
Sofia Dias – acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais
A Palestina é uma região de importância geopolítica e religiosa há milênios, sendo berço das três principais religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Desde a Antiguidade até os tempos modernos, o território foi disputado por diversos impérios, incluindo romanos, árabes e turco-otomanos. Ademais, na Idade Contemporânea, a descoberta de petróleo ampliou o interesse internacional na região, intensificando sua relevância estratégica. A convivência entre árabes palestinos e judeus foi, em certos momentos, pacífica; entretanto, as tensões aumentaram a partir do final do século XIX, com o avanço do movimento sionista e as disputas por terra e recursos. (BBC, 2021)
Essas transformações históricas prepararam o cenário para a intervenção de potências estrangeiras no século XX. Durante o mandato britânico, a Declaração Balfour (1917) expressou apoio à criação de um lar nacional judeu na Palestina, sem considerar plenamente os direitos da população árabe local, então vista como uma coletividade não estatal. Com o fim do domínio otomano e o subsequente controle britânico e francês, a questão deixou de ser exclusivamente regional e passou a integrar de forma permanente a agenda política internacional. (JUS, 2025)
Em 1947, com a retirada britânica, a ONU apresentou um plano de partilha do território, reservando uma parte para o Estado de Israel, outra para um futuro Estado Palestino e uma terceira, Jerusalém, como zona internacional neutra. Embora a proposta tenha sido rejeitada pelos árabes, foi aprovada pela Assembleia Geral, resultando no imediato reconhecimento de Israel — ao passo que a criação do Estado Palestino foi negligenciada, gerando um vácuo político que se mantém até hoje. (JUS, 2025)
Essa ausência de reconhecimento formal do Estado Palestino perpetua o conflito árabe-israelense e desafia as normas do Direito Internacional. Tal situação reforça a excepcionalidade do caso palestino, exigindo reflexão sobre os critérios de reconhecimento e o papel político das grandes potências nesse processo. Ademais, evidencia como interesses estratégicos e disputas de poder no sistema internacional podem se sobrepor aos princípios jurídicos, limitando a efetividade de mecanismos multilaterais destinados à resolução pacífica de conflitos.
Para que um Estado seja juridicamente reconhecido, deve atender aos requisitos previstos na Convenção de Montevidéu (1933): população permanente, território definido, governo efetivo e capacidade de estabelecer relações internacionais. Os dois últimos pressupõem independência política e controle efetivo sobre o território e a população. Nesse sentido, o reconhecimento por outros Estados, embora não seja considerado elemento constitutivo pela maioria da doutrina, pode influenciar de forma decisiva a consolidação da soberania estatal, sobretudo quando ocorre de maneira coletiva e majoritária ou, ao contrário, quando há um bloqueio político generalizado (CADENA SER, 2025).
O caso palestino ilustra essa tensão entre critérios jurídicos e realidades políticas. Atualmente, 147 dos 193 Estados-membros da ONU reconhecem a Palestina, incluindo países europeus como a Espanha, enquanto outros — entre eles França, Reino Unido, Canadá e Malta — manifestaram intenção de fazê-lo. Contudo, no âmbito do Conselho de Segurança, o processo enfrenta obstáculos significativos, em especial devido à oposição dos Estados Unidos, membro permanente com poder de veto. De fato, a estrutura decisória do órgão, composta por cinco membros permanentes com esse privilégio, dificulta mudanças substanciais, pois qualquer reforma que limite o veto depende da concordância unânime desses próprios membros (CADENA SER, 2025).
Essa configuração institucional evidencia as limitações estruturais da ONU na mediação de conflitos, mesmo diante de amplo consenso internacional. Embora a organização tenha avançado em alguns aspectos rumo ao multilateralismo, sua base de funcionamento permanece a mesma desde 1945, restringindo sua efetividade na promoção da paz e segurança internacionais. Portanto, no contexto palestino, isso significa que, apesar do reconhecimento expressivo pela maioria dos Estados, a ausência de consenso no Conselho de Segurança perpetua um impasse político e jurídico que compromete a materialização plena da soberania palestina.
