Caio Farias Martins

Marcelo Eduardo Alves de Brito

Neste século, grandes cidades brasileiras têm passado por intensas transformações em sua dinâmica urbana, marcadas pela crescente valorização do solo e pela reconfiguração de áreas historicamente ocupadas por populações de baixa renda. Esse processo ocorre em um contexto de expansão do mercado imobiliário, fortalecimento de investimentos privados e atuação do poder público, resultando na redefinição dos usos do espaço urbano, como o acesso facilitado a crédito, condições mais vantajosas de financiamento e etc.

A gentrificação e a especulação imobiliária, nesse cenário, consolidam-se como fenômenos estruturantes da urbanização contemporânea, produzindo efeitos econômicos significativos, como o aumento do custo da moradia, a elevação dos preços de bens e serviços locais e a intensificação da segregação socioespacial. Assim, a análise desses processos torna-se fundamental para compreender de que maneira a estruturação do desenvolvimento urbano impacta a distribuição de recursos, oportunidades e direitos nas grandes cidades brasileiras (HARVEY, 2014).

Fonte: NUZZI, J. Gentrificação e direito urbano: leitura a partir de “Especulação imobiliária”, de Ítalo Calvino. 2018.

 O gráfico evidencia a trajetória histórica da urbanização brasileira, demonstrando a progressiva concentração da população em áreas urbanas ao longo do século XX e início do século XXI. A partir de 1940, observa-se uma redução contínua da população rural e um crescimento expressivo da população urbana, processo intensificado com a industrialização e a expansão dos centros econômicos. 

Esse movimento resultou na rápida ampliação das cidades sem o planejamento adequado, o que gerou desequilíbrios estruturais no acesso à moradia, aos serviços públicos e às oportunidades econômicas. Com isso, a urbanização acelerada, configurou-se como um fenômeno central na reorganização do espaço social e econômico brasileiro (SANTOS, 2005). 

Neste cenário, o aumento da população urbana intensificou a disputa pelo solo nas grandes cidades, favorecendo a valorização imobiliária e a atuação de agentes econômicos interessados na maximização do lucro. A especulação imobiliária passou a orientar a ocupação do espaço urbano, elevando os preços dos imóveis e do custo de vida em áreas estratégicas, como consequência, os processos de gentrificação se tornaram mais frequentes, promovendo a substituição de moradores de baixa renda por grupos com maior poder aquisitivo (ROLNIK, 2015).

Sob uma perspectiva inspirada em Antonio Gramsci, a reorganização do espaço urbano pode ser compreendida como parte de um processo de construção de manutenção da hegemonia, no qual os interesses das classes dominantes são apresentados como universais e legítimos (GRAMSCI, 2007). 

Nesse sentido, a valorização imobiliária e os projetos de requalificação urbana operam não apenas no plano econômico, mas também no político e simbólico, ao produzir consenso em torno de um modelo de cidade orientado pela lógica do mercado. A gentrificação manifesta-se, assim, como um mecanismo de exclusão social naturalizado por discursos de modernização, progresso e eficiência urbana. Ao mesmo tempo, a especulação imobiliária reforça a concentração do controle sobre o território, limitando o acesso das camadas populares a áreas centrais e bem estruturadas.

Esse processo pode ser observado, por exemplo, na região do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro (Observatório das Metrópoles, 2017), onde intervenções urbanas associadas a grandes investimentos públicos e privados promoveram a valorização acelerada do solo e a substituição de populações de baixa renda por usos comerciais e residenciais voltados a grupos com maior poder aquisitivo (ROLNIK, 2015). Com isso, essas transformações evidenciam como o espaço urbano se torna um campo estratégico de disputa, no qual o consenso em torno do desenvolvimento urbano escondem relações desiguais de poder, dessa forma, os efeitos econômicos desse processo nas grandes cidades brasileiras revelam não apenas dinâmicas de mercado, mas também a consolidação de um projeto urbano de longo prazo que aprofunda a segregação socioespacial.

Logo, se torna evidente que estes processos são centrais para a compreensão da urbanização contemporânea nas grandes cidades do Brasil, ao revelarem como o desenvolvimento urbano tem sido orientado por interesses econômicos que reforçam desigualdades históricas.

A análise do crescimento urbano, associada à atuação do mercado imobiliário e do poder público, demonstra que a valorização do solo e a reconfiguração dos territórios urbanos não ocorrem de forma neutra, mas reproduzem os interesses de poder de uma classe sobre a outra; assim, compreender esses fenômenos exige reconhecer o espaço urbano como um campo de disputas, no qual a construção de consensos em torno do progresso e da modernização tende a legitimar práticas excludentes, reforçando a segregação e desafiando a construção de cidades mais justas e socialmente inclusivas.

Referências: 

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

NUZZI, J. Gentrificação e direito urbano: leitura a partir de “Especulação imobiliária”, de Ítalo Calvino. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ADVOCACIA PÚBLICA, 23.; CONGRESSO SUL-AMERICANO DE DIREITO DO ESTADO, 6.s.n., 2018.OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES.

Porto Maravilha: o fracasso de um projeto bilionário que excluiu os menos favorecidos. Disponível em: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/porto-maravilha-o-fracasso-de-um-projeto-bilionario-que-excluiu-os-menos-favorecidos/ 

ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.