Caio Martins – 6° semestre

Marcelo Eduardo Alves – 6° semestre

Desde as reformas econômicas iniciadas por Deng Xiaoping na década de 1970, a China vem protagonizando uma das transformações mais profundas da história recente. A abertura gradual da economia, aliada a uma estratégia de modernização industrial e integração ao comércio internacional, impulsionou um crescimento acelerado que, nas décadas seguintes, reposicionou o país no sistema global.

A partir dos anos 2000, a China consolidou-se como a segunda maior economia do mundo, passando de uma potência manufatureira para um polo de inovação tecnológica.

Esse processo coincidiu com o início de uma nova polarização internacional, marcada pela disputa hegemônica entre Estados Unidos e China. Diferente da bipolaridade ideológica da Guerra Fria, a competição contemporânea assume um caráter essencialmente tecnológico e econômico, no qual a liderança global se define cada vez mais pela capacidade de inovar, controlar dados e dominar as cadeias produtivas digitais.

Com isso, a disputa tecnológica entre Estados Unidos e China marca uma nova fase da política internacional, na qual o poder não se mede apenas pela força militar, mas pela capacidade de inovação, domínio informacional e controle de fluxos digitais. No centro dessa corrida estão a Inteligência Artificial (IA), a produção de microchips e a busca pela soberania digital, elementos que definem o poder econômico e geopolítico no século XXI.

Com a solidificação do estado chinês como um ator tecnológico central, assumindo um papel essencial da cadeia de produção tecnológica global e rompendo com o histórico de dependência em relação ao Ocidente, a China se projeta para uma nova fase da sua expansão de poder e influência no sistema, buscando ser o epicentro global de produção científica e tecnológica.

A China vai aumentar os gastos com P&D nos próximos cinco anos

Fonte: GAIA, Paulo (2022)

O gráfico acima evidencia a evolução dos investimentos da China em pesquisa e desenvolvimento (P&D) entre 2005 e 2020, revelando uma trajetória de crescimento contínuo e acelerado, acompanhando a expansão do PIB nacional. Nesse período, o percentual destinado a P&D passou de 1,2% em 2005, quando o PIB era de aproximadamente US$ 1 trilhão, para 2,2% em 2020, com o PIB alcançando cerca de US$ 15 trilhões.  (Trading Economics, 2024)

Enquanto isso, como forma de conter o desenvolvimento do estado chinês, os EUA reagem com políticas de contenção tecnológica, impondo sanções e restrições à exportação de semicondutores avançados e estimulando a reindustrialização doméstica do setor. Segundo relatório do banco de investimento global, Jefferies (2025), o investimento chinês em IA se aproxima do nível norte-americano, evidenciando o estreitamento da distância tecnológica entre as duas potências e o crescente protagonismo da China no cenário global de inovação.

Logo, esse equilíbrio crescente demonstra uma mudança estrutural nas fontes de poder global, na qual o conhecimento e a capacidade de inovação se tornam instrumentos tão estratégicos quanto o poder militar.

Segundo Joseph Nye (2024), essa reconfiguração do sistema internacional pode ser entendida como um movimento de retorno do poder do Ocidente ao Oriente, resultado das transformações econômicas e tecnológicas em curso. Após séculos de predominância ocidental, observa-se um processo de recentralização do poder global na Ásia, especialmente com a ascensão da China, representando não apenas uma mudança econômica, mas também simbólica e estrutural, o poder internacional retorna a espaços que já exerceram centralidade econômica e cultural, revelando uma mudança estrutural da ordem mundial.

Além disso, Nye (2024) também cita seu conceito de Soft Power, argumentando que nas relações contemporâneas, o poder depende não apenas da coerção ou da capacidade militar, mas da habilidade de influenciar por meio da cultura, da informação e da inovação. Seguindo este pensamento,  a China, ao desenvolver tecnologias próprias e exportar seus modelos digitais, amplia sua influência global e cria novos mecanismos de dependência tecnológica em países da Ásia, África e América Latina.

Portanto, a corrida tecnológica entre EUA e China não se limita à competição científica ou industrial: ela simboliza um reordenamento global. O avanço chinês em ciência, inovação e soberania digital indica o renascimento do poder oriental, em um cenário em que a influência global é disputada por meio de redes, algoritmos e dados. Essa transição revela a materialização da visão de Nye, em um mundo em que o poder se redefine pela capacidade de moldar preferências, projetar valores e controlar fluxos tecnológicos, consolidando uma nova forma de liderança internacional.

Em síntese, a corrida tecnológica entre Estados Unidos e China transcende o campo da inovação científica, configurando-se como um movimento de reordenação do poder global. O avanço chinês em pesquisa, desenvolvimento e soberania digital expressa não apenas o fortalecimento de sua economia, mas também a redefinição de sua posição geopolítica. Sob a ótica de Joseph Nye, o poder internacional passa a depender tanto da capacidade de influência cultural e tecnológica — o soft power — quanto da força material.

Nesse novo cenário, a China emerge como um polo de poder híbrido, combinando eficiência econômica, domínio informacional e projeção cultural, enquanto o Ocidente busca preservar sua liderança em meio à ascensão oriental. Assim, o século XXI se configura como o palco de uma transição histórica: o deslocamento do centro de gravidade do poder mundial em direção à Ásia, impulsionado não por exércitos, mas por algoritmos, inovação e conhecimento.

Referências:

GAIA, Paulo. O grande salto tecnológico da China. 2022. Disponível em: https://www.paulogala.com.br/o-grande-salto-tecnologico-da-china. Acesso em: 29 out. 2025.

INVESTING.COM. China se aproxima dos EUA em gastos com IA, diz Jefferies. Disponível em: https://br.investing.com/news/stock-market-news/china-se-aproxima-dos-eua-em-gastos-com-ia-diz-jefferies-1665422. Acesso em: 1 nov. 2025.

NYE, Joseph S. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: PublicAffairs, 2004.

TRADING ECONOMICS. Crescimento do PIB da China no Ano Completo. 2024. Disponível em: https://pt.tradingeconomics.com/china/full-year-gdp-growth. Acesso em: 1 nov. 2025.