obra, e sua amizade se estende por mais de 50 anos, desde a infância até a vida adulta, marcada por amores, traições e pelas profundas e turbulentas transformações da história da China (TIFF, 2023).
O longa inicia-se com a cena emblemática em que Cheng Dieyi é abandonado pela mãe em uma escola de preparação para a ópera, sendo deixado à própria sorte. É nesse ambiente hostil que ele encontra conforto na amizade de Xiaolou, outro jovem órfão que, como ele, sofre a violência estrutural imposta aos aspirantes da Ópera de Pequim. Assim, os dois desenvolvem um forte vínculo de companheirismo, que lhes dá forças para suportar os sacrifícios e as agressões físicas e psicológicas exigidas pela formação artística voltada à disciplina e à excelência.
Ao longo da trama, o sucesso da dupla se consolida com a atuação da peça Adeus, Minha Concubina, em que Dieyi interpreta a concubina que se sacrifica por amor ao rei, papel desempenhado por Xiaolou. No entanto, a entrega de Dieyi ao papel torna-se tão intensa que a fronteira entre sua identidade artística e pessoal começa a se dissolver, especialmente em relação aos sentimentos que desenvolve por seu parceiro de cena e amigo de longa data. Com o passar dos anos, essa relação se torna cada vez mais delicada e conflituosa, principalmente após o casamento de Xiaolou com Juxian (Gong Li), uma ex-prostituta que assume papel central nas tensões emocionais entre os dois.
Paralelamente às tensões pessoais, o pano de fundo histórico do longa-metragem traz consigo a intensidade e conflitualidade das mudanças políticas e sociais na China. Dessa forma, o roteiro percorre eventos cruciais da história do país no século XX, desde a invasão japonesa, a guerra civil entre nacionalistas e comunistas, a fundação da República Popular da China, até a Revolução Cultural (PALAVRAS DE CINEMA, 2020).
É nesse último período que a arte tradicional, marcada principalmente pela Ópera de Pequim, passa a ser vista como símbolo de um passado considerado “reacionário”, sendo amplamente reprimida pelos revolucionários comunistas liderados por Mao Tsé-Tung. Nesse sentido, é no cerne desta tensão política que a fragilidade da relação entre Dieyi e Xiaolou atinge o ápice, principalmente nos momentos em que ambos são obrigados a trair um ao outro publicamente, como nas sessões de humilhação promovidas durante a Revolução Cultural, revelando o quanto a arte, a amizade e o amor se tornam reféns das pressões históricas (PALAVRAS DE CINEMA, 2020).
Dessa forma, a cinematografia aborda questões importantes para a compreensão da história da China, como os conflitos históricos que o país enfrentou ao longo dos anos. Assim, a obra demonstra, ao longo de sua narrativa, como as construções identitárias e sociais são moldadas por fatores históricos, culturais e discursivos, e como as mudanças nas normas sociais e políticas transformam profundamente a visão sobre uma nação, podendo ser observado através da Teoria Construtivista das Relações Internacionais.
A Teoria Construtivista surge como uma alternativa às abordagens tradicionais, como o realismo e o liberalismo, e busca destacar como as ideias, normas e identidades são fundamentais na formação das ações e interações dos Estados (BUENO, 2023). A teoria enfatiza que as identidades – nacionais e coletivas -, assim como os interesses dos países, são construídas socialmente e são mutáveis ao longo do tempo. As identidades ocupam um papel central nesse processo, pois representam uma consciência coletiva capaz de moldar e influenciar interesses, além de formar vínculos identitários compartilhados, o que pode ser essencial para a manutenção da paz entre as nações. “Os pensamentos, idéias e valores, possuem uma força maior que as estruturas materiais” (CASTRO, 2016, p. 386).
Entre os principais teóricos do construtivismo, destaca-se Alexander Wendt. Em sua obra “Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics” (1992), o autor defende que normas e ideias são elementos centrais na construção das identidades e dos interesses dos Estados, sugerindo que a anarquia no sistema internacional não é, por natureza, conflituosa, mas depende das normas e idéias compartilhadas entre os Estados. Dessa forma, as identidades e os interesses tornam-se fundamentais para compreender como os Estados se percebem e como interagem entre si, conforme destaca Castro (2016, p. 389): “O mundo lá fora passa por etapas de construção social com base em valores ideais”.
Adeus, Minha Concubina exemplifica como as identidades são mutáveis e construídas a partir de interesses políticos. Ao longo da obra, observam-se diferentes fases da história da China – como a ocupação japonesa, a guerra civil e a Revolução Cultural – e como as normas sociais e políticas se transformam drasticamente com o tempo, afetando de maneira profunda as identidades individuais e coletivas. Dessa maneira, essas mudanças ilustram como os personagens e o Estado têm suas identidades moldadas não por uma essência fixa ou natural, mas pelas normas culturais, discursos e práticas sociais que os cercam, dependendo das relações intersubjetivas e do contexto histórico em que estão inseridos.
Em resumo, “Adeus, Minha Concubina” se alinha aos principais conceitos do construtivismo reafirmando à ideia de Alexander Wendt (1999, p.1), segundo a qual a identidade é mutável e formada por meio de interações sociais e idéias compartilhadas, e não naturalmente, ao demonstrar como a realidade é moldada pelas relações sociais e pelas ideias que os sujeitos compartilham ou impõem uns aos outros, agindo conforme os papéis que lhes são impostos e naturalizados socialmente, e que essas identidades podem ser transformadas à medida que mudam as normas, os discursos e as práticas sociais.
REFERÊNCIAS
BUENO, Guilherme. Construtivismo: a teoria construtivista e as identidades. ESRI Brasil, 10 jun. 2024. Disponível em: https://esri.net.br/construtivismo-teoria-construtivista-e-as-identidades/. Acesso em: 21 jul. 2025.
CASTRO, Thales. Teoria das Relações Internacionais. 2. ed. rev. e atual. Brasília: FUNAG, 2016.
PALAVRAS DE CINEMA. Adeus, Minha Concubina, de Chen Kaige. 2020. Disponível em: https://palavrasdecinema.com/2020/10/03/adeus-minha-concubina-kaige/ . Acesso em: 20 jul. 2025.
TIFF. Farewell My Concubine. 2023. Disponível em: https://tiff.net/events/farewell-my-concubine. Acesso em: 20 jul. 2025.
WENDT, Alexander. Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics. 1992.
WENDT, Alexander. A. Social Theory of International Politict. Cambridge University Press. 1999
