
Cecília Leal – acadêmica do 2º semestre de RI da UNAMA
A luta contra os cartéis mexicanos envolve um dos maiores embates de governança e segurança pública na América Latina. Iniciados no contexto do narcotráfico (UNODC, 2023), com poder econômico e político exacerbado, estes grupos criminosos encontraram facilidade ao evoluir para organizações mais complexas e multifacetadas. A dificuldade na dissolução destes cartéis envolve questões sobre repressão policial à implementação de políticas sociais e econômicas que visam minimizar seu poder corrupto e de controle social.
Os primeiros registros do cultivo de drogas no México datam do século XIX, quando a produção, o comércio e o consumo não eram ilegais (Assumpção, 2020). Na época, as drogas eram usadas para uso recreativo e medicinal e comercializadas em regiões como Sinaloa, Baixa Califórnia e Sonora, em farmácias, mercados e em determinados estabelecimentos conhecidos como fumaderos. Conforme Assumpção (2020), dentre as drogas comercializadas, ganharam destaque o ópio (introduzidos por chineses no país) e a maconha.
As primeiras conferências mundiais para tratar do tema das drogas foram realizadas no início do século XX, primeiro em Xangai (1909) e depois em Haia (1912). Alguns anos depois, os Estados Unidos aprovaram a primeira lei criminalizando os entorpecentes, fazendo com que a exportação de narcóticos do México (onde a proibição ainda não havia sido regulamentada) para os EUA se tornasse ilegal. Diante disto, alguns comerciantes de drogas mexicanos que já contavam com uma cadeia produtiva e de exportação estabelecida e articulada se converteram em traficantes. Poucos anos mais tarde, na década de 1920, o México também criminalizaria esta atividade diante da pressão dos EUA.
O narcotráfico no México conviveu com um Estado que buscava estruturar-se e consolidar-se como uma nação democrática, atravessando um ambiente político extremamente conturbado e que mergulhou o país em um processo revolucionário, com saldo de mais de um milhão de mortos, conforme Assumpção (2020). Com este quadro, os assuntos relacionados ao narcotráfico, por parte do governo federal, acabaram ficando para o segundo plano, o que acabou por fortalecer a atividade criminosa.
Dessa forma, por conta da extrema debilidade, os governos locais se valeram dos recursos provenientes do narcotráfico para se consolidarem e proverem os serviços básicos demandados pela população. Assim, o narcotráfico requereu a garantia de impunidade e complacência das autoridades para dar continuidade às suas atividades ilícitas. Neste cenário, governos locais e organizações criminosas conviveram em certa harmonia em determinadas unidades federativas da região, provendo-se mutuamente de suas necessidades mais imediatas. Com um Estado fraco e fragmentado, poder público, militar e político necessitando de recursos, população carente e uma grande e crescente oportunidade de negócios lucrativos do outro lado da fronteira do país, o narcotráfico se estabeleceu como base da economia de Estados como os de Sinaloa, Guerrero e Michoacán (Assumpção, 2020).
O Estado diminuiu sua esfera de atuação e se debilitou. O crime organizado, em sentido contrário, se fortaleceu e expandiu suas ações através dos cartéis, organizações criminosas que compartilham entre si territórios e locais de travessia para exercer o monopólio do narcotráfico. Atualmente, os cartéis mexicanos mais conhecidos são os de Sinaloa e Jalisco que disputam o domínio de vários territórios dentro do país.
A luta contra os cartéis mexicanos tem sido determinada por alta instabilidade e níveis de violência (CFR, 2025). O conflito armado em relação ao tráfico de drogas no país tem sido rotulado como “a guerra contra às drogas” pelo discurso oficial do Presidente Calderón – ecoando a mesma retórica usada pelo presidente Nixon na década de 1970 – embora de forma mais recente a situação no México também tenha sido descrita como sendo uma drug war, sugerindo uma “guerra pelas drogas” (Shrink, 2011; Carpenter, 2013), caracterizando os terríveis conflitos entre cartéis tentando dominar o monopólio.
Ao fim da administração do presidente Felipe Calderón (2006-2012), estima-se que ao menos 60.000 pessoas morreram na guerra às drogas no México (Miroff e Booth, 2012). Contudo, alguns indicadores afirmam que o número de homicídios pode chegar a mais de 100.000 pessoas, se somar as que estão desaparecidas (e provavelmente mortas). Um dos mais violentos conflitos ocorreu em 2011, na cidade de San Fernando, no estado de Tameulipas, palco da maior chacina já comandada pelo narcotráfico com a morte de 183 pessoas. O assassinato em massa foi atribuído ao cartel de drogas “Los Zetas” um dos três maiores do país (Araújo, 2024).
