Ana Victória Padilha (acadêmica do 4º de RI da UNAMA)

Lara Lima (Internacionalista formada pela UNAMA)

Nos últimos anos o Brasil tem reforçado os seus discursos em prol da preservação do meio ambiente. A tentativa de se apresentar como um líder climático global é clara quando se analisa a postura do país sul-americano em conferências e reuniões da COP e da ONU. Entretanto, na prática o Brasil flexibiliza cada vez mais as suas leis de proteção ambiental, como a criação da “PL da devastação”, projeto de lei que visa flexibilizar o licenciamento ambiental no Brasil, enquanto ano após ano corta bilhões do orçamento direto de órgãos que são responsáveis pela fiscalização devida de empreendimentos em áreas florestais.

Apesar de esforços claros para uma implementação correta das leis de preservação ambiental por partes de setores mais progressistas da política econômica brasileira, essa dualidade demonstra o problema central que é a pressão de setores econômicos interessados em expandir atividades como a mineração, a agropecuária e os grandes projetos de infraestrutura. É nesse contexto que se insere o debate sobre o licenciamento ambiental, a então peça chave para a proteção dos ecossistemas e das comunidades tradicionais.

O enfraquecimento desse não apenas ameaça a integridade dos biomas nacionais, mas também coloca em risco os direitos fundamentais de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, que dependem diretamente da preservação de seus territórios para garantir modos de vida historicamente constituídos.

O licenciamento ambiental é um dos principais mecanismos de prevenção e mitigação de impactos socioambientais, funcionando como uma barreira contra projetos que possam gerar danos irreversíveis aos ecossistemas e às comunidades (Ministério do Meio Ambiente, 2018). Na Amazônia, região marcada pela riqueza socioambiental e pela presença de povos indígenas, comunidades ribeirinhas, quilombolas e extrativistas, a flexibilização desse processo representa uma ameaça direta à integridade dos territórios e à garantia de direitos historicamente conquistados.

Nos últimos anos, o debate sobre o licenciamento ambiental no Brasil tem se intensificado, especialmente após a aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei nº 2.159/2021, que enfraquece os mecanismos de proteção previstos no processo de licenciamento ambiental. A proposta foi aprovada por 54 votos favoráveis e 13 contrários, gerando ampla preocupação entre especialistas, ambientalistas e comunidades afetadas.

Segundo a jornalista do Greenpeace, Lu Sandre (2025), a licença ambiental poderá ser concedida de forma autodeclaratória para empreendimentos de pequeno, médio e grande porte, por meio da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Na prática, qualquer empresa que preencher um formulário online, declarando seu compromisso com a legislação ambiental, estará autorizada a iniciar a obra, sem a necessidade de fiscalização prévia ou de estudos técnicos realizados por órgãos ambientais competentes.

Tais fragilidades tendem a agravar a degradação do ar, do solo e dos recursos hídricos, comprometendo ecossistemas inteiros e afetando, de forma direta e prolongada, a saúde pública, a segurança alimentar e a qualidade de vida das populações.

Entre as mudanças propostas, destaca-se também a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias, o que tende a intensificar o avanço do desmatamento em todo o território nacional. A medida também fragiliza a proteção de terras indígenas e Unidades de Conservação, já que, pelo texto da PL, as manifestações de órgãos como Funai, Iphan e administrações responsáveis por UCs deixam de ter efeito decisório, tornando-se apenas consultivas, conforme Sandre (2025).

Outro ponto crítico é que o projeto limita a consideração da presença de povos indígenas e quilombolas apenas às áreas já homologadas, ou seja, na etapa final da demarcação. Essa exigência exclui uma grande parcela de territórios que ainda estão em processo, mas que já são habitados e utilizados por essas comunidades. De acordo com uma nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA), existem atualmente 259 terras indígenas em fase de demarcação que não seriam contempladas nesta análise, correspondendo a aproximadamente 32% da extensão total das terras indígenas no Brasil (G1, 2025).

Essa limitação representa um risco concreto de invisibilização e vulnerabilização desses povos, pois permite que empreendimentos avancem sobre áreas em disputa ou em processo de reconhecimento sem considerar o impacto direto sobre as comunidades que ali vivem. Nesse sentido, povos tradicionais que aguardam a homologação de seus territórios podem ser afetados por projetos de grande impacto antes mesmo que o processo de demarcação seja concluído, agravando conflitos e ameaçando a preservação de seus modos de vida.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o projeto de lei aprovado pelo Congresso que reunia cerca de 400 dispositivos legais. Do total, 63 foram vetados, entre eles a previsão de licença automática para determinados empreendimentos. Os vetos também reforçam a proteção de áreas sensíveis e mantêm a exigência de estudos de impacto ambiental como requisito prioritário para a aprovação de projetos, conforme Mazui (2025). A decisão do Presidente reforça que é o Congresso Nacional, marcadamente de oposição, quem está produzindo leis quem violam o meio ambiente de maneira grave.

Os dispositivos rejeitados pelo presidente retornarão ao Congresso, que terá a prerrogativa de analisar se mantém ou derruba os vetos, podendo restaurar a versão original da lei. Nesse cenário, Lula aposta no diálogo com parlamentares para construir consensos em torno das mudanças e evitar retrocessos na política ambiental brasileira.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) destaca que o projeto de lei não flexibiliza regras ambientais, mas tem como objetivo desburocratizar os procedimentos, permitindo que obras consideradas essenciais para a sociedade, como usinas hidrelétricas, projetos de saneamento e hospitais, possam avançar. Segundo dados do Ministério da Infraestrutura (G1, 2025), cerca de 5 mil obras nos setores elétrico, de saneamento e de infraestrutura estão paralisadas por falta de licenciamento, o que, na visão do órgão, impede o crescimento do país.

