Por Eduarda Aísha Cavalcante e Kamilly Vitória Santos – acadêmicas do 4° semestre de Relações Internacionais da Unama.

No cenário contemporâneo, a tecnologia consolidou-se como instrumento estratégico de guerra, definindo o ciberespaço como um campo de disputas militares e geopolíticas. Nesse contexto, o conceito de netwar examina um campo recheado para a observação da guerra de informação. Este conceito descreve os usos das redes de informação como instrumentos de conflito, onde a manipulação da opinião da comunidade internacional e o controle de narrativas tornam-se armas mais importantes que mísseis e tanques (Arquilla & Ronfeldt, 1996).

A cobertura midiática desses conflitos, frequentemente marcada pela polarização, desempenha papel relevante no aumento das tensões e na formação de opinião da comunidade internacional. Nesse cenário, a informação assume caráter de arma estratégica, utilizada tanto para legitimar posições políticas quanto para desestabilizar o adversário.

Diante desse cenário, torna-se pertinente observar como essas dinâmicas se manifestam em conflitos modernos. A guerra entre Rússia e Ucrânia, classificada como guerra híbrida, salienta esse fenômeno ao representar paralelamente um conflito armado, do mesmo modo que acontece uma série de ataques cibernéticos feitos tanto por Estados quanto por grupos independentes. A guerra virtual foi iniciada muito antes da guerra sem fronteiras: a Rússia foi acusada de bloquear os serviços telefônicos da Ucrânia, assim como grupos de hackers pró-ucrânia invadiram o sistema do país inimigo (BBC,2022).

O governo Russo é acusado de empregar redes sociais e meios digitais para difundir propagandas e manipular essas percepções internacionais, enquanto a Ucrânia buscou apoio popular mobilizando a comunidade digital global em sua defesa, formulando e moldando ações diplomáticas de outros Estados (BBC 2022).

Outro exemplo expressivo dessa dinâmica é o conflito entre Israel e Palestina, na qual a mídia desempenha papel central na construção e manutenção das narrativas em disputa. A interação entre estratégias político-comunicativas e cobertura jornalística modifica o enquadramento do conflito, afetando diretamente a percepção pública e a posição de governos e organismos internacionais.

No caso da Segunda Intifada, as restrições de acesso aos territórios palestinos e a escassa cobertura por veículos favoráveis à causa, resultaram na consolidação de uma narrativa dominante favorável a Israel, reforçando sua imagem como defensora da segurança nacional e enfraquecendo as reivindicações palestinas. Tal enquadramento não apenas dificultou a construção de um discurso equilibrado que contemplasse as complexidades do conflito, mas também contribuiu para a perpetuação de estereótipos negativos e para a disseminação da desinformação (JORNAL DA USP, 2024).

A análise comparativa desses casos evidencia duas formas distintas de netwar. No conflito Ucraniano, a lógica de netwar não se limita à esfera militar, pois também incluem dimensões políticas, econômicas e sociais. Em contraste, a disputa midiática entre Israel e Palestina ocorre de forma mais fragmentada e assimétrica. O Estado de Israel domina o fluxo de informação, enquanto a Palestina sofre com limitações e restrições territoriais, políticas e midiáticas, fazendo que sua luta chegue de forma desigual e injusta no cenário global comparado à Israel.

A reflexão sobre os casos da Rússia-Ucrânia e Israel-Palestina nos permite considerar que a guerra contemporânea não se milita mais as fronteiras territoriais ou a capacidades bélicas, mas envolve construções discursivas do conflito, como é proposto pelo teórico Michel Shapiro, com o conceito de cartografia violenta. Em sua teoria é destacado o papel da linguagem de representação e dos discursos de construção social na delimitação de mapas a partir das relações de poder.

O papel da linguagem de representação e dos discursos de construção social, delimitam mapas a partir das suas vontades. Existem instrumentos políticos e simbólicos que mapeiam o território partindo das relações de poder e de quem domina o sistema, uma espécie de naturalização de fronteiras. O conflito Rússia-Ucrânia vai além do controle físico do território, existe uma construção de mapas com discursos e meios digitais que definem o papel de vítima e agressor.

“Cartografia violenta questiona a visão estatal e nacionalista do mapeamento, o que é chamado de “geographical imaginary”, destacando como essas construções simbólicas moldam antagonismo, identidades e políticas discriminatorias no ambito internacional (SHAPIRO, 1997).”

A guerra Israel-Palestina, por sua vez, não é apenas um embate territorial, é uma disputa de narrativas que produzem mapas simbólicos e redefinem espacialidades. Tal mapeamento é orientado por relações de poder e interesses políticos criando discursos dominantes que visibilizam outras reivindicações. A configuração é uma forma de violência cartográfica delimitando zonas de visibilidade e invisibilidade, validando determinadas pretensões territoriais, reforçando ordens políticas e identitárias que sustentam o conflito.

A análise dos conflitos contemporâneos revela que a guerra não se restringe mais ao domínio físico, mas se expande para territórios simbólicos e digitais. Conceitos como Netwar e Cartografia violenta evidenciam que as batalhas atuais são travadas por narrativas, dados e representações.

A disputa pelo controle da informação, seja por meio de ataques cibernéticos ou pelo enquadramento midiático, torna-se tão estratégico quanto a ocupação territorial. Rússia e Ucrânia, bem como Israel e Palestina, exemplificam essa dinâmica, mostrando que a manipulação discursiva, a desinformação e a construção de imaginários geográficos são armas poderosas na definição de papéis, legitimidades e percepções internacionais.

Por esse motivo, compreender a dimensão política da comunicação e a violência implícita nos mapeamentos simbólicos é fundamental para interpretar as novas configurações da guerra do século XXI. Esta compreensão permite, ademais, verificar os possíveis cenários no sistema internacional, suas transições de poder e os novos arranjos institucionais que poderão influenciar em novos episódios de conflitos e em novas formas de guerra, como o a netwar.

REFERÊNCIAS

ARQUILLA, John; RONFELDT, David. The Advent of Netwar. Santa Monica: RAND Corporation, 1996.

BBC News Brasil). A guerra cibernética paralela entre Rússia e Ucrânia. BBC News Brasil, 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60551648. Acesso em: 24 ago. 2025.

FRANCO, Augusto de. A Netwar. Instituto Monitor da Democracia, 7 jun. 2024. Disponível em: https://monitordademocracia.org.br/a-netwar/. Acesso em: 24 ago. 2025.

FONSECA, Leila Oliveira da. A guerra cibernética e o conflito Rússia versus Ucrânia. Revista Relações Internacionais (online), 15 fev. 2023. Disponível em: https://relacoesexteriores.com.br/a-guerra-cibernetica-e-o-conflito-russia-versus-ucrania/. Acesso em: 24 ago. 2025

PASCHOAL BALDIN, Vitória; RAMOS, Daniela Osvald. Como a cobertura jornalística reconfigura a narrativa e os desdobramentos do conflito entre Palestina e Israel. Jornal da USP, 8 fev. 2024. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/como-a-cobertura-jornalistica-reconfigura-a-narrativa-e-os-desdobramentos-do-conflito-entre-palestina-e-israel/. Acesso em: 24 ago. 2025.

PISANI, Francis. A doutrina militar das redes. Le Monde Diplomatique Brasil, dez. 2024. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-doutrina-militar-das-redes/. Acesso em: 24 ago. 2025.