Cainã Alves do Amaral – acadêmico do 4º semestre de Relações Internacionais da UNAMA

O Velho Continente, ou melhor, continente europeu, se encontra sob um período extremo de vulnerabilidade externa desde o começo da década vigente, sendo, este período, alavancado por uma cadeia de decisões e fatores que transcendem as fronteiras nacionais, isto, desde meados de fevereiro de 2022. Paralelamente a isso, a Europa, em meados do século XVIII, também se encontrava totalmente vulnerável e ameaçada por fatores externos, entretanto, se naquela época o enfoque era conter o avanço expansionista da França e estabelecer um equilíbrio de poder no continente, atualmente, o panorama visível tende a ser mais consternador que naquela respectiva época, decorrente de mudanças constantes no Sistema Internacional e processos de spillover (PECEQUILO, 2016).

Nessa perspectiva, já em 2025, sob um contexto marcado pela crise do multilateralismo, a Europa tem suas fragilidades internas escancaradas por Washington e pela duradoura guerra da Rússia e Ucrânia, no que tange as medidas ineficazes adotadas pela União Europeia para com o cenário caótico que se deteriora cada vez mais no leste europeu. Desse modo, se os princípios e valores da União Europeia, supracitados na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, giravam e giram em torno da integridade territorial, respeito à soberania, segurança supranacional e defesa conjunta, denota-se que estes são rigorosamente afetados e postos em ameaça pelos conflitos armados vigentes na Ucrânia, juntamente ao avanço russo no país fronteiriço. 

Consonante a isso, a União Europeia encara uma dualidade um tanto quanto consternadora: mitigar o avanço russo sob território ucraniano, através de sanções econômicas e apoio militar/financeiro a Ucrânia, ao mesmo tempo que deve conciliar estas punições para com a dependência de gás natural russo, uma vez que muitos países da UE são afetados em demasia pela escassez de gás natural em períodos de inverno intenso. Além disso, há um outro fator que fomenta este cenário preocupante: a pressão externa dos EUA para com a União Europeia, o qual há tempos vem “intermediando” o fim da guerra no leste europeu e um possível acordo de paz, e que, ao mesmo tempo, se vê obstado pelas decisões da respectiva instituição supranacional (CNN BRASIL, 2025).

Tal panorama consternador se agrava ainda mais com as declarações recentes de Donald Trump em relação a União Europeia, o qual criticou a administração da comunidade europeia para com o conflito vigente (CNN BRASIL, 2025), e, para além disso: anunciou publicamente um novo reajuste na política externa americana, sendo este, voltado para uma maior atuação estratégica/militar no continente europeu e latino-americano, configurando-os como áreas de interesse próprio (BBC, 2025). 

Nesse sentido, ao remeter a uma versão 2.0 da Doutrina Monroe – citada nominalmente na nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Strategy) – denota-se que o realismo ofensivo, conceito abordado por John Mearsheimer – renomado teórico das Relações Internacionais – em sua obra “The Tragedy of Great Power Politics”, adota uma maior presença e intensidade na política externa americana, materializada através do estabelecimento de prioridades como o asseguramento da segurança nacional e capacidade material.

Desse modo, diferentemente do contexto inicial protagonizado pela invasão russa na Ucrânia – em meados de 2022 – onde, John Biden, ex-presidente dos Estados Unidos, adotava uma postura pró-Ucrânia, materializada através do apoio militar e financeiro juntamente a promoção de sanções próprias contra a Rússia, dessa vez, a Europa tem de lidar com uma postura de pressão e agressão por parte dos EUA, ao mesmo tempo que a Rússia adota uma postura de embate contra o continente europeu, motivada por objeções pessoais de Vladimir Putin e pela doutrina centenária intitulada de Mãe Rússia. Em síntese, se em um momento antecedente a UE tinha de lidar unicamente com a potência do leste europeu, agora, ela se encontra dividida e imobilizada pela pressão norte-americana. 

