Caio Farias – 6° Semestre

Lara Lima – Internacionalista

Marcelo Alves – 6° Semestre

A pandemia da Covid-19 gerou um endividamento global sem precedentes, afetando principalmente os países em desenvolvimento. Embora seus impactos sanitários tenham sido gradualmente mitigados pela vacinação (não obstante a demora em promovê-la), a crise obrigou os governos a aumentarem os gastos públicos em saúde e em políticas emergenciais, ao mesmo tempo em que enfrentavam queda nas receitas, resultando em uma explosão da dívida.

Segundo Marcia Tojal (2021), enquanto as nações desenvolvidas tiveram acesso a crédito em condições mais favoráveis, os países periféricos enfrentaram juros elevados e restrições que dificultaram a recuperação econômica, perpetuando a dependência e aprofundando as assimetrias globais.

Nesse cenário, o debate sobre justiça financeira global torna-se essencial, pois vai além da gestão técnica da dívida e evidencia a dimensão política e ética das relações econômicas internacionais. Reivindicar justiça financeira global significa transformar o endividamento de um obstáculo em um instrumento para a redução das desigualdades.

Ademais, o conceito de justiça financeira global emerge como resposta necessária às limitações estruturais do sistema financeiro internacional. Segundo Pogge (2008), a arquitetura financeira global perpetua injustiças distributivas ao impor condições desproporcionalmente restritivas aos países mais vulneráveis, criando um ciclo vicioso onde o endividamento impede investimentos em desenvolvimento humano e infraestrutura produtiva.

A experiência pós-pandemia evidenciou essas contradições quando organismos como o Fundo Monetário Internacional ofereceram alívio temporário através da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida, mas mantiveram estruturas condicionais que perpetuam a dependência (JUBILEE DEBT CAMPAIGN, 2022). A reforma do sistema deve incorporar critérios que considerem não apenas a capacidade de pagamento, mas também as necessidades de desenvolvimento sustentável.

Entretanto, a crescente dívida dos países em desenvolvimento evidencia um padrão de vulnerabilidade estrutural no sistema financeiro global. As nações periféricas, ao recorrerem a empréstimos para enfrentar crises emergenciais, frequentemente se veem submetidas a condições onerosas, como altas taxas de juros e prazos curtos de pagamento. Essa dependência limita sua capacidade de investir em políticas de longo prazo, reforçando ciclos de endividamento e dificultando o crescimento sustentável.

Gráfico 01: Dívida Pública de Alguns Países em Desenvolvimento como % do PIB (2021)

Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI), 2021

Os dados do FMI (2021) acima revelam significativas disparidades dentro deste grupo: o Brasil lidera com 103%, seguido pela Índia 90% e África do Sul 83%, enquanto Chile 38% apresenta os níveis mais controlados. Assim, certas economias acumulam dívidas próximas ou, como no caso do Brasil, superiores ao próprio PIB, demonstrando vulnerabilidade externa por parte desses estados.

Tal heterogeneidade demonstra que, mesmo entre economias emergentes, existem diferentes graus de vulnerabilidade fiscal, mas todas compartilham a característica comum de enfrentar condições de financiamento mais restritivas que os países desenvolvidos, independentemente de seus indicadores de endividamento serem frequentemente inferiores aos das nações centrais.

Desta forma, ao analisar tal quadro econômico através da Teoria da Interdependência de Joseph Nye (2012) é possível compreender esse cenário. De acordo com o Joseph Nye (2011), a interdependência complexa se caracteriza por múltiplos canais de conexão entre as sociedades, onde as relações econômicas transcendem as fronteiras nacionais e criam uma teia de dependências mútuas.

No contexto da crise de endividamento, essa interdependência manifesta-se de forma assimétrica: enquanto os países desenvolvidos conseguem mobilizar recursos através de instituições financeiras internacionais, os países em desenvolvimento enfrentam o que Gala (2025) denomina de “armadilha da restrição externa”. A pandemia intensificou essa assimetria, direcionando fluxos de capital para economias consideradas “seguras” e deixando as nações periféricas com opções limitadas de financiamento.

Esse “congestionamento” reflete-se, por exemplo, no excesso de agendas que disputam espaço na governança global, relacionados com a saúde, dívida, transição energética, mudanças climáticas e segurança alimentar. Assim, os países periféricos, já fragilizados por dívidas elevadas, encontram dificuldade em se posicionar de forma soberana, pois suas margens de negociação ficam condicionadas às decisões de credores e organismos internacionais, portanto, a interdependência, nesse sentido, reforça vulnerabilidades em vez de solucioná-las (FREITAS; PRATES, 2002).

Sendo assim, a análise do endividamento global pós-pandemia revela que a crise sanitária não apenas ampliou vulnerabilidades econômicas preexistentes, mas também expôs as limitações estruturais da governança financeira internacional, evidenciando um sistema que perpetua a disparidade econômica e reafirma um sistema de intensa dependência que não permite o desenvolvimento das nações emergentes.

Logo, a noção de justiça financeira global não surge apenas como um ideal normativo, mas como reflexo das contradições estruturais de um sistema que, ao mesmo tempo em que conecta sociedades, perpetua desigualdades. Assim, mais do que respostas imediatas, o debate revela tensões que permanecem em aberto e que exige constante reflexão sobre os rumos da governança econômica internacional.

REFERÊNCIA:

FREITAS, Maria Cristina Penido de; PRATES, Daniela Magalhães. Reestruturação do Sistema Financeiro Internacional e Países Periféricos. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 22, n. 2 (86), p. 234-261, abr./jun. 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rep/a/FCDNffJR4PJCDgLhtrcmxxv/?lang=pt.  Acesso em: 22 ago. 2025.

FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL. Base de Dados do Monitor Fiscal de Medidas Fiscais dos Países em Resposta à Pandemia de COVID-19. Washington, DC: FMI, out. 2021. Disponível em: https://www.imf.org/en/Topics/imf-and-covid19/Fiscal-Policies-Database-in-Response-to-COVID-19.  Acesso em: 22 ago. 2025.

GALA, Paulo. A armadilha da restrição externa: o freio estrutural ao desenvolvimento brasileiro. Paulo Gala – Economia & Finanças, 1 jun. 2025. Disponível em: https://www.paulogala.com.br/a-armadilha-da-restricao-externa-o-freio-estrutural-ao-desenvolvimento-brasileiro/. Acesso em: 22 ago. 2025.

JUBILEE DEBT CAMPAIGN. The debt crisis and COVID-19. Londres: Jubilee Debt Campaign, 2022.

NYE, Joseph S. O futuro do poder. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Benvirá, 2012.

POGGE, Thomas. World poverty and human rights: cosmopolitan responsibilities and reforms. 2. ed. Cambridge: Polity Press, 2008.

TOJAL, Marcia. Pandemia irá deixar outra herança ruim: o alto nível de endividamento dos países. CNN Brasil. publicado em: 24 jan. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/pandemia-ira-deixar-outra-heranca-ruim-o-alto-nivel-de-endividamento-dos-paises/. Acesso em: 21 ago. 2025.