Caio Farias – 6 Semestre

Marcelo Alves – 6 Semestre

O avanço das crises ambientais e sociais, intensificadas pelas mudanças climáticas, pela degradação dos ecossistemas e pelas desigualdades globais, tem pressionado governos, empresas e organismos internacionais a repensar os modelos de desenvolvimento econômico vigentes. Nesse contexto, emergem propostas que se apresentam como alternativas capazes de conciliar crescimento econômico e sustentabilidade ambiental.

Dentre eles estão o Capitalismo Verde, que busca internalizar variáveis ecológicas na lógica de mercado apostando na inovação tecnológica e em mecanismos de mercado como instrumentos de mitigação ambiental, e a Economia Circular, que propõe uma reorganização dos sistemas produtivos baseada na redução de resíduos, no reaproveitamento de recursos e na extensão do ciclo de vida dos produtos.(BARBOSA, 2023).

Apesar dos objetivos alinhados com a preservação dos espaços de extração de recursos, ambas as perspectivas suscitam críticas quanto à sua efetividade e alcance. Tais paradigmas representam mais uma adaptação do capitalismo às pressões socioambientais do que uma ruptura estrutural com a lógica de acumulação e exploração que caracteriza o sistema, mantendo a máquina funcionando enquanto maneja os recursos para que possa continuar extraindo.

Fonte: Valor Econômico (2023)

O gráfico evidencia que, embora o Brasil tenha produzido 81,8 milhões de toneladasde resíduos sólidos urbanos em 2022, apenas 4% foi efetivamente reciclado, mesmo diante do potencial de 30% de reaproveitamento dos resíduos secos. Essa discrepância revela não apenas a fragilidade das políticas de gestão de resíduos, mas também a distância entre o discurso da sustentabilidade e sua materialização prática.

Nesse sentido, os conceitos de Economia Circular e Capitalismo Verde, frequentemente apresentados como alternativas inovadoras, corre o risco de se limitar a um ideal normativo se não enfrentar as barreiras estruturais que perpetuam a reprodução de impactos ao ambiente, fomentados pela ausência de infraestrutura adequada, a desarticulação entre setores produtivos e a negligência do poder público em promover mecanismos eficazes de responsabilização e incentivo.

De maneira análoga, podemos analisar a emersão desses novos tipos de economia à luz da teoria do Sistema-Mundo de Immanuel Wallerstein, o qual compreende o capitalismo como um sistema histórico expansivo e adaptativo. Segundo o autor, o capitalismo não é um sistema estático, mas uma estrutura que se reconfigura constantemente para manter sua lógica de acumulação (WALLERSTEIN, 2001, p. 23).

Sob essa perspectiva, a incorporação de práticas “sustentáveis” não rompe com a lógica capitalista, mas atualiza o funcionamento do sistema-mundo, garantindo sua continuidade diante das pressões socioambientais.

Assim, a promessa de um “novo paradigma” pode ser interpretada como um mecanismo de reprodução da hegemonia, mantendo a capacidade de ditar normas globais de produção e consumo, enquanto transfere os custos socioambientais para a periferia, sob uma nova roupagem do modelo capitalista predatório.

Ademais, as soluções apresentadas pelo Capitalismo Verde, como créditos de carbono, energias renováveis e tecnologias limpas, tendem a fortalecer a posição das potências centrais que detêm maior capacidade de investimento, em detrimento da manutenção da subserviência dos países semi/periféricos.

Portanto, conforme Barbosa (2023), tais mecanismos podem gerar avanços ambientais pontuais, mas não questionam as estruturas que perpetuam desigualdades globais, exemplificando uma camada superficial sobre a problemática, ao invés de combater por dentro e mais incisivo.

Do mesmo modo, a Economia Circular, ao propor o reaproveitamento de recursos, a redução de resíduos e a extensão do ciclo de vida dos produtos, é apropriada por corporações transnacionais como estratégia de competitividade, reforçando um modelo de produção que continua baseado na lógica de crescimento contínuo (Greenwashing).

Embora contribua para uma gestão mais consciente de recursos e redução de impactos ambientais, a Economia Circular, no contexto do capitalismo global, mantém desigualdades entre países centrais e periféricos, uma vez que os benefícios tecnológicos e econômicos tendem a se concentrar nos atores mais poderosos do sistema internacional.

Além disso, as narrativas em torno da sustentabilidade funcionam como instrumentos de produção de legitimidade no cenário global. Escobar (2015) aponta que a ênfase em soluções técnicas muitas vezes silencia alternativas políticas mais profundas, como aquelas que defendem justiça climática e redistribuição de recursos.

Destarte, Capitalismo Verde e Economia Circular fortalecem regimes discursivos que projetam a sustentabilidade como compatível com a lógica da acumulação, limitando a construção de alternativas que questionem de forma mais radical o modelo econômico vigente.

Portanto, diante das contradições inerentes ao debate sobre sustentabilidade, percebe-se que propostas como o Capitalismo Verde e a Economia Circular revelam mais sobre a capacidade de reinvenção do sistema capitalista do que sobre uma real ruptura com suas bases estruturais. Ao mesmo tempo em que oferecem revisões liberais para lidar com as pressões ambientais, também reproduzem a lógica de acumulação intensa que sustenta as desigualdades globais.

Nesse sentido, a promessa de uma “nova economia” parece menos um horizonte de transformação e mais uma atualização do próprio sistema, que se mantém funcional diante das crises que o desafiam, assim, a reflexão sobre a sustentabilidade exige ir além das soluções técnicas, buscando caminhos que questionem de forma mais profunda as estruturas que sustentam o modelo de desenvolvimento vigente.

Referências:

BARBOSA, Vinicius Guiraldelli; TAGLIAFERRO, Evandro Roberto; LIMA, Leonice Domingos dos Santos Cintra. Economia circular como instrumento socioeconômico e ambiental. Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, v. 17, n. 6, p. 219. 2023. Acesso em: 17 set. 2025.

BARBOSA, P. Economia Circular e Capitalismo Verde: limites e contradições do novo paradigma sustentável São Paulo: Atlas, 2023

ESCOBAR, Arturo. Territories of difference: place, movements, life, redes Durham: Duke University Press, 2015

VALOR ECONÔMICO. Economia circular contribui para o consumo consciente. Valor Econômico, São Paulo, 5 jun. 2023. Disponível em: https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/meio-ambiente/noticia/2023/06/05/economia-circular-contribui-para-o-consumo-consciente.ghtml. Acesso em: 17 set. 2025.

WALLERSTEIN, Immanuel. O capitalismo histórico 2 ed Rio de Janeiro: Contraponto, 2001