Izabelle Gama, 2 ° semestre

A Organização das Nações Unidas (ONU), fundada em 1945 após a Segunda Guerra Mundial, consolidou-se como o principal espaço de debate e cooperação internacional, reunindo atualmente 193 Estados-membros em torno de temas que vão da segurança internacional ao desenvolvimento sustentável. Entre seus órgãos centrais, a Assembleia Geral destaca-se por ser o foro mais democrático do sistema multilateral, permitindo que cada país disponha de um voto, independentemente de seu poder econômico ou militar. É nesse espaço que os Estados expressam suas posições e definem diretrizes políticas com repercussões globais.

Desde a fundação da ONU, o Brasil consolidou uma tradição diplomática marcada pelo compromisso com o multilateralismo e com a busca de soluções cooperativas para os desafios globais. Um dos símbolos desse engajamento é o fato de o país abrir, desde 1947, o Debate Geral da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), prática que lhe garante visibilidade e reforça sua credibilidade como voz ativa do Sul Global. Ao longo das décadas, essa participação foi orientada por princípios estruturantes da política externa brasileira, como a defesa da autodeterminação dos povos, o respeito ao direito internacional e a solução pacífica de conflitos. Durante a Guerra Fria e a redemocratização, esses valores permitiram ao Brasil projetar sua diplomacia como mediadora em debates de desarmamento, desenvolvimento econômico e cooperação internacional (Reis da Silva, 2013).

No início do século XXI, o país aprofundou sua presença no multilateralismo, alinhando-se a coalizões como o G-77 e os BRICS. Nesse período, temas como multipolaridade, reforma da governança global, combate ao protecionismo e defesa da causa palestina tornaram-se estratégicos para a inserção internacional do Brasil. Essa atuação reforçou sua imagem de mediador em fóruns multilaterais e consolidou o papel de liderança entre países emergentes (Cervo & Bueno, 2011).

Em 2025, essa tradição permanece, mas em um contexto mais complexo, marcado por crises ambientais, humanitárias e geopolíticas. No discurso do dia 23 de Setembro, na abertura da 80ª Assembleia Geral da ONU, é esperado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destaque  a urgência de reformar o Conselho de Segurança, de enfrentar as mudanças climáticas com justiça e de buscar soluções pacíficas para conflitos como a guerra na Ucrânia e a crise em Gaza. Ao mesmo tempo, o Brasil tem utilizado sua posição estratégica na agenda ambiental para articular a preparação da COP30 em Belém, propondo a integração entre clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável como eixo das negociações internacionais (ONU News, 2025; The Guardian, 2025).

A atuação do Brasil pode ser analisada à luz do idealismo kantiano. Em À Paz Perpétua (1795), Immanuel Kant defendia que a paz duradoura só seria possível mediante o fortalecimento de instituições internacionais, a prevalência do direito sobre a força e a construção de uma comunidade cosmopolita baseada em normas universais. Essa visão dialoga diretamente com a tradição diplomática brasileira, que valoriza a negociação, a cooperação e o multilateralismo como formas legítimas de inserção internacional. (Kant, 1795/2008).

Sob essa ótica, a diplomacia brasileira reforça o papel da ONU como espaço de mediação, aproximando-se de paradigmas pluralistas e cosmopolitas. O paradigma pluralista enfatiza que a construção de um mundo mais pacífico depende não apenas da ação estatal, mas também da participação de organizações internacionais, atores regionais e da sociedade civil (Sarfati, 2005). Já paradigma cosmopolita entende que os indivíduos possuem direitos universais que transcendem as fronteiras nacionais e, portanto, a comunidade internacional tem responsabilidade de proteger e promover esses direitos, mesmo diante da resistência dos Estados (Linklater, 1998). Defender a justiça climática, a proteção de populações vulneráveis em crises humanitárias e a cooperação multilateral,  aproxima o Brasil dessas visões ao reconhecer a interdependência entre os Estados e a necessidade de respostas coletivas.        

A participação brasileira na Assembleia Geral de 2025 projeta tendências que devem marcar sua atuação nos próximos anos. Ao enfatizar a justiça climática, defender a reforma do Conselho de Segurança e associar sua imagem à realização da COP30 em Belém, o país sinaliza a intenção de manter-se em papeis de liderança (United Nations, 2025; IPCC, 2023). Contudo, a consolidação desse papel dependerá da capacidade de alinhar discurso e prática, conciliando compromissos internacionais com políticas internas consistentes. Diante da fragmentação do sistema internacional e da rivalidade entre grandes potências, caberá ao Brasil fortalecer coalizões no Sul Global e propor soluções equilibradas. Se conseguir traduzir suas propostas em ações concretas, em áreas como transição energética, segurança alimentar e proteção da Amazônia, poderá ampliar sua legitimidade e consolidar-se como mediador confiável e defensor de princípios universais (Folha de S. Paulo, 2025; Financial Times, 2025).

Referências:

ALMEIDA, Paulo Roberto de. Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização. Rio de Janeiro: LTC, 2012.

CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 4. ed. Brasília: Editora UnB, 2011.

IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change 2023: Synthesis Report. Geneva: IPCC, 2023.

KANT, Immanuel. À paz perpétua. São Paulo: Martins Fontes, 2008 [1795].

ONU NEWS. Discurso de abertura do Brasil na Assembleia Geral da ONU 2025. Nova Iorque: ONU, 2025.

REIS DA SILVA, André Luiz. A atuação dos países emergentes na Assembleia Geral da ONU: as convergências da política externa brasileira com o Grupo Next Eleven (2000-2010). Trabalho apresentado no 4º Encontro Nacional da ABRI, 2013.

THE GUARDIAN. Brazil pushes climate justice at UN General Assembly ahead of COP30. Londres: The Guardian, 2025.

UNITED NATIONS. General Assembly Seventy-Ninth Session – Summary of Debates. Nova Iorque: ONU, 2025.

FOLHA DE S. PAULO. Lula defende reforma do Conselho de Segurança em discurso na ONU. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2025.

FINANCIAL TIMES. Brazil positions itself as a leader on climate justice before COP30. Londres: Financial Times, 2025.