
Keity Oliveira, Pedro Henrique de Aviz e Stefany Campolungo, internacionalistas formados pela UNAMA
Ficha Técnica:
Ano: 2025
Direção: Guillermo del Toro
Gênero: Gótico, Ficção Científica e Drama
Distribuição: Netflix
País de Origem: Estados Unidos
Das grandes produções de 2025, o filme Frankenstein (2025) certamente se destaca devido à sua atmosfera gótica, que combina o terror com o suspense para recontar a história de um dos ícones clássicos da cultura pop. O filme teve uma recepção mista, tanto do público quanto da crítica, que destacam pontos positivos, como a atmosfera e a maquiagem do filme, mas também pontos negativos como a atuação do elenco (Almeida, 2025).
A adaptação cinematográfica Frankenstein (2025), dirigida por Guillermo del Toro, reinventa o clássico de Mary Shelley a partir de uma estética sombria que mistura elementos de ficção científica contemporânea e horror psicológico. Nessa releitura, o Dr. Victor Frankenstein não é apenas um cientista visionário, mas um pesquisador ligado a uma corporação transnacional interessada em ultrapassar limites éticos por meio da criação artificial de vida, justificando seus experimentos pela promessa de avanços médicos e pelo discurso de “progresso” que permeia sociedades altamente tecnocráticas.
Sob uma estética contemporânea sombria e marcada por tensões ético-políticas, a obra oferece um terreno fértil para uma leitura pós-colonial das Relações Internacionais, especialmente à luz da teoria de Frantz Fanon. A perspectiva pós-colonial, enquanto corrente crítica das RI, busca revelar como o legado do colonialismo persiste na produção de hierarquias globais, na construção de identidades e na normalização de relações de dominação entre povos e corpos racializados (Said, 1978).
Nesse sentido, Fanon, em obras como Pele Negra, Máscaras Brancas (2008) e Os Condenados da Terra (1968), descreve como o colonizado é sistematicamente produzido como “Outro” — inferior, perigoso, irracional — por meio de processos de desumanização que sustentam estruturas de poder e legitimam violências materiais e simbólicas. A colonialidade, assim, não depende apenas da administração direta de territórios, mas da manutenção de discursos que definem quem é plenamente humano e quem pode ser descartado, manipulado ou silenciado.
A perspectiva de Fanon analisa as dimensões psicológicas, sociais e políticas do colonialismo, enfatizando como a dominação não opera apenas por meio da violência física, mas também por mecanismos simbólicos que moldam subjetividades e identidades. Fanon argumenta que o colonizador constrói o colonizado como ser inferior, perigoso ou irracional, e essa representação não é apenas uma descrição, mas uma técnica de poder. Ao produzir o Outro como sub-humano, o colonizador legítima intervenções, exploração e práticas de controle que seriam moralmente insustentáveis se dirigidas a sujeitos plenamente reconhecidos como humanos. A desumanização, portanto, não é um efeito colateral do colonialismo, mas uma de suas engrenagens centrais.
A nova adaptação de Frankenstein amplifica esse debate ao reconfigurar a Criatura como produto de uma ambição científica que dialoga explicitamente com a lógica colonial: o desejo de criar, controlar e descartar vidas consideradas subalternas. Na narrativa de 2025, a figura do Dr. Frankenstein é retratada como um sujeito guiado por uma racionalidade tecnocientífica típica do pensamento moderno-ocidental, convencido de que o domínio sobre a natureza e, por extensão, sobre formas de vida não reconhecidas como legítimas é um direito inerente à sua condição de “criador”. Esse impulso ecoa o que Fanon (2008) descreve como a arrogância ontológica do colonizador, que se coloca como medida universal da humanidade, relegando o Outro a um estado liminar, entre o humano e o bestial.
Essa lógica se reflete diretamente na criatura concebida por Victor Frankenstein: ela é percebida, desde o primeiro instante, como um objeto, ameaça e aberração; nunca como alguém dotado de sensibilidade, humanidade ou pensamento, embora compartilhe da mesma origem intelectual de seu criador. A criatura não nasce monstro; ela é transformada em um pela ótica que a aprisiona na posição de alteridade absoluta. E, ao fazê-lo, expõe o próprio Victor como o agente da violência que permeia toda a narrativa do filme (TETELOU, 2025).
Assim como Fanon argumenta que o colonizado só “existe” através da imagem imposta pelo colonizador (uma imagem moldada por estereótipos de irracionalidade, brutalidade e inferioridade) a criatura também só ganha identidade pelo olhar aterrorizado de Victor e da sociedade, que lhe atribui um papel antes que ela possa construir qualquer noção de si mesma. Ela descobre que é um monstro não por aquilo que é, mas pela condenação social que a define assim.
Sob o ponto de vista de Victor, vemos um ser bruto, descontrolado, incapaz de obedecer regras simples, tratado como um animal selvagem por todos à volta. Entretanto, pela perspectiva da própria criatura, revela-se outra narrativa: a de um ser recém-nascido, curioso, sensível, tentando entender o mundo e a si mesmo, que só encontra acolhimento em alguém incapaz de enxergar sua aparência e em Elizabeth, figura que, aqui, personifica a humanidade perdida de Victor (TETELOU, 2025).
Dessa forma, fica evidente a conexão entre a teoria pós-colonial de RI, sobretudo pela visão do autor Fanon (2008), e a narrativa do filme. Ambas dialogam diretamente com a questão de subjugar aqueles considerados “inferiores” e utilizá-los a partir das necessidades dos pensamentos coloniais, sendo representados no filme pelo cientista que dá a vida à criatura.
Assim, o filme Frankenstein (2025) traz mais do que apenas uma releitura da história de um clássico personagem da cultura pop, é uma obra que dialoga diretamente com aspectos sociais e políticos do sistema internacional contemporâneo, em que diversos países ainda possuem práticas neocoloniais em suas ações internacionais, e, por consequência, outros Estados sofrem com o silenciamento e o preconceito estabelecido por estes países dominantes do sistema internacional, sendo tratados como formas de vida inferiores e subalternas, tal qual Frankenstein durante a narrativa.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, ALEXANDRE. Frankenstein: Jacob Elordi tem atuação monstruosa no morno filme de Del Toro. Omelete. 2025. Disponível em: <https://www.omelete.com.br/filmes/criticas/frankenstein-netflix-filme-guillermo-del-toro-critica> Acesso em 09 de dezembro de 2025.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução: Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução: Érico Veríssimo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
FRANKENSTEIN. Direção: Guillermo del Toro. Estados Unidos. Netflix, 2025. Filme.
SAID, Edward W. Orientalism. New York: Pantheon Books, 1978.
SHELLEY, Mary. Frankenstein ou o moderno Prometeu. Tradução: Adriana Lisboa. São Paulo: Penguin Classics; Companhia das Letras, 2017.
TETELOU. Crítica 5: Frankenstein (2025). Tetelou, 2025. Disponível em: https://open.substack.com/pub/tetelou/p/critica-5-frankenstein-2025. Acesso em: 09 dez. 2025.
