
Keity Oliveira (Internacionalista formada pela UNAMA)
Lara Lima (Internacionalista formada pela UNAMA)
A Amazônia é, historicamente, um dos territórios mais estratégicos para o Brasil, tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico. Ocupando aproximadamente 60% do território nacional e abrigando a maior floresta tropical do planeta, a região concentra uma diversidade biológica incomparável e uma variedade de recursos naturais que despertam interesse global. Desde o período colonial, sua inserção na economia internacional esteve marcada por ciclos extrativistas (Bunker, 1985), como o da borracha no século XIX, e, mais recentemente, pelo avanço da fronteira agropecuária e mineradora.
No atual cenário de globalização e de crescente pressão internacional por práticas sustentáveis, a Amazônia encontra-se em uma encruzilhada. Por um lado, apresenta oportunidades para diversificação econômica baseada em cadeias produtivas sustentáveis, como a bioeconomia, a exploração não predatória da biodiversidade e o turismo ecológico (Becker, 2009). Por outro, mantém-se a lógica de dependência primário-exportadora, fortemente sustentada pela mineração, agropecuária e exploração madeireira.
Em primeiro plano, a participação da Amazônia no comércio internacional brasileiro está ligada, em grande medida, à exploração de recursos naturais em ciclos que variaram conforme as demandas externas. O ciclo da borracha (1879–1912) projetou a região como centro exportador, atraindo capitais estrangeiros e migrantes, mas entrou em declínio após a concorrência asiática, conforme Hall (1997).
Nesse sentido, a partir da segunda metade do século XX, políticas estatais incentivaram a ocupação e integração econômica da Amazônia, com projetos de infraestrutura, mineração e expansão agrícola.
No início do século XXI, as exportações amazônicas consolidaram-se na pauta de commodities brasileiras, sobretudo em produtos como minério de ferro, alumínio, soja e carne bovina. Essa centralidade (Bunker, 1985), embora importante para o saldo da balança comercial do país, reforçou a inserção subordinada da região como fornecedora de matérias-primas de baixo valor agregado, em contraste com as potencialidades da biodiversidade amazônica.
Em segundo plano, a crescente preocupação global com as mudanças climáticas e a sustentabilidade abre espaço para que a Amazônia seja concebida como ativo estratégico do Brasil em negociações comerciais e ambientais. Nesse contexto, a região apresenta oportunidades significativas para a diversificação econômica e para a construção de uma nova inserção no mercado internacional.
Um dos eixos mais promissores é a bioeconomia, que consiste na utilização sustentável da biodiversidade amazônica para a geração de produtos de alto valor agregado, sobretudo nos setores farmacêutico, cosmético e alimentício. A riqueza genética da floresta oferece possibilidades únicas de inovação (Veiga, 2013), capazes de inserir o Brasil em cadeias globais de valor que vão além do fornecimento de commodities.
Além disso, a Amazônia possui papel fundamental na regulação climática mundial, o que abre espaço para a valorização de serviços ambientais. A criação de mecanismos de mercado, como os créditos de carbono e o pagamento por serviços ambientais, pode não apenas gerar receitas expressivas ao país, mas também fortalecer políticas de conservação da floresta, segundo Santos (2000).
Outro campo de destaque é o turismo sustentável, em especial o de base comunitária, que pode atrair visitantes internacionais interessados em vivências ligadas à biodiversidade e às culturas tradicionais, promovendo desenvolvimento econômico aliado à valorização sociocultural das populações locais.
No entanto, para que tais oportunidades se concretizem, é necessário investir em infraestrutura logística e tecnológica que conecte a região de forma competitiva aos fluxos comerciais globais, sem reproduzir os impactos socioambientais dos grandes projetos do passado (Becker, 2009). Isso implica pensar em políticas públicas robustas, incentivos à pesquisa científica e parcerias que respeitem a soberania brasileira e os direitos das populações locais.
Apesar do potencial de diversificação econômica, a realidade atual aponta para a permanência de um modelo de exploração que alguns autores denominam de “novo extrativismo” (Gudynas, 2015). Esse conceito refere-se à intensificação da apropriação de recursos naturais voltada ao mercado global, frequentemente legitimada por discursos de modernização e desenvolvimento, mas que, na prática, mantém a dependência estrutural de exportações de commodities.
