
Mayara R Mendes Batalha – Acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais na UNAMA.
A crise venezuelana não inaugura o imperialismo na América do Sul; mas revela sua continuidade. Após a morte de Hugo Chávez, em 2013, e a queda do petróleo em 2014, a vulnerabilidade interna foi convertida pelos EUA em oportunidade para ampliar a pressão econômica e política. Em poucos anos, a interferência discreta deu lugar a ações ostensivas e Washington passou a tratar Caracas como ameaça direta aos seus interesses no hemisfério.
Em 2015, os Estados Unidos classificaram a Venezuela como “ameaça extraordinária”, iniciando um ciclo de sanções que, sob Trump, incluiu apreensões de navios e ações paramilitares. Desde então, o país continua sendo enquadrado como epicentro do narcoterrorismo, com Washington utilizando essa narrativa para justificar pressões econômicas, diplomáticas e militares (Agência Brasil, 2025).
As eleições de 2024 reforçaram esse padrão, com os EUA contestando o resultado e, como observa Gaia (2024), tratando o processo eleitoral como uma disputa geopolítica, mantendo a lógica de cerco à soberania venezuelana. Esse conjunto de ações recoloca a América do Sul na condição de zona vital da geopolítica norte-americana e, nesse contexto, projetos políticos que se afastam da órbita Washington–Wall Street passam a ser encarados como ameaças estratégicas.
Entretanto, é no petróleo que está o centro real da disputa. A Venezuela detém as maiores reservas provadas do mundo (IBP, 2020). Lenin observa que “a divisão do mundo entre as potências capitalistas é determinada pela busca de matérias-primas e esferas de influência” (Lenin, 2012, p. 105). A Venezuela, periférica, petroleira e politicamente insubmissa, encaixa-se nessa lógica, pois detém exatamente o tipo de recurso cuja posse define poder no capitalismo avançado.
A disputa energética se articula ao papel do dólar. O petrodólar garantiu por décadas a centralidade da moeda dos EUA nas transações globais, mas esse monopólio vem sendo contestado. A aproximação venezuelana com a China, Rússia, Irã e o uso de rotas financeiras alternativas ameaçam um pilar monetário da hegemonia norte-americana.
No século XXI, a coerção imperial não depende de invasões diretas. David Harvey descreve esse processo como “acumulação por despossessão” (2005, p.149), caracterizada por sanções, confisco e bloqueio de fluxos vitais. Para ele, “o imperialismo atual combina poder financeiro, sanções e coerção jurídica internacional” (p.76). A Venezuela pós-2014 é exemplo claro com suas reservas congeladas, PDVSA isolada e restrições bancárias globais.
A reconfiguração do sistema internacional intensifica o conflito. A China, hoje maior credora da Venezuela, investe em infraestrutura e energia, incorporando o país a sua disputa hegemônica. Para os EUA, a presença chinesa no Caribe e no norte da América do Sul rompe a exclusividade hemisférica defendida desde o século XIX. A crise venezuelana, assim, deixa de ser um episódio isolado e se torna parte da disputa mais ampla entre uma hegemonia em desgaste e potências emergentes que reivindicam espaço.
É importante frisar que reconhecer o imperialismo norte-americano não implica defender Maduro nem negar contradições autoritárias dentro da Venezuela. A crítica se fundamenta em não se normalizar a violação da soberania sul-americana, porque o precedente aberto pode ser usado novamente. A história da região mostra que, uma vez autorizado o princípio de intervenção, ele não se limita ao primeiro alvo. O Panamá de 1989, o Chile de 1973, a Guatemala de 1954 e a República Dominicana de 1965, são exemplos dessa realidade.
Referências
Ação dos EUA na Venezuela é precedente perigoso, dizem analistas. Agência Brasil, 16 out. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-10/acao-dos-eua-na-enezuela-e-precedente-perigoso-dizem-analistas. Acesso em: 09 dez 2025.
Aliança estratégica: Venezuela teve apoio da Rússia, China e Irã no período mais duro na crise e quer ampliar relações. Brasil de Fato, 16 maio 2025. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/. Acesso em: 11 dez 2025.
.ENCARNAÇÃO, Gustavo Melo Novais da. Imperialismo, geopolítica do petróleo e desenvolvimento: relações globais de acumulação e o caso da Venezuela. 2020.
GAIA, Manuelle Catunda. Eleições 2024: Releição de Maduro significa crise para os Estados Unidos, não para a Venezuela. 14 ago. 2024. Disponível em: https://internacionaldaamazoniacoms.com/2024/08/14/crise-na-venezuela-as-controversas-eleicoes-presidenciais-em-2024/. Acesso em: 05 dez. 2025.
HARVEY, David. O Novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2005.
Instituto Brasileiro De Petróleo, Gás E Biocombustíveis. Maiores reservas provadas de petróleo em 2020. Observatório do Setor, 2021. Disponível em: https://www.ibp.org.br/..Acesso em: 11 dez 2025.
LENIN, Vladimir. O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2012.
ROSSI, Marina. US attack on Venezuela risks ‘Vietnam-style’ regional conflict, warns Lula adviser. The Guardian, 08 dez. 2025. Disponível em: https://www.theguardian.com/. Acesso em: 12 dez 2025.
