Cainã Alves do Amaral – acadêmico do 4º semestre de Relações Internacionais da Unama

O episódio do envio da Flotilha Global Sumud (FGB) à Faixa de Gaza, uma região de grande destaque e influência, sobretudo desde o dia 7 de outubro de 2023, quando se ocasionou novos desdobramentos de um conflito armado intenso protagonizados por Israel e a organização terrorista Hamas, foi um dos principais desdobramentos recentes no que tange à participação da sociedade civil e/ou autores não-governamentais para com a ajuda humanitária no território da Cisjordânia (CNN BRASIL, 2025).

Consonante a isso, mais de 40 embarcações juntamente a centenas de ativistas provenientes de distintas nações pelo globo inteiro, deslocaram-se em direção à Gaza para tentativas de travar os bloqueios humanitários promovidos pelo governo de Israel, o qual vem adotando há anos, através de um caráter neorrealista, uma campanha política de repressão e violência contra o povo palestino, resultando na morte de mais de 67 mil pessoas e 170 mil feridos – segundo o Ministério da Saúde de Gaza (G1, 2025).

 Nessa perspectiva, situado sob um contexto em que as instituições multilaterais – como a ONU – se demonstram fragilizadas em coordenar respostas conjuntas/jurídicas no que concerne ao genocídio que perdura em Gaza, e, ao mesmo tempo, reanalisar seus mecanismos coercitivos de cooperação para com a ascensão de crises humanitárias/civis por todo o globo, vale ressaltar os principais desafios e lições protagonizados pelos autores não-governamentais e sociedade civil no Sistema Internacional, os quais vêm demonstrando mais força e presença em um mundo cada vez mais marcado pela iminência de conflitos.

Desse modo, o atual panorama consternador vigente na Faixa de Gaza, sendo esta marcada por diversas problemáticas que vão para além do âmbito estatocêntrico, pode ser melhor compreendido ao trazer à tona as concepções de James Rosenau – renomado teórico da vertente neoliberal – e Andrew Linklater, um dos principais pensadores da Teoria Crítica das Relações Internacionais.

Rosenau, em suas obras “Governance Without Government: Order and Change in World Politics” (1992) e “People Count” (2008), ressalta a importância da governança global como principal meio para lidar com as problemáticas do Sistema Internacional, haja vista que, em um mundo cada vez mais interconectado e globalizado, as complexidades ultrapassam os limites fronteiriços entre os Estados-nações e adotam um caráter transnacional – configurando-se como de suma importância a participação e inclusão dos autores não-governamentais e a sociedade civil.

 Sendo assim, o atual cenário vigente na Cisjordânia vai de desencontro com as ideias promovidas pelo teórico norte-americano, sobretudo no que tange à política protecionista e “anti-cooperação” adotada pelo governo israelense, uma vez que o Estado vem interceptando as embarcações oriundas da Flotilha Global Sumud (FGB) com fins de ajuda humanitária, sendo estas acompanhadas de diversos ativistas, advogados e membros de organizações não-governamentais (VEJA, 2025).  

Além disso, nas últimas semanas, o governo de Israel prendeu e, posteriormente, deportou mais de 170 ativistas, dentre eles: Greta Thunberg e Thiago Ávila, os quais visavam contribuir para a criação de um corredor humanitário na Faixa de Gaza, e, ao mesmo tempo, travar os bloqueios humanitários, econômicos e civis que ocorrem na região do Oriente Médio. Em síntese, Israel – através de medidas protecionistas – impede a participação da sociedade civil em relação a ajuda humanitária, ao mesmo tempo que marginaliza e vulnerabiliza o povo palestino há anos, dificultando o fortalecimento de uma governança global justa e equitativa (G1, 2025).

