
Caira Queiroz, acadêmica do 6° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
Um dos nomes mais conhecidos mundialmente por sua luta em defesa da Amazônia e dos direitos dos povos da floresta (Cerioni, 2019), Chico Mendes foi mais que uma figura emblemática da luta ambiental brasileira: ele encarnou uma disputa simbólica e material contra a desmatação e o capitalismo sob a Amazônia. Sua trajetória questionou as relações de poder impostas pela estrutura econômica e cultural dominante, ressignificando a floresta e seus povos como sujeitos de direito e agentes de luta.
Nascido em 1944 no seringal Santa Fé, em Xapuri (Acre), Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes, começou a trabalhar ainda menino, em um cenário marcado pelo sistema de aviamento, tipo de endividamento que mantinha os seringueiros subordinados a pecuaristas e comerciantes. Criado na floresta, tendo esta como sua escola e seu sustento, o jovem seringueiro foi moldado pelo sentimento de justiça diante das relações de grande exploração (OJC, 2021).
Apesar de ter trabalhado nos seringais ainda criança e só ter aprendido a ler aos 19 anos, tendo como mentor Fernando Euclides Távora, Mendes tornou-se um líder visionário. Foi a partir dos primeiros contatos com a alfabetização que o ativista entendeu a importância da educação como meio de melhoria nas condições de vida e igualdade entre os seringueiros. Posteriormente, em parceria com Mary Allegretti, criou o Projeto Seringueiro, a primeira experiência de alfabetização de adultos na floresta (OJC, 2021).
O início da sua trajetória sindical e ativista se deu em meados dos anos 1970, tornando-se secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia em 1975. Já em 1977, ajudou a fundar o Sindicato de Xapuri, ingressando na política sindical e passando a articular os extrativistas na defesa da floresta criticando as dinâmicas capitalistas regionais. No mesmo ano, foi eleito vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sendo contra ao regime militar da época, o que fez com que já se tornasse alvo de ameaças de morte (Gonçalves, 2025).
Em 1985, liderou o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros em Brasília, que resultou na criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), organização representativa dos trabalhadores agroextrativistas, que uniu estrategicamente seringueiros, povos indígenas e outras comunidades tradicionais na defesa territorial e ambiental, pois na época grandes áreas da floresta amazônica haviam sido vendidas para empresas, desmatadas e transformadas em pastagens (Memórias da democracia, 2017).
Entre tantos feitos, um dos atos mais marcantes de Chico Mendes foram as articulações dos chamados empates, uma tática de resistência onde seringueiros se colocavam na frente dos tratores para impedir o desmatamento da floresta. Na visão de Chico, os projetos de colonização criados pelo governo na época, como uma forma de forçar os seringueiros a se tornarem agricultores, limitados a pequenas parcelas de terra, enfraqueciam a luta pela floresta, transformando-a em uma luta por terras, e não pela preservação da natureza. Com base nesta convicção, o ativista ganhou notoriedade e apoio tanto dos seringueiros quanto de ecologistas, sendo uma parceria fundamental para a luta de preservação da floresta (Gonçalves, 2025).
Também promoveu a criação das Reservas Extrativistas, áreas protegidas onde as comunidades locais podem viver e trabalhar de forma sustentável, inovando ao permitir que comunidades da floresta continuassem a viver e a trabalhar nela de forma sustentável, com suas tradições. Tal conquista é considerada a principal e a mais notável herança deixada pelo líder seringueiro (WWF, 2021).
Após fazer uma maratona por vários países, participando de fóruns internacionais, Mendes denunciou o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) acerca dos impactos de projetos financiados por tais instituições, em um cenário de ameaças concretas contra os seringueiros que já viviam uma situação extremamente difícil, sendo pressionados a abandonar os seringais, forçando a suspensão desses financiamentos e obtendo projeção global para a causa (Cardoso, 2023).
Ao ser reconhecido internacionalmente com o prêmio da Organização das Nações Unidas (ONU), Papel de Honra Global 500, entre 1987 e 1988, Mendes mostrou para o mundo os conflitos que ocorriam no Acre, com a expulsão de milhares de seringueiros de suas terras e assassinatos de líderes sindicais que estavam à frente da luta dos trabalhadores rurais, o que lhe custou a própria vida ao ser assassinado no mesmo ano (IMC, 2008).
Em reconhecimento à sua luta, o Governo do Brasil o incluiu na Lista de heróis da Pátria Brasileira (Lei nº 10.952/2004), e o declarou Patrono do Meio Ambiente Brasileiro (Lei nº 12.892/2013). Em 2007, foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, responsável pela gestão das unidades de conservação federais e pela proteção da biodiversidade no Brasil, tendo como objetivo garantir a conservação da natureza e o uso sustentável dos recursos naturais, promovendo pesquisas, educação ambiental e fiscalização (Gov.br, s.d).
Nesse sentido, a trajetória de Chico Mendes, enquanto líder seringueiro, ambientalista e defensor dos direitos dos povos da floresta, dialoga com várias teorias das Relações Internacionais, podendo ser ressaltadas a perspectiva Marxista e a Teoria Crítica, pois ambas questionam as estruturas de poder, a exploração econômica e o colonialismo, temas centrais de seu legado.