Por outro lado, o conselheiro do CONAMA e diretor do Instituto Internacional Arayara manifestou insatisfação com os poucos vetos feitos pelo presidente Lula (G1, 2025). A avaliação ressalta que, apesar de avanços pontuais, ainda há riscos de enfraquecimento das políticas ambientais.

O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) considerou os vetos um avanço, mas alertou que a medida provisória antecipa a vigência do Licenciamento Ambiental Especial (LAE), gerando preocupações legítimas (Sandré, 2025). A iniciativa pode acelerar o licenciamento de grandes empreendimentos, como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, o que contraria os esforços de combate à crise climática e põe em risco a preservação ambiental e a segurança das comunidades locais.

Caso aprovado, o projeto de lei da devastação desmontará um sistema de proteção ambiental construído ao longo de muitas décadas e com grande esforço. Enquanto o Brasil se prepara para a COP30 e busca apresentar soluções climáticas, há quem tente enfraquecer políticas ambientais que ainda enfrentam dificuldades para serem plenamente implementadas e respeitadas.

A flexibilização do licenciamento ambiental no Brasil representa muito mais do que uma questão técnica ou burocrática, trata-se na verdade de uma disputa política e social que envolve o futuro dos territórios e dos direitos dos povos da Amazônia. Ao reduzir a exigência de estudos prévios, enfraquecer a participação de órgãos especializados e desconsiderar comunidades que vivem em áreas ainda em processo de reconhecimento, o país abre espaço para retrocessos que podem gerar impactos irreversíveis.

Como se viu, embora os vetos presidenciais tenham impedido alguns dos pontos mais críticos da chamada “PL da devastação”, o risco de retrocessos permanece, já que o Congresso pode derrubar as restrições impostas pelo Executivo. A tensão entre interesses econômicos e a proteção socioambiental continuará a marcar o debate, especialmente diante da preparação para a COP30, quando o Brasil buscará se afirmar como liderança climática.

Nesse cenário, cabe destacar que a Amazônia não é apenas um recurso estratégico para a agenda global de sustentabilidade, mas também um território vivo, habitado por povos que carregam saberes, culturas e modos de vida que precisam ser respeitados. A defesa do licenciamento ambiental, portanto, não é apenas uma medida de preservação ecológica, mas também de justiça social e de garantia de direitos fundamentais, essenciais para a construção de um futuro verdadeiramente sustentável.

Recomenda-se, diante desta presente temática, o documentário “Amazônia Sociedade Anônima” (2019), dirigido por Estevão Ciavatta. A obra denuncia os impactos da grilagem de terras e da exploração predatória na floresta amazônica, revelando como o avanço de grandes empreendimentos ameaça não apenas o meio ambiente, mas também a sobrevivência e a cultura dos povos tradicionais que habitam a região. O documentário evidencia a relação direta entre a flexibilização de políticas ambientais e a vulnerabilização dos territórios, reforçando a necessidade de resistência e de políticas públicas comprometidas com a justiça socioambiental. Disponível no YouTube, através do link a seguir:

< https://youtu.be/4Nvaczpq0Js?si=IcqGa81b0oepluX4 >

Também se recomenda a leitura do livro “A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami” (2015), de Davi Kopenawa e Bruce Albert. A obra traz a perspectiva de um dos maiores líderes indígenas do Brasil sobre as ameaças à floresta e à vida dos povos originários, denunciando os impactos da mineração, do desmatamento e das políticas de exploração econômica na Amazônia. É uma referência fundamental para compreender a relação intrínseca entre território, espiritualidade e resistência.

Por fim, recomenda-se o trabalho da ¨Survival International¨, organização global de defesa dos povos indígenas. Fundada em 1969, a Survival atua em mais de 80 países apoiando comunidades originárias e tradicionais na luta contra a perda de seus territórios, denunciando violações de direitos e promovendo campanhas internacionais de mobilização. Seu foco está em fortalecer a autonomia e a autodeterminação dos povos, sendo uma importante aliada contra políticas de flexibilização ambiental que ameaçam suas existências. Para mais informações, acesse:

Site: < https://www.survivalinternational.org/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/survivalinternational/ >

YouTube: < https://www.youtube.com/user/SurvivalInternational >

REFERÊNCIAS

MAZUI, Guilherme. Lula sanciona com vetos projeto que enfraquece regras de licenciamento ambiental. G1, Brasília. Publicado em: 8 ago. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/08/08/lula-sanciona-com-vetos-projeto-que-enfraquece-regras-de-licenciamento-ambiental.ghtml. Acesso em: 15 ago. 2025.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. O que é licenciamento ambiental? Portal Nacional de Licenciamento Ambiental. Publicado em: 7 fev. 2018. Disponível em: https://pnla.mma.gov.br/o-que-e-licenciamento-ambiental. Acesso em: 14  ago. 2025.

SUDRÉ, Lu. PL do Licenciamento Ambiental: senadores avançam com projeto que expõe o Brasil a tragédias. Greenpeace Brasil. Publicado em: 20 mai. 2025. Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/pl-do-licenciamento-ambiental-senadores-avancam-com-projeto-que-expoe-o-brasil-a-tragedias/. Acesso em: 15 ago. 2025.