Thais Vitória Borges – Internacionalista

O Idealismo Clássico é composto por pensadores que pertencem ao período de pré-história das Relações Internacionais (Sarfati, 2000). As questões que permearam a agenda idealista se voltam para as discussões sobre os meios para se alcançar a paz, excessos do militarismo, a ineficácia do colonialismo e o poder da opinião pública e do pacifismo, como também do debate sobre as funções das instituições internacionais (Arraes; Gehre, 2013, p. 46). 

Em contraste com a ênfase do Realismo Clássico na guerra, o Idealismo Clássico centra-se no estudo da paz, investigando os elementos capazes de suprimi-la ou de sustentá-la, bem como o papel desempenhado pelo Estado e a concepção da “natureza humana”, entendida como essencialmente boa (Sarfati, 2000). Dentre os autores sob a qual se ancora tal perspectiva idealista tanto sobre o homem quanto da sociedade, Thomas More se destaca com seus pensamentos revolucionários e utópicos. 

Nascido em 1478 em Londres, More foi advogado, juiz, filósofo social, teólogo e humanista renascentista inglês (Wegemer, 2001). Seus aprendizados sobre a história e a natureza humana o levaram a trabalhar pela paz e justiça por meio da educação, esta que era essencial para uma liderança eficaz (ibid, 2001). O autor viveu em um contexto denominado Período Moderno Inicial ou também chamado de Renascimento Inglês, se tratava de um momento em que havia um ideal que se concentrava nos deveres e possibilidades de uma pessoa na construção de cidades como uma esfera natural de “grandeza humana”, sob influência da antiga Cidade de Roma, que era parâmetro tanto de cultura como arquitetura (ibid. 2001).  

Sua principal obra, denominada “Utopia”, é responsável por fundar um gênero literário, composto por narrativas que abordam sociedades perfeitas e felizes (Chaui, 2008, p. 07). Mas não apenas, Thomas More inventou a palavra, em grego, “tópos” se refere a “lugar”, enquanto o prefixo “u” tem o significado de negativo, portanto a palavra utopia significa “não lugar” ou “lugar nenhum” (Ibid, 2008, p. 07). Entretanto, cabe sublinhar, a ideia de utopia indica a importância de ter um ideal que ilumine as decisões do dia-a-dia, sabendo onde se quer chegar.

Escrita em 1516, Utopia narra a história do navegador português Rafael Hitlodeu, que, durante suas viagens, descobre a ilha de Utopia, um lugar com uma sociedade e um governo considerados perfeitos (Almino, 2004). A obra é uma crítica social que utiliza da descrição de uma sociedade ideal para destacar os defeitos da sociedade real (ibid, 2004).

No que tange ao campo das Relações Internacionais, as contribuições da obra se voltam para as discussões sobre a guerra (Sarfati, 2000, p. 77). More expõe que para os utopianos a guerra é um acontecimento brutal e selvagem, e portanto, é abominável a busca por glória em campos de batalha; entretanto, vale ressaltar que há em Utopia um contingente militar preparado para sua defesa (ibid, 2008, p. 77). Logo, More não concebe um Estado pacífico que não esteja pronto para se defender diante de ameaças, a participação em guerras para os utopianos ocorreria apenas para defesa própria ou em socorro de seus aliados, nessas situações, se trataria de uma “guerra justa” (ibid, 2008, p. 77). 

As discussões acerca da guerra e da paz fundaram a disciplina das Relações Internacionais, e hodiernamente segue sendo uma temática pertinente para o campo dentro da área dos Estudos de Segurança Internacional (ESI). O ponto de vista idealista no início da disciplina contribuiu para uma forma de enxergar as relações internacionais de uma maneira mais positiva, dando destaque para a via da cooperação e diplomacia como modo de resolver desafios e impasses. 

Nesse sentido, Utopia foi uma história revolucionária para sua época, mas ainda é nos dias atuais uma obra que levanta questionamentos sobre a realidade que se vive no contemporâneo, seja para repensar questões relativas à guerra a nível dos Estados ou refletir sobre o modo de vida dos sujeitos.

Referências 

ALMINO, João. Prefácio. In: MORE, Thomas. Utopia. Tradução de Anah de Melo Franco. Brasília: FUNAG; IPRI; Editora Universidade de Brasília, 2004. p. 7-10.

ARRAES, Virgílio; GEHRE, Thiago. Introdução ao estudo das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, p. 72, 2013.

CHAUÍ, Marilena. Notas sobre utopia. Ciência e cultura, v. 60, n. SPE1, p. 7-12, 2008.

MORE, Thomas. Utopia. Tradução de Anah de Melo Franco. Brasília: FUNAG; IPRI; Editora Universidade de Brasília, 2004. Disponível em: https://funag.gov.br/loja/download/260-Utopia.pdf. Acesso em: 15 ago. 2025.

SARFATI, Gilberto. Teorias de relações internacionais. Editora Saraiva, 2000.  

WEGEMER, Gerard. Biography. Center for Thomas More Studies, 31 out. 2001. Disponível em: https://thomasmorestudies.org/biography/. Acesso em: 15 ago. 2025.