Esta imobilização supracitada se materializa com as invasões de drones atrelados a Moscou sob o espaço aéreo da Polônia, Romênia, Estônia e Bélgica, sendo estas invasões, iniciadas em meados de setembro deste ano (VEJA, 2025). Se, para James Rosenau, teórico da vertente neoliberal, considera-se como de caráter essencial a implementação de uma governança conjunta para lidar com as questões de cunho transnacional, através da cooperação interestatal, denota-se em demasia que suas concepções vão de desencontro com a realidade vigente no Velho Continente, uma vez que a União Europeia – juntamente a OTAN – fracassa ao estabelecer mecanismos coercitivos de ação conjunta que apresentem agilidade e eficácia no que tange ao retardamento para com o avanço russo no leste europeu.

Portanto, mediante a recente incorporação da militarização como processo prioritário por parte da UE, configurando-se como uma estratégia de longo prazo, juntamente a uma sequência de recusas parciais do acordo de paz proposto pelos EUA, Vladimir Putin mantém a prática discursiva protagonizada pela doutrina da “Mãe Rússia”, ao mesmo tempo que reforça o caráter realista ofensivo do país euroasiático, dessa vez, fomentada por um discurso camuflado de poder-força: “se a Europa quiser guerra, estamos prontos” (G1, 2025). O Velho Continente, protagonizado por diversos períodos de vulnerabilidade extrema em sua história, manifesta, em 2025, um de seus maiores desafios contemporâneos como comunidade: contornar um estado de guerra duradouro de forma conjunta e eficaz, sob pressão norte-americana em mais uma ocasião, ao mesmo tempo que lida com a ofensividade russa.

Referências:  

G1, 2025. A Europa finalmente acordou militarmente, diz chefe da UE em cúpula para debater Irã e Rússia. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/06/24/europa-finalmente-acordou-militarmente-diz-chefe-uniao-europeia-cupula-otan.ghtml. Acesso em: 14 dez. 2025.

G1, 2025. ‘Se a Europa quiser guerra, estamos prontos’, diz Putin. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/12/02/se-europa-quiser-guerra-estamos-prontos-diz-putin.ghtml. Acesso em: 14 dez. 2025.

FREITAS, PAULA. Otan envia caças para conter maior invasão de drones na Romênia, que culpa Rússia. VEJA, 2025. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/otan-envia-cacas-para-conter-maior-invasao-de-drones-na-romenia-que-culpa-russia/https://veja.abril.com.br/mundo/otan-envia-cacas-para-conter-maior-invasao-de-drones-na-romenia-que-culpa-russia/. Acesso em: 14 dez. 2025.

G1, 2025.EUA estabelecem prazo de 2027 para defesa da Otan ser liderada pela Europa, dizem autoridades. Disponível em:https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/12/07/eua-estabelecem-prazo-de-2027-para-defesa-da-otan-ser-liderada-pela-europa-dizem-autoridades.ghtml. Acesso em: 14 dez. 2025.

VASCONCELOS, Renato. Em meio a tensões com a Venezuela, EUA divulgam nova estratégia de segurança nacional que confirma retomada da Doutrina Monroe. G1, 2025. Disponível em:https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/12/05/eua-divulgam-nova-estrategia-de-seguranca-nacional-que-confirma-retomada-da-doutrina-monroe.ghtml. Acesso em: 14 dez. 2025.

BBC, 2025. A doutrina de 200 anos que Trump usa para aplicar pressão militar sobre América Latina. Disponível em:https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckg9q0xnr15o. Acesso em: 14 dez. 2025.

MEARSHEIMER, John. A Tragédia da Política das Grandes Potências. Editora: Gradiva, 2007

ROSENAU, James. Governance without government: Order and Changes in World Politics. Cambridge University Press, 1992.

PECEQUILO, C.S. Teoria das Relações Internacionais: o mapa do caminho,

teoria e prática. Ed: alta books, RJ, 2016. Capítulo 3 (p.105 a p.141)

HODGE, Nathan. Trump critica Europa e dá vantagem diplomática à Rússia em negociações. 

CNN, 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/trump-critica-europa-e-da-vantagem-a-russia-em-negociacoes-de-paz/. Acesso em: 14 dez. 2025.