Layla Andrade – 4º semestre

A complexa tessitura das relações entre Irã e Estados Unidos constitui um paradigma emblemático da fabricação discursiva de ameaças no sistema internacional pós-11 de setembro. A ruptura diplomática iniciada com a Revolução Iraniana de 1979, que depôs o xá Mohammad Reza Pahlavi — aliado estratégico de Washington — cristalizou-se em antagonismo permanente após a inclusão do país no “eixo do mal” pelo presidente George W. Bush (BBC, 2025). Esse enquadramento maniqueísta, amplificado pelo episódio trágico das Torres Gêmeas, forneceu o substrato retórico para justificar medidas excepcionais, como o recente bombardeio ao complexo nuclear de Fordow em março de 2025, qualificado como “resposta proporcional a atividades suspeitas” (REUTERS, 2025). Contraditoriamente, inspeções meticulosas da Agência Internacional de Energia Atômica reiteram que “não há evidências materiais de desvio do programa nuclear para fins militares” (THE GUARDIAN, 2025), revelando a dissonância entre narrativas midiático-políticas e realidades verificáveis.  

A teorização pós-estruturalista de Richard Ashley (1984) oferece arcabouço fundamental para desvendar essa maquinaria simbólica. Em “The Poverty of Neorealism”, o autor desmonta a pretensão objetivista das análises tradicionais, demonstrando como o conceito de “anarquia internacional” opera como artefato discursivo que naturaliza hierarquias de poder. Essa construção torna-se palpável quando submarinos nucleares estadunidenses da classe Ohio são posicionados no Golfo Pérsico sob a égide de “dissuasão estratégica” (CNN, 2025), performatizando precisamente o cenário de ameaça que alegam conter. Ashley (1987) aprofunda essa análise no ensaio “The Geopolitics of Geopolitical Space”, argumentando que o espaço geopolítico não é dado, mas textualizado através de práticas discursivas que legitimam intervenções. A cobertura midiática do incidente no estreito de Ormuz em 2024, onde fragmentos de um drone não identificado foram apresentados como “prova irrefutável” da agressividade iraniana (NEW YORK TIMES, 2025), exemplifica essa produção de significados que precede e condiciona a ação material.  

James Der Derian (1992) avança nessa desconstrução ao examinar as “práticas antidiplomáticas” que substituem a negociação pela mediação tecnobélica. O ataque cibernético à usina de Natanz em 2021 e as sabotagens recorrentes às centrífugas iranianas (AL JAZEERA, 2025) configuram o que o teórico denomina “diplomacia por outros meios” — uma substituição do diálogo por atos de força que ampliam o estranhamento mútuo. Der Derian (2001) adverte em “Virtuous War” sobre a perigosa simbiose entre complexos militar-midiáticos, onde drones e algoritmos de inteligência artificial geram uma “ética beligerante” autojustificadora. Esse fenômeno manifesta-se nos relatórios distorcidos sobre “atividades suspeitas” em Parchin (BBC, 2025), utilizados para legitimar violações de soberania que, por sua vez, alimentam ciclos de retaliação como o lançamento de mísseis balísticos contra bases de Ain al-Assad (REUTERS, 2025).  

A teoria das “linhas fronteiriças” de Ashley (1988) ilumina o processo identitário subjacente ao conflito. Ao construir o Irã como “Estado pária”, os aparatos de segurança ocidentais simultaneamente reforçam sua própria identidade como guardiões da ordem nuclear. Essa dialética perversa explica a tolerância com o arsenal nuclear israelense — estimado em 90 ogivas pelo SIPRI — enquanto sanções estranguladoras são impostas ao Irã por atividades lícitas sob o TNP (EL PAÍS, 2025). Como observa Der Derian (1989) em “International/Intertextual Relations”, os relatórios de inteligência funcionam como “textos flutuantes” cujas lacunas são preenchidas por preconceitos culturais pré-existentes, convertendo ambiguidades em “provas” conforme conveniência política. A recente detecção de partículas de urânio em locais não declarados, amplificada midiaticamente como “indício de militarização” (BBC, 2025), ignora protocolos científicos que exigem replicação de testes antes de conclusões definitivas.  

Os riscos ambientais decorrentes dessa escalada ilustram a desconexão entre a lógica securitária e consequências materiais. Vazamentos radioativos em Bushehr após ataques de sabotagem contaminaram ecossistemas marinhos do Golfo (DEUTSCHE WELLE, 2025), enquanto o depósito de ogivas nucleares táticas B61-12 em Diego Garcia (THE GUARDIAN, 2025) transforma o Oceano Índico em potencial zona de catástrofe. Der Derian (2009) analisa em “Critical Practices” como essa externalização de riscos revela a falácia antropocêntrica da segurança nacional, que protege territórios imaginários enquanto sacrifica ecossistemas concretos. A teoria da “mediação do estranhamento” (DER DERIAN, 1987) demonstra que a militarização do Golfo, longe de prevenir conflitos, institucionaliza a hostilidade através de dispositivos como o Comando Central dos EUA na Bahrein, cuja mera existência gera reações em cadeia.  

