
Cecilia Leal – Acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais da UNAMA
A Guerra da Tríplice Aliança (1864–1870), também conhecida como Guerra do Paraguai, constitui o maior conflito interestatal da história da América do Sul. O enfrentamento entre Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai remodelou fronteiras, alterou equilíbrios de poder e desencadeou transformações políticas profundas nos países envolvidos. Ao observar o conflito pelas lentes das Relações Internacionais, especialmente sob perspectivas realistas e institucionalistas, é possível compreender como disputas estratégicas, rivalidades históricas e interesses nacionais divergentes estruturaram o caminho para a guerra e seus desdobramentos regionais (Morgenthau, 2003).
A abordagem realista, uma das mais tradicionais no campo das Relações Internacionais, parte da premissa de que os Estados atuam em um ambiente anárquico, guiados pela busca de poder e segurança. Nesse sentido, o crescimento militar do Paraguai durante o governo de Solano López foi interpretado pelos países vizinhos como uma ameaça direta ao equilíbrio regional, levando Brasil, Argentina e Uruguai a reagirem de forma coordenada (Doratioto, 2002). Conforme sustenta Morgenthau (2003), a competição por influência e a prevenção de ameaças são elementos estruturantes das decisões estatais.
Já o Institucionalismo Liberal permite analisar o período pós-guerra, marcado pela necessidade de reconstrução e reorganização regional. Segundo Keohane (1984), instituições cooperativas reduzem incertezas, facilitam a coordenação e mitigam comportamentos agressivos. Embora tais estruturas ainda fossem incipientes no século XIX, é possível identificar que a devastação provocada pelo conflito impulsionou a formulação gradual de práticas diplomáticas mais estáveis no Cone Sul, que viriam a se desenvolver mais intensamente ao longo do século XX (Keohane, 1984).
O conflito teve início a partir das tensões envolvendo o Paraguai e a crise política uruguaia, intensificada pelas disputas entre facções locais — os Colorados e os Blancos — que contavam com diferentes apoios externos, especialmente do Brasil e da Argentina (Doratioto, 2002). A intervenção brasileira no Uruguai levou Solano López a declarar apoio ao governo deposto e, posteriormente, a capturar o navio brasileiro Marquês de Olinda, gesto que precipitou a declaração de guerra. Ao lado da Argentina e do governo uruguaio recém-estabelecido, o Brasil firmou o Tratado da Tríplice Aliança, delineando objetivos militares e políticos comuns contra o Paraguai (Doratioto, 2002).
A guerra foi marcada por batalhas de grande destrutividade, como Tuiuti e Curupaiti, e pela extensa campanha contra a fortaleza de Humaitá. O Paraguai sofreu perdas humanas e econômicas severas, incluindo a morte de grande parte de sua população masculina, o que impactou profundamente sua capacidade produtiva e seu desenvolvimento posterior. O Brasil, apesar da vitória, enfrentou altos custos financeiros e testemunhou o fortalecimento do Exército como instituição política, contribuindo para a erosão do poder monárquico (Doratioto, 2002).
Sob a perspectiva realista, a Guerra da Tríplice Aliança pode ser interpretada como um movimento de contenção de poder. O Paraguai buscava romper seu isolamento geográfico e ampliar sua influência regional, o que confrontava os objetivos estratégicos do Brasil e da Argentina na Bacia do Prata (Doratioto, 2002). A ausência de instituições regionais capazes de mediar conflitos reforçou a tendência à escalada militar, um fenômeno recorrente em ambientes marcados pela lógica de autodefesa e competição interestatal (Morgenthau, 2003).
O pós-guerra, entretanto, abriu espaço para mudanças graduais. A necessidade de reconstrução do Paraguai e de estabilização regional incentivou processos de negociação e acordos bilaterais, que, ainda que limitados, introduziram práticas mais cooperativas entre os Estados. Do ponto de vista institucionalista, o conflito reforçou a percepção de que mecanismos diplomáticos mais sólidos poderiam evitar crises de grande escala no futuro, permitindo que o Cone Sul avançasse posteriormente para formas de integração política e econômica (Keohane, 1984).
A Guerra da Tríplice Aliança representou um marco decisivo para a configuração política da América do Sul. Seus impactos ultrapassaram o campo militar, afetando estruturas sociais internas, relações diplomáticas e a distribuição regional de poder. A partir das teorias de Relações Internacionais, torna-se possível compreender tanto as motivações estratégicas que conduziram ao conflito quanto os processos de reorganização que se seguiram. Embora o episódio revele os custos profundos da competição interestatal, também evidencia o papel da cooperação na construção de uma ordem mais estável, reforçando a relevância das instituições no desenvolvimento das relações regionais.
Referências:
DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: Nova História da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
KEOHANE, Robert O. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton: Princeton University Press, 1984.
MORGENTHAU, Hans J. Politics Among Nations: The Struggle for Power and Peace. 6. ed. New York: McGraw-Hill, 2003.