A temática das drogas mexicanas foi colocada como centro de atenção por Estados Unidos e México, em 2007, quando os presidentes estadunidense e mexicano criaram o projeto de cooperação bilateral intitulado como “Iniciativa Mérida”. Ela surgiu com objetivo de fortalecer o Estado mexicano na luta contra o narcotráfico e o crime organizado, visando aumentar a estabilidade e segurança no país (Coronato; Oliveira; Rodrigues, 2020). No entanto, para que a Iniciativa Mérida realmente tenha efeito, os EUA deveriam possuir uma forma mais integrada ao tráfico de drogas, estratégia a qual deveria visar não apenas o fortalecimento das forças armadas no México, mas também nas raízes do problema que já pendura há anos.
Em conclusão, o conflito contra essas organizações criminosas manifesta a necessidade de uma abordagem múltipla e coordenada. Apesar da repressão policial e militar amenizar instantaneamente a ação destes grupos, não é suficiente para dissolver o problema em sua raiz. É essencial investir em políticas sociais e econômicas, que promovam inclusão e levem oportunidades, principalmente a áreas vulneráveis ao aliciamento dos cartéis.
Igualmente importante, a cooperação internacional para o combate do narcotráfico em todas as suas etapas (UNODC, 2023). A luta contra os cartéis mexicanos tem sido um emblema de longo prazo, que exige uma abordagem estratégica para ser utilizada, mas com o fortalecimento das instituições, combate à corrupção e a promoção da cooperação internacional será possível minar o poder do crime organizado e construir uma sociedade mais justa e segura para todos.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Pedro Ivo de Oliveira. Massacres enquanto signos de poder: a governança criminal por Los Zetas em Tamaulipas, México. Scielo Preprints. 2024. Disponível em: < https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/9888/version/10448 > Acesso em: 21 de julho de 2025.
ASSUMPÇÃO, Ten Cel Marcelo Neival Hillesheim de. Guerra sem Fim. A Gênese e Evolução do Narcotráfico no México. Army University Press. Military Review – Revista Profissional do Exército dos EUA. Ed. Brasileira. 2020. Disponível em: < https://www.armyupress.army.mil/Journals/Edicao-Brasileira/Arquivos/Primeiro-Trimestre-2020/Guerra-Sem-Fim/ > Acesso em: 21 de julho de 2025.
CARPENTER, Ami C. Changing Lenses: Conflict Analysis and Mexico’s ‘Drug War’. Latin American Politics and Society, v. 55, n. 3, p. 139–160. 2013. Disponível em: < http://www.jstor.org/stable/43284851 > Acesso em: 21 de julho de 2025.
CFR. Mexico’s Long War: Drugs, Crime, and Cartels. New York: Council On Foreign Relations, 2025. Disponível em: < https://www.cfr.org/backgrounder/mexicos-long-war-drugs-crime-and-cartels > Acesso em: 15 de julho de 2025.
CORONATO, Daniel Rei; OLIVEIRA, Gabriela Cristina Sales; RODRIGUES, Raphael de Oliveira. PARA ALÉM DA “GUERRA ÀS DROGAS”: MÉXICO, ESTADOS UNIDOS E O PARADOXO DO PROIBICIONISMO. Revista Eletrônica Leopoldianum. 2020. Disponível em: < https://periodicos.unisantos.br/leopoldianum/article/view/969 > Acesso em: 21 de julho de 2025.
MIROFF, Nick. BOOTH, William. Mexico’s drug war is at a stalemate as Calderon’s presidency ends. The Washington Post. Publicado em: 27 de novembro de 2012. Disponível em:: < https://www.washingtonpost.com/world/the_americas/calderon-finishes-his-six-year-drug-war-at-stalemate/2012/11/26/82c90a94-31eb-11e2-92f0-496af208bf23_story.html > Acesso em: 21 de julho de 2025.
SHIRK, David A. The Drug War in Mexico: Confronting a Shared Threat. New York: Council on Foreign Relations, 2011. 43 p. (Série Council Special Report No. 60).
UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME (UNODC). World Drug Report 2023. Disponível em: < https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/world-drug-report-2023.html > Acesso em: 15 de julho de 2025.