A materialização desse círculo vicioso manifesta-se na proliferação de incidentes como o ataque ao petroleiro Strait Prosperity (AL JAZEERA, 2025), onde a acusação automática contra Teerã precede investigações técnicas. Ashley (1988) argumenta que tais episódios funcionam como “rituais de reafirmação identitária”, nos quais cada ação-reação consolida narrativas de inimizade. O recente anúncio de enriquecimento de urânio a 60% pelo Irã, interpretado unilateralmente como “provocação” (NEW YORK TIMES, 2025), omite que tal nível ainda é insuficiente para armamento e mantém-se sob monitoramento da AIEA.  

Conclui-se que a perspectiva neorrealista dominante nas políticas estadunidenses pós-2001, ao reduzir relações internacionais a cálculos de poder material, ignora a lição central da teoria pós-moderna: que ameaças são co-construídas através de práticas discursivas e performativas. A obsessão com “contenção” — exemplificada pelo envio do porta-aviões nuclear Eisenhower ao Mediterrâneo oriental (REUTERS, 2025) — apenas materializa o fantasma que pretende exorcizar. A reflexão crítica impõe-se: será que o neorrealismo bidimensional estadunidense realmente resolve os problemas ou apenas os inicia e os agrava ao perpetuar uma lógica de ameaça constante?  

REFERÊNCIAS

ASHLEY, Richard. The Poverty of Neorealism. International Organization, v. 38, n. 2, 1984.  

ASHLEY, Richard. The Geopolitics of Geopolitical Space: Toward a Critical Social Theory of International Politics. Alternatives, v. 12, n. 4, 1987.  

ASHLEY, Richard. Living on Border Lines: Man, Poststructuralism, and War. In: DER DERIAN, James; SHAPIRO, Michael (Eds.). International/Intertextual Relations. Lexington Books, 1988.  

DER DERIAN, James. Antidiplomacy: Spies, Terror, Speed, and War. Blackwell, 1992.  

DER DERIAN, James. Virtuous War: Mapping the Military-Industrial-Media-Entertainment Network. Routledge, 2001.  

DER DERIAN, James; SHAPIRO, Michael (Eds.). International/Intertextual Relations. Lexington Books, 1989.  

DER DERIAN, James. Critical Practices in International Theory. Routledge, 2009.  

DER DERIAN, James. Mediating Estrangement: A Theory for Diplomacy. Review of International Studies, v. 13, n. 2, 1987.  

IRÃ NO “EIXO DO MAL”: 20 anos do discurso que redefiniu o Oriente Médio. BBC, Londres, 29 jan. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-middle-east-12345678&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

ATAQUE aéreo dos EUA atinge instalações nucleares iranianas. Reuters, Londres, 15 mar. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.reuters.com/world/middle-east/us-airstrikes-iran-nuclear-sites-2025-03-15/&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

AIEA confirma natureza civil do programa nuclear iraniano. The Guardian, Londres, 22 mar. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2025/mar/22/iaea-confirms-civil-nature-iran-nuclear-program&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

FROTA nuclear dos EUA chega ao Golfo Pérsico. CNN, Atlanta, 5 abr. 2025. Internacional. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2025/04/05/middleeast/us-navy-persian-gulf-iran/index.html&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

DRONE no estreito de Ormuz: EUA acusam Irã. New York Times , Nova York, 18 abr. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2025/04/18/world/middleeast/iran-drone-hormuz.html&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

GUERRA silenciosa: Sabotagem em Natanz expõe táticas obscuras. Al Jazeera , Doha, 30 abr. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2025/4/30/shadow-war-natanz-sabotage-exposes-covert-tactics&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

RELATÓRIO sobre Parchin acende debate na AIEA. BBC, Londres, 12 mai. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-middle-east-12345901&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

DUPLO padrão nuclear: Israel x Irã. El País, Madri, 25 mai. 2025. Internacional. Disponível em: <https://english.elpais.com/international/2025-05-25/nuclear-double-standard-israel-iran.html&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

VAZAMENTO radioativo em Bushehr preocupa ambientalistas. **Deutsche Welle**, Berlim, 8 jun. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.dw.com/en/bushehr-radiation-leak-environmental-fears/a-56789124&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

ARMAS nucleares táticas dos EUA em ilha estratégica. The Guardian, Londres, 20 jun. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2025/jun/20/us-tactical-nukes-diego-garcia&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

IRÃ ataca base dos EUA no Iraque em resposta a sanções. Reuters, Londres, 10 jul. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.reuters.com/world/middle-east/iran-strikes-us-base-iraq-2025-07-10/&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

ENRIQUECIMENTO de urânio a 60% no Irã. New York Times, Nova York, 14 jul. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2025/07/14/world/middleeast/iran-uranium-enrichment.html&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

ATAQUE a navio comercial no Golfo amplia crise.Al Jazeera, Doha, 19 jul. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2025/7/19/gulf-ship-attack-heightens-tensions&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.  

PORTA-AVIÕES nuclear dos EUA rumo ao Mediterrâneo.Reuters , Londres, 20 jul. 2025. Internacional. Disponível em: <https://www.reuters.com/world/us-carrier-mediterranean-iran-tensions-2025-07-20/&gt;. Acesso em: 20 jul. 2025.