Renata Oliveira – Acadêmica do 2° semestre de Relações Internacionais

A instabilidade política e a crise humanitária que assolam o Sudão e a República Democrática do Congo (RDC) representam duas das emergências mais graves do cenário global contemporâneo, caracterizadas por conflitos armados prolongados que degeneram, em catástrofes humanitárias de dimensões monumentais (AFP, 2025; ACNUR,2025). Estes cenários de violência são marcados por deslocamentos massivos, fome generalizada e violações sistemáticas dos direitos humanos, criando ciclos de sofrimento que parecem não ter fim (EL PAÍS, 2025; ACNUR,2025).

De 1955 a 1972, o Sudão viveu uma guerra civil longa e destrutiva, que aconteceu principalmente no sul do país. Um acordo de paz, chamado Acordo de Adis Abeba, conseguiu parar a guerra em 1972, mas a paz durou pouco. O conflito explodiu de novo em 1983, porque a região sul continuava muito mais pobre e negligenciada economicamente. Além disso, as tentativas constantes do governo do norte de impor leis islâmicas para todo o país serviram como o principal motivo para a nova guerra. Depois de muitas tentativas falhas de paz, um acordo importante em 2005 finalmente deu ao sul o direito de fazer um referendo. A votação aconteceu em 2011 e o povo escolheu pela independência, criando o país do Sudão do Sul. Mas a paz não durou para o Sudão (BRITANNICA, 2025). 

Em 15 de abril de 2023 eclodiu a guerra civil, em oposição ao Exército nacional às Forças de Apoio Rápido, transformando a capital Cartum num campo de batalha (FAR, 2025). A brutalidade do conflito manifestou-se de forma particularmente chocante no ataque ao campo de refugiados de Zamzam, em Darfur, onde investigações jornalísticas apuraram o massacre de mais de 1.500 civis num único episódio de violência extrema (THE GUARDIAN, 2025).

As dimensões da catástrofe humanitária sudanesa atingem proporções difíceis de compreender. Com uma população de 50 milhões de habitantes, o país registra 12,6 milhões de deslocados internos, tornando-se a nação com maior número de pessoas forçadas a fugir dentro das próprias fronteiras. A insegurança alimentar atinge níveis catastróficos, afetando 24,6 milhões de pessoas, com pelo menos meio milhão a viverem oficialmente em situação de fome, particularmente no campo de Zamzam onde esta condição foi formalmente declarada. O sistema de saúde encontra-se devastado, com mais de 75% das unidades sanitárias em zonas de conflito completamente inoperacionais (EL PAÍS, 2025)

No contexto da República Democrática do Congo (RDC), o quadro é igualmente complexo. A história é marcada por instabilidade, corrupção e conflitos, apesar de sua vasta riqueza natural. Desde a independência, o país enfrenta subdesenvolvimento, falta de infraestrutura e um legado de exploração. As Guerras do Congo (1996-2003), consideradas a “guerra mundial africana”, resultaram em até seis milhões de mortes por combates, fome e doenças. Conflitos persistem no leste, exigindo a presença contínua de forças de paz da ONU e da SADC (BBC, 2025).

A República Democrática do Congo enfrenta uma crise de deslocamento de proporções igualmente preocupantes, concentrada nas províncias orientais de Kivu do Norte, Kivu do Sul e Ituri (ACNUR,2025). O conflito na RDC, enraizado em tensões étnicas históricas e na competição por recursos naturais, intensificou-se dramaticamente com a ascensão da aliança rebelde M23, que conta com suposto apoio ruandês segundo relatórios de peritos das Nações Unidas. Este grupo armado conquistou territórios significativos, incluindo a crucial cidade de Goma, um centro económico e logístico estratégico na região (CNN, 2025).

