Lucas Cardoso – Acadêmico do 6° Semestre de Relações Internacionais da UNAMA

A guerra na Ucrânia, desencadeada pela invasão russa em 2022, tornou-se um dos conflitos mais significativos da atualidade, com efeitos que ultrapassam o Leste Europeu e influenciam a ordem internacional. Além das perdas humanas e materiais, o confronto reacendeu tensões entre grandes potências e evidenciou fragilidades das instituições multilaterais de segurança. Nesse cenário, surgiram várias tentativas de negociação formais, informais, bilaterais e mediadas por terceiros que, porém, esbarraram em interesses incompatíveis, desconfiança histórica e pressões internas sobre os governos envolvidos, dificultando avanços reais (Applebaum,2020).

Diante dessa complexidade, se busca analisar as principais iniciativas diplomáticas e os desafios enfrentados pelas conversações destinadas a encerrar o conflito. A partir da observação das posições adotadas pela Ucrânia, Rússia e demais atores relevantes, pretende-se avaliar se os atuais movimentos no campo militar e diplomático apontam para um caminho viável rumo à paz. Assim, a questão norteadora é: existem, no momento, sinais concretos de que o conflito possa se encaminhar para uma solução negociada? Pode-se compreender os limites e possibilidades da diplomacia em um contexto de guerra prolongada (Kakissis, 2023).

Os antecedentes da guerra remontam ao colapso da União Soviética em 1991, quando a Ucrânia tornou-se independente e passou a definir sua identidade política entre a aproximação com a Rússia e a integração à Europa Ocidental. Essa disputa ficou evidente nas crises internas dos anos 2000, como a Revolução Laranja (2004), marcada por denúncias de interferência russa. O cenário agravou-se em 2013, quando o presidente Viktor Yanukovych abandonou um acordo com a União Europeia, desencadeando o movimento Euromaidan, que o afastou do poder e revelou a forte aspiração de parte da sociedade ucraniana por vínculos mais estreitos com o Ocidente (Menon,2015).

A reação da Rússia ao novo cenário foi imediata: em 2014, Moscou anexou a Crimeia e passou a apoiar grupos separatistas pró-russos em Donetsk e Luhansk. Esse movimento, considerado ilegal pela comunidade internacional, inaugurou um conflito de baixa intensidade que fragilizou profundamente a relação entre os dois países. Tentativas de estabilização, como os Protocolos de Minsk (2014 e 2015), nunca foram plenamente implementadas, com acusações mútuas de violações e presença contínua de tropas e milícias, mantendo o leste ucraniano em instabilidade permanente (Menon,2015).

A invasão em larga escala iniciada em fevereiro de 2022 resultou de fatores estratégicos, políticos e históricos. Para Moscou, a expansão da OTAN representava ameaça direta à sua segurança, enquanto a possível adesão ucraniana era vista como intolerável. Some-se a isso a visão do Kremlin sobre laços históricos entre os dois povos e a busca por reafirmar sua influência no espaço pós-soviético. Já o movimento ucraniano de aproximação com a União Europeia reforçou a percepção russa de perda de controle regional, culminando em um conflito sustentado por disputas territoriais, identitárias e geopolíticas (Graham,2020).

Durante o governo de Joe Biden, a guerra na Ucrânia foi marcada por uma postura firme de apoio à defesa ucraniana e pela aposta na resistência militar como pré-condição para negociações de paz. Desde 2022, os Estados Unidos tornaram-se o principal fornecedor de ajuda militar, financeira e de inteligência para Kiev, fortalecendo sua posição no campo de batalha. Embora tenham ocorrido diálogos iniciais entre Rússia e Ucrânia, eles rapidamente estagnaram devido à escala da ofensiva russa e à recusa de Moscou em aceitar condições mínimas de retirada. Assim, ao longo do mandato Biden, a prioridade norte-americana foi conter a agressão russa e assegurar a capacidade defensiva da Ucrânia, mais do que pressionar por um acordo diplomático imediato (Charap,2021).

Com o retorno de Donald Trump à presidência, a postura dos Estados Unidos passou por uma mudança significativa. Diferentemente da estratégia de contenção adotada por Biden, Trump buscou colocar a diplomacia e um acordo rápido no centro da política externa para o conflito. Seu governo promoveu um plano de paz que incluía pontos controversos, como limites às Forças Armadas ucranianas, renúncia à futura entrada na OTAN e reconhecimento de realidades territoriais sob ocupação russa. Após críticas da Ucrânia e de aliados europeus, o plano foi revisado, mas ainda refletia uma abordagem mais pragmática e voltada a encerrar a guerra rapidamente, mesmo que implicasse concessões difíceis para Kiev (Krastev,2020).

Esse contraste entre os dois mandatos evidencia duas visões distintas sobre como alcançar a paz. A estratégia de Biden priorizava a integridade territorial e a soberania ucraniana como condições básicas para negociar, mesmo que isso significasse prolongar o conflito. Já a abordagem de Trump privilegia a diplomacia imediata e a possibilidade de um acordo rápido, ainda que envolva compromissos difíceis para Kiev. Dessa forma, enquanto o governo Biden via a vitória militar parcial como caminho para fortalecer a posição da Ucrânia em futuras conversas, o governo Trump aposta em uma solução negociada mesmo antes de um equilíbrio militar claro, reabrindo o debate sobre quais concessões são aceitáveis para encerrar a guerra e como garantir uma paz que seja ao mesmo tempo realista e duradoura (Kakissis,2023).

 A análise das negociações para o fim da guerra na Ucrânia se enquadra de forma consistente na perspectiva do Realismo Estrutural, formulada por Kenneth Waltz (1979), segundo a qual o sistema internacional é anárquico e os Estados agem prioritariamente para garantir sua própria segurança. Nessa lógica, a Rússia busca preservar sua zona de influência e impedir o avanço da OTAN em direção às suas fronteiras, enquanto os Estados Unidos  tanto sob Biden quanto sob Trump, embora com estratégias diferentes procuram manter o equilíbrio de poder no continente europeu. 

Para Waltz, conflitos e dificuldades nas negociações não resultam de mal-entendidos diplomáticos, mas de dinâmicas estruturais que limitam a cooperação entre Estados que desconfiam uns dos outros. Assim, a dificuldade de alcançar a paz decorre da competição por poder e segurança, da incompatibilidade de interesses estratégicos e do cálculo racional de custos e benefícios que molda as posições de Rússia, Ucrânia, EUA e Europa dentro da estrutura anárquica do sistema internacional.

Referências:

APPLEBAUM, Anne. Twilight of Democracy. Doubleday, 2020.

CHARAP, Samuel; Colton, Timothy. Everyone Loses: The Ukraine Crisis and the Ruinous Contest for Post-Soviet Eurasia. Routledge, edição revista 2021.

GRAHAM, Thomas; CHIRKOV, Sergei. The Return of the Russian Leviathan. London: Polity Press, 2020.

KRASTEV, Ivan; Holmes, Stephen. The Light that Failed: A Reckoning. Penguin, 2020.

KAKISSIS, Joanna. Ukraine and the Reshaping of Europe. New York: Oxford University Press, 2023.

MENON, Rajan. Conflict in Ukraine: The Unwinding of the Cold War Order. Cambridge: MIT Press, 2015.

WALTZ, Kenneth N. Theory of International Politics. Reading, MA: Addison-Wesley, 1979.