Malu Andrade – acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais

A justiça climática tornou-se um tema central nos debates internacionais, especialmente na Amazônia, onde desigualdades históricas se combinam com os impactos da crise climática. Na Cúpula dos Povos, encontro que ocorre paralelamente a COP30 em Belém do Pará, diversos movimentos sociais, povos tradicionais e organizações de base se articulam para apresentar críticas e propostas alternativas às soluções oficiais. O espaço se diferencia das negociações diplomáticas por priorizar as vozes diretamente afetadas pela devastação ambiental e pela violência territorial (Cúpula dos Povos, 2024), tornando-se um polo de resistência e construção coletiva.

As discussões evidenciam como a economia global tenta transformar a crise climática em oportunidade de mercado por meio da compensação de emissões, projetos de carbono e financeirização da natureza. Essa lógica, frequentemente criticada em análises sobre mecanismos de mercado (Lohmann, 2012), permite que grandes poluidores mantenham seus lucros enquanto comunidades amazônicas enfrentam deslocamentos, perda de territórios e pressões sobre seus modos de vida. Na Cúpula, esse debate aparece com força nas falas que denunciam a expansão do mercado de carbono na região.

A crise climática também é apresentada como fenômeno que opera em múltiplas escalas, mostrando desigualdades profundas entre quem produz e quem sofre seus efeitos. Embora a humanidade seja apontada como responsável pelo aquecimento global, essa responsabilidade não é homogênea – um ponto frequentemente discutido em reflexões sobre o Antropoceno (Chakrabarty, 2009). Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades periféricas estão entre os que mais sofrem seus impactos, apesar de serem justamente aqueles que historicamente menos contribuíram para a crise climática. Essa assimetria revela que o problema climático é inseparável de questões como racismo ambiental, desigualdade econômica e colonialidade.

Outra parte essencial dos debates envolve perspectivas que rompem com a separação entre humanidade e natureza. A defesa da Amazônia é tratada como defesa de modos de existência que prezam pela interdependência com o ambiente, alinhando-se a críticas civilizatórias que questionam o modelo moderno de desenvolvimento (Krenak, 2019). Essa visão evidencia que enfrentar a crise climática não é apenas uma questão técnica, mas também ética e cultural, exigindo o reconhecimento dos territórios tradicionais como pilares de sustentabilidade.

Dentro desse contexto, a pauta da demarcação de terras emerge como elemento central. Para os povos originários, território não é apenas espaço físico, mas condição de existência e continuidade cultural. A Cúpula dos Povos reforça que não há justiça climática sem demarcação de terras, porque são esses territórios que garantem a proteção das florestas, dos rios e da biodiversidade, desempenhando papel vital nos ciclos de carbono e na estabilidade climática. A falta de segurança territorial leva ao avanço do desmatamento, de megaprojetos extrativistas e da violência ambiental, aprofundando desigualdades que já marcam historicamente essas populações. Assim, demarcar é também reparar — e garantir que aqueles que protegem a Amazônia possam continuar existindo e exercendo sua autonomia.

Além disso, cosmologias indígenas que entendem humanos, rios e florestas como dimensões interligadas oferecem uma alternativa ao extrativismo que domina a economia global. Tais perspectivas, próximas a reflexões antropológicas sobre mundos ameríndios (Viveiros de Castro, 2014), inspiram propostas de autonomia comunitária, economia da floresta em pé e proteção territorial. Esses caminhos se contrapõem às soluções centradas em tecnologia e mercado que frequentemente ganham destaque dentro das negociações oficiais da COP30.

No conjunto, a Cúpula dos Povos se consolida como espaço indispensável para repensar a justiça climática em bases estruturais. Ao articular saberes tradicionais, científicos e populares, a Cúpula amplia os limites das discussões da COP e reforça que enfrentar a crise climática requer reparar desigualdades históricas, reconhecer responsabilidades diferenciadas e fortalecer os povos que há séculos protegem a Amazônia (Cúpula dos Povos, 2024).

REFERÊNCIAS:

CASTRO, Eduardo Viveiros de. Metafísicas Canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2014.

CHAKRABARTY, Dipesh. The Climate of History: Four Theses. Critical Inquiry, v. 35, n. 2, p. 197-222, 2009.

CÚPULA DOS POVOS. Relatórios e Debates da Cúpula dos Povos. Belém: UFPA, 2025.

KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. LOHMANN, Larry (org.). Carbon Trading: A critical conversation on climate change, privatization and power. Dag Hammarskjöld Foundation, 2012.