Na Amazônia, essa lógica se expressa principalmente pela expansão agropecuária, com destaque para a produção de soja e a pecuária bovina, que avançam sobre áreas desmatadas e direcionam grande parte de sua produção à exportação. Paralelamente, a mineração em larga escala, voltada sobretudo para ferro, bauxita e ouro, constitui parcela significativa das exportações da região (Hall, 1997), mas está associada a conflitos socioambientais e a impactos irreversíveis sobre ecossistemas sensíveis.
Outro elemento que compõe esse cenário é a exploração madeireira, muitas vezes marcada pela ilegalidade, que atende a uma demanda externa crescente por madeira tropical e contribui para a degradação ambiental (Becker, 2009). Esse conjunto de práticas reforça a ideia de que o “novo extrativismo”, embora mais sofisticado em termos de tecnologias e inserção mercadológica, continua reproduzindo dinâmicas predatórias e desiguais.
Embora lucrativo a curto prazo, o modelo gera efeitos perversos, como aumento do desmatamento, perda de biodiversidade, concentração de renda e marginalização das populações indígenas e comunidades tradicionais, que raramente participam dos benefícios econômicos.
A perpetuação desse padrão aprofunda a dependência externa do Brasil em relação às commodities e compromete a possibilidade de construção de uma inserção internacional baseada em inovação e sustentabilidade. Nesse sentido, o risco do novo extrativismo não se restringe apenas aos impactos ambientais, mas também envolve questões sociais, políticas e econômicas que podem comprometer a soberania nacional e limitar as oportunidades de um desenvolvimento efetivamente sustentável na região amazônica.
Em síntese, o desafio do Brasil é aproveitar as oportunidades da Amazônia sem transformá-la apenas em exportadora de commodities. Superar o “novo extrativismo” exige uma estratégia que combine preservação ambiental, valorização do capital humano local e inserção econômica sustentável. Sem essa articulação, a região corre risco de repetir padrões de exploração predatória, ampliando desigualdades e comprometendo a soberania nacional.
Diante da temática, recomenda-se o documentário “Beyond Fordlândia” (2017), dirigido por Marcos Colón, retrata a tentativa de Henry Ford, na década de 1920, de implantar uma grande plantação de seringueiras na Amazônia, projeto que fracassou diante da resistência da floresta e de diversos obstáculos, mas que acabou abrindo espaço para a posterior expansão das monoculturas extensivas na região. O vídeo está disponível no YouTube, através do seguinte link:
<https://youtu.be/DYC8voVnTeI?si=QZ-yNE31NZAtETwz>
Recomendamos também o documentário “Amazônia Sociedade Anônima.” (2019), dirigido por Estevão Ciavatta. Aborda a grilagem e a expansão do agronegócio sobre áreas públicas da Amazônia, evidenciando como a destruição da floresta está diretamente ligada a interesses econômicos. Com relatos de lideranças locais e registros visuais impactantes. A longa está disponível no YouTube, através do seguinte link:
<https://youtu.be/4Nvaczpq0Js?si=SyZmXHAwajcByZG>
Por fim, recomenda-se o trabalho da Amazônia Latitude, uma plataforma dedicada à divulgação de conhecimentos científicos e jornalísticos que contribuem para ampliar o entendimento sobre a complexidade da Amazônia. Seu conteúdo abrange desde análises críticas sobre questões socioambientais e culturais até debates sobre desenvolvimento sustentável, políticas públicas e direitos dos povos tradicionais.
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REFERÊNCIAS
BECKER, Bertha K. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
BUNKER, Stephen G. Underdeveloping the Amazon: Extraction, Unequal Exchange, and the Failure of the Modern State. Chicago: University of Chicago Press, 1985.
GUDYNAS, Eduardo. Extractivismos: Ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la naturaleza. Cochabamba: CLAES, 2015.
HALL, Anthony. Developing Amazonia: Deforestation and Social Conflict in Brazil’s Carajás Programme. Manchester: Manchester University Press, 1997.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
VEIGA, José Eli da. A desgovernança mundial da sustentabilidade. São Paulo: Editora 34, 2013.
