
Caira Queiroz, acadêmica do 6° semestree de Relações Internacionais da UNAMA.
Ficha Técnica:
Ano: 2025
Diretor: Ryan Coogler
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Gênero: Terror / Sobrenatural / Drama histórico
País de Origem: Estados Unidos
Pecadores (Sinners, 2025), de Ryan Coogler, é uma experiência cinematográfica ousada, uma produção que realmente investe na originalidade, onde o terror serve à cultura, vampiros simbolizam poderes opressores, e a música, ancestral e viva, se torna resistência, para retratar as tensões raciais, culturais e espirituais dos Estados Unidos nos anos 1930, em plena segregação no sul, especificamente no Mississippi.
A narrativa acompanha os irmãos gêmeos Smoke e Stack (ambos interpretados por Michael B. Jordan), que retornam do Norte para sua cidade natal com recursos oriundos de atividades criminosas, para abrir um juke joint, um estabelecimento musical negro, ao lado do primo Sammie, um jovem talentoso no blues, gênero musical que ganha destaque na trama devido à alusão da sua resistência cultural, representando identidade e ancestralidade negra, fazendo da música um espaço de liberdade em meio à opressão.
Porém, eles enfrentam uma ameaça sobrenatural que se entrelaça à presença da Ku Klux Klan, tradições religiosas rígidas de legado da opressão racial. Sambie, cuja música possui uma ressonância espiritual, torna-se uma figura central tanto na resistência cultural quanto simbólica desses personagens frente aos monstros, literais e metafóricos, que os assombram (OLIVEIRA, 2025). Pode-se relacionar este folclore dos vampiros na trama, sendo usado como metáfora para forças predadoras de apropriação cultural e racismo estrutural, explorando segredos de uma época segregada e a violência racial em uma narrativa carregada de simbolismo.
Partindo para o visual, Pecadores mistura estética gótica do sul dos EUA com luzes saturadas, sombras densas e fotografia expansiva que realça tanto o caráter imersivo quanto o peso simbólico do ambiente. A música, como já abordada na narrativa acerca da trama (blues, elementos afro-americanos, tradição espiritual), traz para a semiótica mais que do que trilha: é parte integrante da narrativa, servindo de elo entre passado e presente, território de memória e local de resistência.
Assim, à luz da teoria pós-colonial, Pecadores revela como a colonialidade continua operando nas formas de exclusão e opressão racial. Edward Said (1978), em Orientalismo, mostrou como narrativas dominantes criam imagens do “Outro” como bárbaro, irracional ou pecador, lógica que o filme denuncia ao expor como a cultura negra foi estigmatizada como perigosa, pecaminosa ou imoral (AGUIAR, 2016). Assim, a figura do “pecado” deixa de ser apenas religiosa e se torna instrumento de controle, usado para inferiorizar e silenciar.
Isso se associa com o embate sobrenatural retratado no filme, pois quando forças vampíricas se aproximam, a música atua como barreira espiritual, como se a vibração dos tambores e vozes fossem capazes de afastar o mal. Em uma das principais cenas, um blues lento é interrompido por sons à medida que a ameaça cresce, se referindo que a harmonia da comunidade está sob ataque.
Pecadores é, portanto, uma obra que vai além do entretenimento: é um filme que revisita memórias, identidades e violências históricas sob o véu do sobrenatural, tornando visível o que muitas vezes permanece silenciado. Pela lente pós-colonial, ele denuncia colonialidades persistentes, na raça, na religião, e na moralidade, ao mesmo tempo em que celebra a cultura negra como força de resistência.
O filme é poderoso por suas escolhas simbólicas, visuais e musicais, que convidam o espectador a refletir sobre quem define os limites do “pecado”, quem detém poder moral e como se podem imaginar futuras identidades libertas das cicatrizes coloniais. Ao dar protagonismo a personagens negros em um cenário historicamente excludente, Coogler reinscreve suas histórias no centro, transformando dor em arte e denúncia em sobrevivência.
REFERÊNCIAS:
AGUIAR, Jórissa. Teoria pós-colonial, estudos subalternos e América Latina: uma guinada epistemológica. Estudo Sociológico. Araraquara v.21 n.41 p.273-289 jul.-dez. 2016.
OLIVEIRA, Lucas. “Pecadores”: Sangue novo no cinema de gênero. Cinematorio, 2025. Disponivel em: https://www.cinematorio.com.br/2025/04/critica-filme-pecadores-sinners-ryan-coogler-michael-b-jordan/. Acesso em 22 de setembro de 2025.
