Por Cainã Alves do Amaral – acadêmico do 4° semestre de Relações Internacionais da Unama.

Com o início do segundo mandato de Donald J. Trump como presidente dos Estados Unidos da América, diversos aspectos foram modificados na estrutura da política externa americana. Com efeito, o republicano vem, desde o começo do ano, adotando medidas radicais quanto a questões como multilateralismo, taxas alfandegárias, políticas migratórias, negociações comerciais e protecionismo.

Entretanto, embora haja certo contraste entre as tomadas de decisão de Trump e as de outros presidentes estadunidenses, um aspecto se mantém: a aplicação de uma metodologia neorrealista, onde a política de Estado, por sua vez, configura-se na centralidade estatal, discursos de soberania, preservação da hegemonia e asseguramento de segurança nacional.

Nessa perspectiva, sob um contexto geopolítico de ascensão da China — principal concorrente do país norte-americano no que tange ao aspecto econômico e militar — juntamente a predominância de blocos econômicos e expansão do fortalecimento da cooperação internacional por todo o globo, Donald Trump vai em direção oposta à “correnteza”.

Com base em ideologias protecionistas e isolacionistas em um mundo cada vez mais globalizado e interconectado, tem anunciado tarifas elevadas sobre exportações de dezenas de países, sendo, um deles, o Brasil. Neste contexto, no dia 9 de julho de 2025, o presidente dos EUA anunciou uma tarifa de 50% a exportações brasileiras, atribuindo a cobrança em parte à postura do Supremo Tribunal Federal para com o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (CNN Brasil, 2025).

Consoante a isso, a partir de uma análise pós-moderna, moldada pelas concepções teóricas de Richard Ashley, pode-se afirmar que há a materialização do conceito de “práticas discursivas heroicas” no panorama do tarifaço ao Brasil, onde “o Estado soberano torna-se um sujeito responsável pelas práticas de estabilização e ordem das ambiguidades e contingências existentes” (Ashley, 1984). Dessa forma, Trump —motivado por discursos nacionalistas de progresso como o Make America Great Again e America for Americans — divide lados e impõe contradições ao taxar os produtos brasileiros. De fato, a realidade da indústria americana se desencontra com as projeções/ideias do atual presidente, pois, ao adotar tal medida tarifária, a indústria — não-autossuficiente e carente em diversos produtos como minerais e minérios de ferro (terras raras) — teria que se reajustar em diversos setores para expandir a produção dessas respectivas mercadorias. Entretanto, esse processo apenas seria benéfico a longo prazo e demoraria anos para se consolidar.

Outrossim, é de suma importância salientar o modo com que o presidente estadunidense vem exercendo o poder. Saliente-se, que, para Michel Foucault, este exercício, pode ser realizado através de práticas de dominação, resistência e subjetivação, e não necessariamente como propriedade do poder em si.

Com o apoio de grande parte do Congresso dos Estados Unidos, Trump tem maior liberdade para tomar suas ações. Isso é reforçado pela hegemonia que o país tem no Sistema Internacional, que, embora venha dando sinais de enfraquecimento, sustenta-se em poderio bélico e econômico consideravelmente forte.

Esse viés mais protecionista e isolacionista dos EUA pode ter sido efetivo em um passado não tão distante. Entretanto, aplicar esta estratégia em uma era onde a interconectividade, a dependência comercial, e a cooperação internacional são presentes, é bastante questionável. Desse modo, a busca pela autossuficiência total — no século XXI — acaba se configurando como uma ideologia utópica e distante dos padrões atuais.

Portanto, trazendo à tona uma visão mais microeconômica quanto a questão tarifária, conclui-se que os Estados Unidos — de uma forma geral — não é afetado profundamente pela adoção da respectiva medida, mas sim seus consumidores e empresas que dependem consideravelmente de certos produtos oferecidos pelo Brasil, principalmente aqueles que se configuram como raros e escassos no território nacional.

Partindo desse pressuposto, o que vem sendo afetada fortemente é a relação bilateral entre Brasília e Washington, a qual vem se deteriorando desde os últimos acontecimentos, haja vista a incompatibilidade de interesses e identidades (Der Derian, 2009), reforçada por uma postura cada vez mais imprevisível e antidiplomática por parte do chefe de Estado e Governo dos Estados Unidos.

Os recentes recuos de Trump na efetivação dessas tarifas ao Brasil, a exclusão de produtos estratégicos da lista inicial, o crescimento do comércio do Brasil com a China e com diversos outros parceiros comercias, mostram que a atitude do poder executivo brasileiro em não negociar, mas ampliar sua pauta de negociações define claramente o caminho que os países do Sul Global devem tomar diante das pressões estadunidenses.

REFERÊNCIAS

ASHLEY, Richard. The Poverty of Neorealism, International Organization, Vol. 38, No. 2, 1984.

CARRANÇA, Thais. Defesa de Bolsonaro nega violação de medidas e cobra de Moraes definição sobre entrevistas. BBC Brasil, 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx2jen8d2jko. Acesso em 28 de julho de 2025

FLECK, Anna. Where Are the World’s Rare Earths? Statista, 2025. Disponível em: https://www.statista.com/chart/33754/countries-with-the-greatest-known-reserves-of- rare-earths/. Acesso em 28 de julho de 2025

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987.

MATTOS, Marcela. Tarifaço: Enquanto países alcançam acordos com Trump, Brasil segue no escuro. Veja, 2025. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/tarifaco- enquanto-paises-alcancam-acordos-com-trump-brasil-segue-no- escuro/#google_vignette. Acesso em 28 de julho de 2025

NAKAMURA, João. Trump anuncia tarifa de 50% ao Brasil. CNN Brasil, 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/trump-anuncia-tarifa-de-50- para-brasil/. Acesso em 28 de julho de 2025

SILVA, Railson. Pensamentos Internacionalistas – Teoria Pós-Moderna: Foucault e Der Derian. Internacional da Amazônia, 2022. Disponível em: https://internacionaldaamazoniacoms.com/2022/11/24/pensamentos-internacionalistas- teoria-pos-moderna-foucault-e-der-derian/. Acesso em 28 de julho de 2025