Julia Ellen Almeida Pimenta – acadêmica do 2° semestre de Relações Internacionais da Unama

A decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia, oficializada pelo referendo de 23 de junho de 2016, pode ser compreendida a partir da teoria hobbesiana da soberania. Para Thomas Hobbes, em Leviatã (1651), a segurança de um Estado depende de um poder supremo que não se subordine a instâncias externas. Nesse sentido, muitos defensores do Brexit argumentaram que a participação na União Europeia limitava a autoridade britânica sobre suas leis, fronteiras e políticas comerciais. O voto pela saída expressa, portanto, o desejo de restabelecer uma autonomia decisória plena, alinhada à concepção hobbesiana de soberania absoluta.

Sob a perspectiva kantiana da cooperação internacional, a decisão britânica aponta para riscos e perdas. Em À Paz Perpétua (1795), Immanuel Kant defende que a paz e a prosperidade dependem da criação de instituições e normas que limitem o arbítrio dos Estados. Ao enfraquecer os vínculos institucionais com a União Europeia, o Reino Unido reduziu sua participação em um sistema que favorecia a estabilidade econômica e política. Essa ruptura contribuiu para incertezas comerciais, barreiras alfandegárias e menor integração produtiva, confirmando a advertência kantiana sobre os custos da fragmentação.

Os efeitos econômicos do Brexit reforçam a leitura kantiana. Relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2016) estimam que o PIB britânico crescerá abaixo do que ocorreria com a permanência no bloco. Houve queda nas exportações para o mercado europeu, aumento de custos logísticos e desaceleração do investimento estrangeiro. Setores como o automotivo e o financeiro enfrentam incertezas regulatórias, enquanto a Escócia reaquece debates sobre independência e a aplicação do Protocolo da Irlanda do Norte gera tensões territoriais.

No campo geopolítico, a lógica realista, próxima de Hobbes, ajuda a explicar a estratégia britânica após a saída. Ao perder influência no continente, Londres busca reforçar a “relação especial” com os Estados Unidos, firmando acordos comerciais e de segurança. No entanto, a assimetria econômica entre os dois países limita o poder de barganha britânico, revelando que a busca por novas alianças não elimina as vulnerabilidades geradas pelo afastamento europeu.

Por fim, a avaliação do fortalecimento ou enfraquecimento do Reino Unido depende da lente teórica. Do ponto de vista hobbesiano, a recuperação da capacidade de decisão independente representa um ganho de soberania formal. Já sob a ótica kantiana, o país se enfraquece ao perder acesso privilegiado a mercados e reduzir sua influência normativa. O Brexit demonstra que, no século XXI, poder e prosperidade dependem não apenas da autonomia estatal, mas da habilidade de integrar-se a estruturas multilaterais que moldam a política e a economia global.

Referências

HOBBES, T. Leviatã. 1651.

KANT, I. À Paz Perpétua. 1795.

OECD. The Economic Consequences of Brexit: A Taxing Decision. Paris: OECD Publishing, 2016. Disponível em: The Economic Consequences of Brexit | OECD

OBERHOFER, H.; PFAFFERMAYR, M. Estimating the trade and welfare effects of Brexit: A panel data structural gravity model. Canadian Journal of Economics, v. 54, n. 1, p. 133–160, 2021.