Nesse sentido, o pensamento de Hugo Grotius (1583-1645), jurista holandês considerado um dos fundadores do direito internacional moderno, especialmente no que concerne ao jus ad bellum – direito à guerra -, oferece bases para analisar a legitimidade de ações estatais frente ao reconhecimento da Palestina. Para Grotius, a guerra só é justa quando empreendida em legítima defesa, para recuperação de bens ou para punição a agressões, rejeitando intervenções baseadas apenas em ameaças potenciais (BARNABÉ, 2015).
Aplicado ao contexto palestino-israelense, esse critério questiona a legalidade de ações militares preventivas e reforça a necessidade de soluções pactuadas e diplomáticas, em consonância com o princípio pacta sunt servanda e com a lógica de uma sociedade internacional regida por acordos (LIZIERO, 2020). Ademais, o não cumprimento de compromissos assumidos, como nos Acordos de Oslo, compromete não apenas a confiança entre as partes, mas também a estabilidade da ordem internacional baseada no respeito mútuo à soberania.
Já o jus in bello – direito na guerra -, que regula a conduta durante os conflitos armados, também se mostra relevante para a análise do caso palestino. Grotius sustenta que, mesmo em guerras consideradas justas, devem ser observados limites como a proporcionalidade no uso da força e a proteção a inocentes (BARNABÉ, 2015). Esses princípios, hoje incorporados ao direito internacional humanitário, conectam-se às normas de jus cogens que garantem a autodeterminação dos povos e proíbem a anexação de territórios pela força (LIZIERO, 2020). Assim, a negativa de reconhecimento pleno à Palestina e a manutenção de medidas coercitivas que violem tais princípios não apenas contrariam o direito internacional contemporâneo, mas também rompem com fundamentos éticos e jurídicos estabelecidos desde o século XVII para limitar os efeitos da guerra e preservar a paz.
Desse modo, a discussão sobre o reconhecimento da Palestina como Estado transcende as formalidades jurídicas e políticas convencionais, exigindo o reconhecimento da complexidade histórica e humana que permeia esse conflito. Para que haja avanços efetivos, é necessária a transformação das estruturas de poder que, historicamente, silenciaram vozes fundamentais, valorizando as narrativas e experiências palestinas. Esse processo constitui um dos pilares para o estabelecimento de um caminho pautado na justiça, no respeito mútuo e na possibilidade de convivência pacífica, com reconhecimento legítimo entre os povos.
REFERÊNCIAS
BBC. História do Oriente Médio. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57279758. Acesso em: 9 ago. 2025.
UNITED NATIONS. History of Palestine. Disponível em: https://www.un.org/unispal/history/. Acesso em: 9 ago. 2025.
JUSTIÇA. A Palestina como sujeito de direito internacional. Jus.com.br, 18 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9646/a-palestina-como-sujeito-de-direito-internacional. Acesso em: 10 ago. 2025.
CERONE, John. The UN and the Status of Palestine – Disentangling the Legal Issues. ASIL Insights, v. 15, n. 26, 13 set. 2011. Disponível em: https://www.asil.org/insights/volume/15/issue/26/un-and-status-palestine-%E2%80%93-disentangling-legal-issues. Acesso em: 10 ago. 2025
SYARIFA, N; PRABANDARI, A. P. Palestine’s Struggle for Statehood in the Pursuit of International Recognition. International Journal of Social Science Research and Review, v. 8, i. 4, p. 65-72, 2025. Disponível em: <https://ijssrr.com/journal/article/view/2608/1857>. Acesso em: 10 ago. 2025
UNITED NATIONS. Notícias sobre a Palestina. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2024/06/1832616. Acesso em: 10 ago. 2025.
