Thais Vitória Borges – Internacionalista

A incorporação dos estudos feministas na disciplina de Relações Internacionais ocorreu de forma tardia, consolidando-se no contexto do denominado “terceiro debate”, também denominado de “inter-paradigmático”, desenvolvido na década de 1970. A contribuição central dessas abordagens consistiu em inserir a problemática da identidade nas análises de RI (Nogueira, 2018). 

A urgência em pautar o feminismo na agenda acadêmica e política derivou do reconhecimento, pela comunidade internacional, do uso sistemático da violência sexual contra mulheres como recurso estratégico em conflitos armados do século XX, configurando-se como uma verdadeira “arma de guerra”. Tal constatação tornou insustentável a manutenção de um suposto olhar neutro e objetivo que tradicionalmente marcava a disciplina (Tickner, 2001).

A autora J. Ann Tickner foi pioneira ao questionar a suposta neutralidade que ainda permeia o campo das RI, ao voltar seu olhar para as relações de gênero contidas dentro da política internacional. De origem Anglo Norte-americana, é professora emérita da University of Southern California. Seus interesses de ensino e pesquisa concentram-se em teorias das relações internacionais, estudos sobre paz e segurança e perspectivas feministas aplicadas ao campo das relações internacionais (Tickner, 2025).

Dentre os trabalhos da professora, uma de suas obras mais célebres: Gender in International Relations: Feminist Perspectives on Achieving Global Security (1992), parte de um ponto inicial aos seus estudos, atravessa o objetivo de introduzir o gênero como uma categoria de análise dentro das RI; discorre sobre a marginalização da mulher na arena da política internacional a partir da estereotipação das relações de gênero, demonstrando a autora que as atividades do Estado moderno sempre foi generificada. 

Não apenas, mas a Tickner expõe neste trabalho o forte laço entre a masculinidade e o mundo político, tendo em vista, como aponta a autora, que tanto as relações internacionais quanto as militares tem sido ao longo da história — e ainda hodiernamente — amplamente conduzidas em sua maioria por homens, a disciplina em sua estrutura é construída por homens e se voltam para a análise destes e da masculinidade (Tickner, 1992).

Ademais acerca desse imaginário sobre a masculinidade, a autora destaca que ao longo da história, atributos associados ao “ser masculino” foram amplamente valorizados na prática política, sobretudo no âmbito internacional. Com frequência, a masculinidade foi vinculada à violência e ao uso da força; comportamentos estes exaltados dentro da arena internacional como condizentes à condução e defesa da soberania de um país (Ibid, 1992).

A autora, ao analisar a estrutura das RI identifica que esta reproduz as relações hierárquicas; ao conduzir a “arena internacional” como um sistema anárquico constituído pelo eu/interno e o outro/externo, sendo este último a figura que deve ser contida ou combatida por meio do exercício do poder. 

Tickner relaciona esse comportamento com as representações estereotipadas daqueles que ocupam esse espaço externo, ou seja, o lugar do “outro”. Destacando que assim como ocorre com as mulheres, os países que compõem o Sul Global são frequentemente construídos como “o outro”. A partir deste questionamento a autora conclui que o discurso e a forma como se pensa e se é ensinado a pensar a política internacional guarda uma estreita relação com os processos de socialização que moldam a compreensão hegemônica das diferenças de gênero (Ibid, 1992).

Em conclusão, J. Ann Tickner foi pioneira ao analisar a dimensão de gênero nas Relações Internacionais, desestabilizando o mainstream teórico e forçando a disciplina a repensar sua base epistemológica. Suas reflexões não se limitam à crítica; elas são um convite à ação. Ao incorporar o feminismo na formulação da segurança nacional e da política externa, Tickner aponta para a possibilidade de políticas mais orientadas à mediação e ao diálogo, promovendo uma transformação prática na gestão de conflitos globais.

REFERÊNCIAS

NOGUEIRA, Jade Magalhães de Mendonça. A marginalização das perspectivas de gênero nas Relações Internacionais. 2018.

TICKNER, J. Ann. Faculty Profile: Judith Tickner. Washington, D.C.: American University, [s.d.]. Disponível em: https://www.american.edu/sis/faculty/tickner.cfm. Acesso em: 27 set. 2025.

TICKNER, J. Ann. Gender in international relations: feminist perspectives on achieving global security. New York: Columbia University Press, 1992.

TICKNER, J. Ann. Gendering world politics: issues and approaches in the post-Cold War era. New York: Columbia University Press, 2001.