Thais Vitória Borges – Internacionalista

O debate interparadigmático ocorrido em meados de 1970, marcou um momento de ruptura com os pensamentos e epistemologias positivistas do campo das Relações Internacionais. Os abalos sentidos não apenas na disciplina das RI, mas nas Ciências Sociais como um todo, expandiu a produção científica para áreas ainda não exploradas. 

Os saberes positivistas passaram a ser questionados pelas pesquisas pós-positivistas, estas que tem como característica a concordância de que podem existir várias verdades sobre uma mesma realidade, desconsiderando assim a premissa de realidade objetiva pregada pelo positivismo. 

Nesse sentido, os embates entre teorias que até então buscavam anular umas às outras, como nas discussões entre Realistas e Idealistas, dá lugar a teorias que não mais visam se excluir, mas coexistir (Fernandes, 2007). Dos saberes pós-positivistas, grandes questionamentos são trazidos para as RI, por meio dos Pós-Modernistas, Pós-Coloniais  e da Teoria Crítica.

A teoria Crítica se origina das reflexões de Kant, Hegel e Marx, como também nos pensamentos da Grécia Antiga sobre a autonomia e democracia. No século XX, a teoria Crítica passou a ser associada principalmente aos pensadores da Escola de Frankfurt, como Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin e Herbert Marcuse (Burchill, 2005, p. 163). 

Em geral essa abordagem parte de questionamentos sociais e políticos da vida moderna; e sua principal característica é a insistência na auto-reflexão sobre o conhecimento, como ele emerge e como é situado em contextos particulares. Não apenas, mas apesar de haver uma diversidade de produção científica dentro dessas abordagens, todos  os estudos da Teoria Crítica são sempre orientados a políticas emancipatórias (Ibid, 2005, p. 162-163).  

Sendo uma das figuras mais célebres da Teoria Crítica e do campo das RI, Andrew Linklater foi o décimo titular  da histórica Cátedra Woodrow Wilson de Política Internacional da Universidade de Aberystwyth. O pensador nasceu em 3 de agosto de 1949 em Aberdeen. Frequentou a universidade local, onde estudou Política e Relações Internacionais, obtendo o título de mestre em 1971 (Booth; Alexander; Saramago, 2023).

Linklater desenvolveu diversas investigações críticas com o objetivo de formular uma praxeologia orientada à transformação da política global em um domínio emancipatório. Embora suas contribuições sejam examinadas nas seções subsequentes, vale o destaque do diálogo direto do autor com o teórico da Escola de Frankfurt Jürgen Habermas e com sua concepção de política dialógica, a fim de analisar dois desafios centrais: o denominado “problema da cidadania” e o “problema das comunidades políticas modernas” (Linklater 1998, apud Sander; Souza, 2022).

Dentre suas obras, sua principal Men and Citizens in the Theory of International Relations (1982) argumenta que as tradições dominantes do pensamento político não dedicaram atenção suficiente à relação entre as obrigações atribuídas aos indivíduos enquanto seres humanos e aquelas que lhes são impostas na condição de cidadãos de Estados distintos. Defendendo como conclusão, uma comunidade moral que seja mais inclusiva do que os que os Estados soberanos constituem, visando com isso a autodeterminação dos indivíduos. 

Ademais, na obra Beyond realism and Marxism (1990), parte do ponto em que finalizou seu último trabalho –  Men and Citizens in the Theory of International Relations – e tinha como proposta investigar como historicamente as comunidades morais se expandiram ou contraíram. Linklater examinou dois movimentos: o primeiro sendo a crítica marxista ao realismo nas relações internacionais e o segundo sendo a crítica realista ao marxismo na sociologia. 

Como aponta Silva (2005), Linklater é  reconhecido por introduzir e desenvolver as ideias de Habermas no campo das Relações Internacionais. Seus trabalhos convergem para a defesa de que a emancipação, no plano internacional, deve ser entendida como a ampliação das fronteiras morais entre comunidades políticas. 

Nesse sentido, a emancipação corresponde ao declínio da relevância ética e moral das fronteiras estatais, deslocando o foco para os diversos mecanismos de inclusão e exclusão produzidos pela política global, dentre eles, a posição do Estado enquanto comunidade moral (Ibid, 2005).

REFERÊNCIAS

BOOTH, Ken; ALEXANDER, Martin; SARAMAGO, André. Andrew Linklater (1949-2023). In: ABERYSTWYTH UNIVERSITY. Development & Alumni Relations. Aberystwyth: Aberystwyth University, [2023]. Disponível em: https://www.aber.ac.uk/en/development/alumni/obituaries/obituary-profiles/andrewlinklater/.

BURCHILL, Scott et al. Theories of international relations. Palgrave Macmillan, 2005.

FERNANDES, José Pedro Teixeira. Pós-positivismo e ideologia na Teoria das Relações Internacionais. Revista das Relações Internacionais, n. 17, p. 75-83, 2007.

LINKLATER, Andrew. Beyond realism and Marxism: Critical theory and international relations. Springer, 1990.

LINKLATER, Andrew. Men and citizens in the theory of international relations. London: Macmillan, 1982.

SANDER, Felipe da F.; SOUZA, Marcelo de. Bringing the Critical Thinking Back in: A Critique of Andrew Linklater’s Theoretical Contributions to International Relations. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 44, n. 1, e20200110, jan./abr. 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-8529.20224401e20200110.

SILVA, Marco Antonio de Meneses. Teoria crítica em relações internacionais. Contexto Internacional, v. 27, p. 249-282, 2005.