Sua luta não se restringiu à conservação ambiental: ao desafiar as lógicas eurocêntricas e a exploração capitalista que tratava a Amazônia como simples mercadoria, Chico Mendes evidenciou um projeto de resistência contra o capitalismo predatório e a opressão estatal, alinhando-se à perspectiva marxista (Sarfati, 2025). Chico Mendes torna vivo o que Robert Cox denomina “Teoria Crítica” em não apenas interpretar o mundo, mas transformá-lo, questionando as estruturas de poder econômico, social e ideológico que sustentam a dominação (Pereira; Garcia, 2021).
Ou seja, mesmo imerso em um contexto de intensas políticas de ocupação da Amazônia e crescimento econômico, Chico Mendes se destacou como líder dos povos da floresta, dedicando sua vida, articulando comunidades extrativistas, enfrentando o mercado com sua estrutura de dominação e inovando em modos de viver e preservar oriundas das próprias tradições dos povos locais.
Mendes permanece um legado vivo de mudança e é referência de interseção entre ecologia, justiça social e solidariedade. Afinal, para ele, “ecologia sem luta de classes é jardinagem” (Reinholz, 2025).
REFERÊNCIAS
CARDOSO, Raimari. Morte de Chico Mendes completa 35 anos sem que o discurso da “floresta em pé” tenha se consolidado no Brasil. AC24 horas, 2023. Disponível em: https://ac24horas.com/2023/12/22/morte-de-chico-mendes-completa-35-anos-sem-que-o-discurso-da-floresta-em-pe-tenha-se-consolidado-no-brasil/. Acesso em: 18 ago. 2025.
CERIONI, Clara. Quem foi Chico Mendes e por que seu legado ainda faz diferença hoje. Exame, 2019. Disponível em: https://exame.com/brasil/a-resistencia-dos-seringueiros-conheca-a-historia-de-chico-mendes/. Acesso em: 19 de agosto de 2025.
GONÇALVES, Júlia. Quem foi Chico Mendes e o que ele tem a ver com o movimento ambiental? Politize!, 2025. Disponível em: https://www.politize.com.br/chico-mendes/. Acesso em: 18 de ago, 2025.
GOVERNO FEDERAL. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio. Gov. BR, S.D. Disponível em: dados.gov.br/dados/organizacoes/visualizar/instituto-chico-mendes-de-conservacao-da-biodiversidade-icmbio. Acesso em: 19 ago. 2025.
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio). Quem foi Chico Mendes? ICMBio, sem data. Disponível em: gov.br/icmbio/…/quem-foi-chico-mendes. Acesso em: 19 ago. 2025.
INSTITUTO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E REGULAÇÃO DE SERVIÇOS AMBIENTAIS (IMC-AC). Viver e produzir na floresta, o sonho de Chico Mendes e seus companheiros. Disponível em: https://imc.ac.gov.br/viver-e-produzir-na-floresta-o-sonho-de-chico-mendes-e-seus-companheiros/. Acesso em: 19 ago. 2025.
MEMORIAL DA DEMOCRACIA. Seringueiros criam entidade nacional: povos da floresta se organizam e abraçam a causa ambiental. Memorial da Democracia, 2017. Disponível em: https://memorialdademocracia.com.br/card/seringueiros-criam-entidade-nacional. Acesso em: 19 ago. 2025.
OBSERVATÓRIO DE JUSTIÇA E CONSERVAÇÃO (OJC). Legado Chico Mendes, o líder seringueiro que deu vida pela luta contra a devastação ambiental. OJC, 2021. Disponível em: https://justicaeco.com.br/legado-chico-mendes-o-lider-seringueiro-que-deu-vida-pela-luta-contra-a-devastacao-ambiental/. Acesso em: 18 ago. 2025.
Pereira, RC; Garcia, A. A teoria crítica de Robert W. Cox como método para uma análise das relações. OIKOS, Rio de Janeiro. Volume 20, n. 2, 2021.
REINHOLZ, Fabiana. ‘Ecologia sem luta de classes é jardinagem’: cinedebate conecta Chico Mendes à crise climática no Sul. Brasil de Fato, 2025, Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2025/06/09/ecologia-sem-luta-de-classes-e-jardinagem-cinedebate-conecta-chico-mendes-a-crise-climatica-no-sul/. Acesso em: 19 ago. 2025.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. 1° ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
SILVA, Marco Antônio. Teoria crítica em relações internacionais. Centro Universitário de Brasília, curso de Relações Internacionais , Distrito Federal, Brasil, 2025.
WWF BRASIL. Reservas extrativistas: o que são e qual é a importância da principal herança de Chico Mendes. WWF Brasil, 2021. Disponível em: https://www.wwf.org.br/?81168/Reservas-extrativistas-o-que-sao-e-qual-e-a-importancia-da-principal-heranca-de-Chico-Mendes. Acesso em: 19 ago. 2025.