A crise humanitária congolesa atinge  escala continental, com 25,4 milhões de pessoas necessitando de assistência urgente e proteção internacional. A violência sexual emerge como arma de guerra particularmente devastadora, com registos de mais de 10.600 sobreviventes a necessitarem de serviços especializados apenas entre junho e julho de 2023 nas três províncias orientais (ACNUR,2025). O acesso humanitário permanece severamente restringido pela insegurança generalizada, com organizações internacionais a alertarem constantemente para a deterioração acelerada das condições de vida das populações afetadas (ACNUR, 2025).

A complexidade dessas crises é ainda amplificada pela chegada de dezenas de milhares de refugiados sul-sudaneses que fogem da violência no seu país, sobrecarregando ainda mais as já frágeis comunidades de acolhimento e os sistemas de saúde praticamente inexistentes na região fronteiriça (MSF, 2025). Estes movimentos populacionais adicionais criam condições propícias para surtos de doenças evitáveis e agravam os já críticos níveis de desnutrição infantil, com organizações humanitárias a reportarem casos de sarampo e desnutrição grave entre as populações deslocadas (CNN, 2025).

O falhanço colectivo da resposta internacional constitui elemento central destas tragédias humanitárias. No Sudão, apenas 7% do financiamento humanitário necessário para 2025 havia sido angariado nos primeiros meses do ano, forçando as agências de ajuda a fazerem escolhas moralmente insustentáveis entre reduzir o número de beneficiários ou diminuir as rações alimentares distribuídas (EL PAÍS, 2025). Na RDC, o apelo do ACNUR para 2025, no valor de 226 milhões de dólares, permanecia financiado em menos de 10%, um défice crónico que limita drasticamente a capacidade operacional das organizações no terreno (ACNUR, 2025).

Em conclusão, a tragédia no Sudão e no Congo vai além de conflitos isolados, expondo uma crise de humanidade, onde a violência sustentada por elites locais e a exploração de recursos criam conflitos em que os civis sofrem as piores consequências, como a fome, deslocamento forçado e a morte, sendo estas consequências normalizadas. A indiferença global reflete a ausência de observação aos princípios da solidariedade e da promoção aos direitos humanos, pois deixa milhões de pessoas abandonadas a própria sorte, em um ciclo de violência.

REFERÊNCIAS

TOWNSEND, Mark. The Guardian, 2025. Disponível em: https://www.theguardian.com/global-development/2025/aug/07/zamzam-massacre-rapid-support-forces-rsf-militia-civilians-slaughtered. Acesso em: 12 de ago.2025.

PUENTES, Ana EL PAÍS 2025.  Disponível em: https://elpais.com/planeta-futuro/2025-04-15/sudan-nueve-datos-para-resumir-dos-anos-de-guerra.html. Acesso em: 12 de ago.2025.

BYUN, Eujin ACNUR 2025. Disponível em:https://pacnur.org/pt/atualidade/noticias/comunicados-de-imprensa/escalada-da-violencia-no-leste-da-republica-democratica-do-congo-deslocou-mais-de-230-000-pessoas-desde-o-inicio-do-ano-portugal-com-acnur. Acesso em: 15 de ago.2025. 

ACNUR. 2025. Disponível em: https://www.acnur.org/br/emergencias/republica-democratica-do-congo-rdc. Acesso: 15 de ago.2025

CNN, 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-que-esta-acontecendo-no-congo-e-por-que-ha-conflitos-no-pais/. Acesso em: 15 de ago.2025.

Carta Capital. 2025. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/guerra-civil-no-sudao-completa-dois-anos-sem-paz-a-vista/. Acesso em: 15 de ago.2025.

Alhmed S. Al- Shahi. BRITANNICA 2025. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Sudan. Acesso em: 17 de ago.2025.

MEDICINS SANS FROTIERAS. 2025. Disponível em: https://www.msf.org.br/noticias/refugiados-do-sudao-do-sul-sao-forcados-a-fugir-para-a-republica-democratica-do-congo/. Acesso em: 17 de ago.2025.

BBC. 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-africa-13283212. Acesso em: 17 de ago.2025.