Com efeito, Andrew Linklater, – renomado teórico escocês –, em suas obras aborda sobre os conceitos de emancipação e comunidade dialógica, onde, através de uma análise protagonizada pelo cosmopolitismo, ressalta a importância da expansão das barreiras morais entre comunidades políticas (universalismo moral sem exclusão) para a redução de iminência de conflitos no Sistema Internacional como um todo, além de trazer à tona a ideia de que o funcionamento efetivo e coeso das normas internacionais é fator-chave para a manutenção da paz e do bem-estar social.

O atual contexto árabe-israelense contrasta em demasiado com as concepções de Linklater, haja vista que as organizações internacionais/arranjos ad hoc, sob um panorama de fragilidade e ineficácia no que concerne as suas ações como um todo – atrelada a personalidade jurídica derivada – demonstram uma estagnação intensa para com a adoção de mecanismos coercitivos e eficazes no território em disputa, uma vez que a manutenção da paz e bem-estar social é acompanhada de ameaças iminentes à sua integridade, através da violação dos direitos humanos e de diversos princípios estabelecidos na Carta da Organização das Nações Unidas. Em conformidade, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), sendo esta, o principal órgão jurídico da ONU, demonstra instabilidades em lidar com as transformações na ordem e política mundial, mais especificamente em regiões ameaçadas como o Oriente Médio.

REFERÊNCIAS:

BAPTISTA, Sara. Em greve de sede, brasileiro da Flotilha não assina deportação, diz esposa. UOL, 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/10/06/brasileiro-flotilha-greve-sede.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 7 out. 2025.

BRAGA, Laura. Israel deporta brasileiros da flotilha Global Sumud para a Jordânia. Disponível em:https://www.metropoles.com/mundo/israel-deporta-brasileiros-da-flotilha-global-sumud-para-a-jordania. Acesso em: 7 out. 2025.

COHEN, Sandra. Israel e Hamas sinalizam interesse em acordo, mas moderam otimismo sobre plano de Trump. G1, 2025. Disponível em:

https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/noticia/2025/10/06/israel-e-hamas-sinalizam-interesse-em-acordo-mas-moderam-otimismo-sobre-plano-de-trump.ghtml. Acesso em: 7 out. 2025.

Israel deporta Greta Thunberg e outros 170 ativistas de flotilha. G1, 2025.Disponível em:https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/10/06/israel-deporta-greta-thunberg-flotilha-gaza.ghtml. Acesso em: 7 out. 2025.

Israel deporta brasileiros da flotilha de Gaza para Jordânia; Ativistas denunciam maus-tratos. VEJA, 2025. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/israel-deporta-brasileiros-da-flotilha-de-gaza-para-jordania-ativistas-denunciam-maus-tratos/. Acesso em: 7 out. 2025.

LINKLATER, Andrew (1996). “The Achievements of Critical Theory”. In Steve Smith, Ken Booth and Marysia Zalewski (eds.), International Theory: Positivism and Beyond, pp. 279-98. Cambridge. Cambridge Università Press.

MCALLISTER, Edward; SINGLETON, Sharon. Entenda como flotilha para Gaza usou internet para ganhar atenção global. CNN Brasil, 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-como-flotilha-para-gaza-usou-internet-para-ganhar-atencao-global/. Acesso em: 7 out. 2025.

ROSENAU, James. People Count! Networked Individuals in Global Politics. Boulder, CO: Paradigma Publishers. 2008.

SILVA, Railson. Pensamentos Internacionalistas: James Rosenau – obra: People Count. Internacional da Amazônia, 2025. Disponível em: https://internacionaldaamazoniacoms.com/2024/05/14/pensamentos-internacionalistas-james-rosenau-obra-people-count/. Acesso em: 7 out. 2025. SILVA, Railson. Pensamentos Internacionalistas – Teoria Crítica: Cox e Linklater. Disponível em: https://internacionaldaamazoniacoms.com/2022/11/10/pensamentos-internacionalistas-teoria-critica-cox-e-linklater/. Acesso em: 7 out. 2025.