
Josyane Mendes – acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
O anúncio do Brasil como sede da COP30 em 2025, realizada em Belém do Pará, coloca a Amazônia no centro do debate global sobre o clima. A reunião de líderes mundiais no coração da maior floresta tropical do planeta simboliza um protagonismo inédito para a região, que será não apenas o palco do evento, mas a própria temática central das discussões.
Neste contexto, a revitalização do Fundo Amazônia (BRASIL, 2023) e a proposta de criação de um mecanismo ampliado, como o Fundo para Florestas Tropicais (TALBERG et al.,2022), emergem como instrumentos financeiros cruciais para transformar compromissos internacionais em ações concretas de preservação e desenvolvimento sustentável.
O tema “financiamento climático versus o amazônida”, é um caso complexo e multifacetado que pode ser analisado por várias lentes das Relações Internacionais. Ressalta-se que, dada tal complexidade, forma-se a tensão central entre o “mecanismo desse financiamento” e o “impacto local” sobre o modo de vida e os direitos das populações da Amazônia.
Nesse sentido, a Ecopolítica pode ser utilizada para analisar o tema, pois considera a necessidade de “desconstruir” as relações de poder, dominação e hierarquia entre o “Norte e o Sul” globais (DALBY, 2009). Assim, o “financiamento climático” é visto como uma ferramenta de controle, utilizada pelos países do Norte Global que, ironicamente, são os maiores poluidores históricos (OKEREKE; CONVETRY, 2016).
A Ecopolítica alerta para a imposição de condições e agendas de conservação feitas pelo Norte Global, destinadas a ignorar ou suprimir os direitos, os conhecimentos tradicionais e o modo de vida dos povos indígenas e comunidades tradicionais, ou seja, “do amazônida” (FEARNSIDE, 2013).
Para que seja efetivo e justo, esse financiamento não pode ser meramente uma transação externa; deve catalisar e ser guiado pelo protagonismo amazônida, ou seja, pela capacidade das populações tradicionais e comunidades locais em liderar, a partir de seus saberes e realidades, a construção de seu próprio destino ambiental e, consequentemente, seu destino climático (SCIENCE PANEL FOR THE AMAZON, 2021).
A sinergia entre fluxos financeiros robustos e a agência local é, portanto, o alicerce para um modelo de desenvolvimento que valorize a “floresta em pé” (FRAXE; PEREIRA; WITKOSKI, 2020). Logo, é fundamental reconhecer que o “protagonismo amazônida” é fruto de uma simbiose secular com o bioma, pois indígenas, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas não são “meros” habitantes da região, mas, seus guardiões naturais e originários (FRAXE; PEREIRA; WITKOSKI, 2020).
Ignorar o capital humano e cultural, tratando a Amazônia como um “espaço vazio” a ser “gerido” de “fora para dentro”, é repetir a “lógica colonial e predatória” que historicamente a ameaça (HECHT; COCKBURN,2010). O financiamento climático, quando desconectado desta realidade, concorre para se tornar ineficaz, ou pior, de fomentar conflitos e injustiças (SHANKLAND; HASLET, 2018).
O protagonismo local, portanto, deve ser a bússola que orienta a aplicação de qualquer recurso direcionado à Amazônia. Isso significa ir além da mera consulta e da adoção de modelos de governança participativa, portanto, necessita incluir as comunidades nos processos de decisão e implementação das iniciativas (SANTOS, 2011).
A efetividade do financiamento climático na Amazônia está intrinsecamente ligada ao seu compromisso com o protagonismo amazônida que guarda saberes ancestrais, e por isso reclama espaço para sua voz enquanto personagem de uma região excepcional em diversidade (KRENAK, 2020).
A promoção da justiça climática e epistêmica, além da alocação de recursos, necessita reconhecer que as soluções para a crise planetária podem e devem ser lideradas por aqueles que melhor entendem e protegem os ecossistemas. Para Blaikie e Brookfield (1987, pg.17) “a Ecologia Política analisa as complexas relações entre a sociedade e os recursos naturais, com foco especial nas implicações de poder, acesso e controle”.
Portanto, o caminho a ser seguido exige que, em vez de impor modelos externos, o mundo deve aprender com “o amazônida” a investir no potencial indiscutível da região amazônica. Apenas assim, o financiamento climático cumprirá seu papel histórico afastando-o da interpretação de instrumento de controle” dando-lhe assim, sua verdadeira identidade como “pacto de cooperação” que, guiado pela sabedoria local, permitirá que maior floresta tropical do mundo continue como “pilar de biodiversidade” e um “farol de esperança” para a humanidade.
REFERÊNCIAS:
BLAIKIE, Piers; BROOKFIELD, Harold. Land Degradation and Society. Londres: Methuen, 1987;
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Fundo Amazônia: Relatório de Atividades 2023. Brasília: MMA, 2023. Disponível em: <https: //www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/ articulacaoambientalinternacional/ fundoamazonia /relatorio-de-atividades-2023.pdf>. Acesso em: 12 novembro,2025;
FEARNSIDE, Philip M. A floresta amazônica nas mudanças globais. Manaus: Editora do INPA, 2013;
FRAXE, T. J. P.; PEREIRA, H. S.; WITKOSKI, A. C. Territórios e Caminhos: o protagonismo amazônida no desenvolvimento regional. Manaus: Editora Valer, 2020;
HECHT, Susanna B.; COCKBURN, Alexander. O destino da floresta: desenvolvedores, destruidores e protetores da Amazônia. São Paulo: Editora Schwarcz – Companhia das Letras, 2010;
SHANKLAND, Alex; HASLETT, Emma. The politics of climate finance and the Amazon: a case study of the Amazon Fund. In: SHANKLAND, A.; HASLETT, E. (Ed.). The politics of climate change and uncertainty in India. London: Routledge, 2018. P. 157-176;
OKEREKE, C.; COVENTRY, P. Climate justice and the international regime: a theoretical overview. Wiley Interdisciplinary Reviews: Climate Change, v. 7, n. 1, p. 31-45, 2016;
SCIENCE PANEL FOR THE AMAZON (SPA). Amazon Assessment Report 2021. New York: United Nations Sustainable Development Solutions Network (SDSN), 2021;
SANTOS, B. de S. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2011;
KRENAK, Ailton. A Vida Não É Útil. 1. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020;
TALBERG, A.; et al. Financing the Transition: A Proposal for a Global Tropical Forest Fund. Londres: Chatham House, 2022. Disponível em: <https://www.chathamhouse.org/2022/05/financing-transition-proposal-global-tropical-forest-fund> . Acesso em: 12 novembro, 2025.
