
Rita Polaro – acadêmica do 4º semestre de Relações Internacionais da Unama
Faltando aproximadamente 100 dias para a realização da 30ª Conferência das Partes, a cidade de Belém, escolhida para sediar o evento, corre contra o tempo para finalizar os diversos projetos de infraestrutura voltados à melhoria da capital paraense. Dessa forma, o Governo Federal, em conjunto com o Governo Estadual do Pará, tem seguido uma agenda de obras financiadas em parceria com instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Itaipu Binacional (Governo do Brasil, 2024).
Além disso, por se tratar de um evento que reunirá diversos chefes de Estado, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil, a comunicação entre os diferentes atores surge como um aspecto ainda incerto. Paralelamente a isso, o aprimoramento do ensino de línguas estrangeiras entre os moradores de Belém e os interessados em participar dos debates tem se tornado cada vez mais essencial. O foco em idiomas como inglês, francês e espanhol representa um leque de oportunidades para um networking mais abrangente, fomentando também o setor de prestação de serviços.
Com a chegada de estrangeiros à cidade anfitriã em novembro, a preocupação com a comunicação tem sido enfrentada por meio de cursos intensivos e de caráter instrumental, oferecidos principalmente a trabalhadores das áreas de hotelaria e turismo, a partir de programas como o “Capacita COP30”, do Governo do Pará, além de iniciativas da Prefeitura Municipal de Belém e de instituições como o IFPA e a UEPA (O Liberal, 2024).
Nesse sentido, o conceito de soft power, desenvolvido por Joseph Nye (2004), é aplicável a compreensão de como o aprendizado de línguas no contexto da COP30 pode ser uma ferramenta estratégica para países cujo idioma é ampliado em outras regiões. Dentre as formas de difundir uma cultura estrategicamente, a língua se estabelece como um elo poderoso da diplomacia, influenciando de maneira quase imperceptível aqueles que a estudam. Ademais, essa medida também beneficia o país anfitrião que, no caso do Brasil, adota há tempos a política externa como meio de fortalecer sua imagem no sistema internacional.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), foram estabelecidas 6 línguas oficiais para a comunicação entre os Estados-Membros: árabe, chinês, inglês, francês, russo e espanhol (United Nations, 2023). Essa diversidade linguística amplia a representação cultural nas organizações internacionais, mas não garante igualdade entre os idiomas. Diante disso, surge a oportunidade de internacionalizar a língua portuguesa globalmente, um esforço que vem sendo desenvolvido desde 1996 com a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com destaque para a petição de 2009, que propôs o reconhecimento do português como uma das línguas oficiais da ONU (Ribeiro, 2017).
A centralidade das línguas estrangeiras nos debates da COP30, especialmente do inglês como língua franca, pode reproduzir mecanismos de exclusão. Populações indígenas, comunidades tradicionais e setores da juventude amazônida, que muitas vezes não têm acesso ao ensino de idiomas estrangeiros, veem-se afastados das esferas de decisão e diálogo internacional. Ainda que existam recursos de tradução, persistem barreiras simbólicas e epistêmicas que limitam a participação efetiva dessas vozes.
Como afirma o ativista indígena, ambientalista e filósofo brasileiro Ailton Krenak (2019), a tentativa de incluir os povos indígenas em fóruns internacionais historicamente ocorre sob a condição de que se abandonem suas línguas, cosmovisões e modos de narrar o mundo. A imposição do inglês como idioma oficial da COP30, ainda que funcional para a comunicação global, contribui para o apagamento simbólico de saberes ancestrais e práticas de cuidado com a terra. Segundo Krenak, a língua é parte essencial do modo de vida de um povo, e impedi-lo de falar sua própria língua é negar também sua identidade e sua maneira de estar no mundo.
Dessa maneira, embora o conceito de soft power enfatize a importância da cultura, dos valores e da comunicação como formas de influência não coercitiva, ele não está isento de críticas. Pois, quando aplicado ao aprendizado de idiomas, especialmente em contextos como a COP30, o soft power pode reproduzir desigualdades históricas entre países centrais e periféricos. Nesse sentido, é fundamental problematizar a ideia de que o aprendizado de línguas, por si só, promove inclusão global, sem considerar as estruturas de poder que definem quais vozes são ouvidas, e em que idioma essas vozes podem ser legitimadas.
REFERÊNCIAS:
GOVERNO DO BRASIL. Infraestrutura, mobilidade e emprego: os impactos positivos da COP30 em Belém. Brasília: Presidência da República, Casa Civil, 13 nov. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2024/11/infraestrutura-mobilidade-e-emprego-os-impactos-positivos-da-cop30-em-belem. Acesso em: 18 jul. 2025.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
NASCIMENTO, Jéssica. Inglês, taxista, cozinheiro: Belém tem 12 cursos gratuitos abertos para COP 30 em diversas áreas. O Liberal, Belém, 20 nov. 2024. Disponível em: https://www.oliberal.com/cop-30/garconete-taxista-cozinheiro-belem-tem-12-cursos-gratuitos-abertos-para-cop-30-em-diversas-areas-1.889357. Acesso em: 18 jul. 2025.
NYE, Joseph S. Jr. Soft power: the means to success in world politics. New York: PublicAffairs, 2004.
RIBEIRO, Rafael. O Ensino de Línguas Estrangeiras como Ferramenta de Soft Power e Estratégia de Política Externa: os casos do inglês, mandarim e português. 2017. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/22629/1/Dissertação%20de%20Mestrado%20PPGRI%20-%20Rafael%20Ribeiro%20-%20O%20Ensino%20de%20Línguas%20Estrangeiras%20como%20Ferramenta%20de%20Soft%20Power%20e%20Estratégia%20de%20Política%20Externa.pdf. Acesso em: 18 jul. 2025.
UNITED NATIONS. Official Languages. Nova Iorque: United Nations, 2 mar. 2023. Disponível em: https://www.un.org/en/our-work/official-languages. Acesso em: 18 jul. 2025.
