
Emily Camily Mancio Da Costa – acadêmica do 8° semestre de Relações Internacionais da UNAMA
As festas de Natal, tradicionalmente associadas ao cristianismo ocidental, ultrapassam há muito tempo os limites estritamente religiosos e regionais, consolidando-se como uma prática cultural de alcance global. Celebrado de formas distintas na Europa, nas Américas, na África e na Ásia. O Natal manifesta-se como um fenômeno social complexo, no qual a religião, a cultura e a arte se entrelaçam na construção de identidades coletivas e de narrativas simbólicas. Nesse sentido, compreender o Natal somente pela perspectiva de festividade religiosa tende a ser muito vago e insuficiente, pois essa data trata-se, sobretudo, de uma prática social global que carrega inúmeros significados, sendo eles políticos, culturais e estéticos relevantes para as Relações Internacionais.
O construtivismo nas Relações Internacionais oferece uma analítica fundamental, nesse sentido, a análise do Natal enquanto fenômeno global exige uma abordagem teórica capaz de compreender a construção social de significados compartilhados no sistema internacional. De acordo com Wendt (1999), as identidades e interesses dos atores internacionais são formados a partir de interações sociais e de significados compartilhados. Sob essa ótica, o Natal não se estabelece a partir de um evento universal por natureza, mas se constituí de uma tradição socialmente construída, cujo os sentidos variam conforme os contextos culturais, históricos e políticos. A partir dessa perspectiva Finnemore (1996) contribui fortemente para essa análise ao demonstrar que normas e valores moldam comportamentos coletivos no sistema internacional. As celebrações natalinas, ao incorporarem costumes como as trocas de presentes, decorações e rituais públicos, passam a funcionar como normas culturais disseminadas globalmente, ainda que reinterpretadas localmente. Dito isso, o Natal opera como um mecanismo de socialização cultural, reforçando pertencimentos nacionais, regionais ou religiosos.
Aprofundando essa lógica normativa, Katzenstein (1996), ao destacar o papel da cultura política internacional, permite compreender como as festividades religiosas se integram às identidades nacionais. Em muitos países europeus, mercados de Natal e concertos sacros reforçam as narrativas históricas de pertencimento cultural, enquanto em contextos não ocidentais essas práticas são frequentemente adaptadas, hibridizadas ou ressignificadas.
A religião ocupa um lugar ambíguo nas Relações Internacionais Contemporâneas, todavia, ao tratar dessas práticas culturais, torna-se imprescindível considerar o papel da religião nas relações internacionais, que são frequentemente marginalizadas por abordagens secularizadas do campo. Hurd (2008) esclarece que a separação entre a religião e a política é, ela própria, pois é uma construção histórica ocidental. Em vista disso, o Natal releva como as práticas religiosas continuam moldando espaços públicos, identidades coletivas e políticas culturais, mesmo em sociedades formalmente seculares.
A partir dessa problematização autores como Thomas (2005) e Philpott (2001) demonstram que o cristianismo desempenhou um papel central na formação da ordem internacional moderna. O Natal enquanto celebração cristã globalizada, reflete esse legado histórico, ao mesmo tempo em que expõe tensões entre universalização cultural e diversidade religiosa. Em países asiáticos ou africanos, a festividade é frequentemente dissociada de sua dimensão estritamente religiosa, assumindo contornos culturais, comerciais e estéticos.
Assim, o Natal revela como a religião continua presente nas dinâmicas internacionais, não apenas como crenças, mas também como práticas sociais que atravessam fronteiras e redefinem identidades. Para além de sua dimensão religiosa, o Natal também se expressa como prática estética e simbólica, projetando sentidos culturais no espaço internacional como um todo. Bleiker (2009) afirma que a estética desempenha um papel crucial na política global, uma vez que imagens, símbolos e performances moldam percepções e afetos. As iluminações urbanas, presépios, músicas e representações visuais do Natal funcionam como instrumentos de comunicação simbólica, projetando identidades culturais no espaço internacional. Complementarmente Sylvester (2008) expande essa perspectiva ao demonstrar que a arte e os museus são espaços nos quais as Relações Internacionais se manifestam de forma sútil, porém extremamente significativa. Presépios latino-americanos, corais africanos ou decorações natalinas asiáticas exemplificam como a arte expressa processos de apropriação cultural e reinvenção simbólica.
Entretanto, a circulação global desses símbolos e práticas não ocorre de forma neutra, sendo atravessada por relações históricas de poder e dominação cultural, na qual tradições locais se comunicam com imaginários internacionais, contribuindo para a construção de narrativas culturais transnacionais. As abordagens pós-coloniais permitem questionar a aparente universalidade do Natal. Said (1993) argumenta que práticas culturais europeias foram historicamente difundidas como universais durante o colonialismo. O Natal, nesse contexto, foi incorporado a diferentes sociedades como parte de um processo de dominação cultural, mas também de resistência e ressignificação.
Nesse contexto Bhabha (1994) introduz o conceito de hibridização cultural, que é fundamental para compreender como o Natal é reinterpretado fora do eixo europeu. Na América Latina, elementos cristãos se misturam a tradições indígenas e afrodescendentes. Na África, celebrações natalinas incorporam ritmos, cores e expressões locais e na Ásia, o Natal frequentemente assume um caráter mais comercial, romântico e estético, desvinculado da prática religiosa. Essa perspectiva torna-se ainda mais relevante quando articulada às contribuições de Tickner (2013) e Acharya (2014) reforçam a necessidade de pensar as R.I a partir do Sul global, reconhecendo múltiplas formas de vivenciar tradições globais. Assim, o Natal emerge não como imposição cultural homogênea, mas como uma prática mais plural, marcada por negociações identitárias e contextuais.
Dessa forma, a análise das festas de Natal sob a ótica das Relações internacionais revela que a cultura, religião e arte constituem dimensões fundamentais da política global. A partir do construtivismo, observa-se que o Natal é uma prática social construída, moldada por normas, identidades e interações internacionais. Enquanto na perspectiva pós-colonial o Natal é fruto de inúmeros processos de difusão, adaptação e hibridização cultural que caracterizam suas celebrações ao redor do mundo. Desse modo o Natal não deve ser compreendido apenas como uma festividade religiosa ou cultural, mas como um fenômeno internacional que expressa dinâmicas de poder, identidades e representação simbólica. Ao incorporar esse tipo de análise, as Relações Internacionais ampliam seu escopo, reconhecendo que práticas culturais e artísticas também participam da construção da ordem global contemporânea.
REFERÊNCIAS:
ACHARYA, Amitav. Global international relations (IR) and regional worlds: A new agenda for international studies. International Studies Quarterly, v. 58, n. 4, p. 647–659, 2014.
BHABHA, Homi K. The location of culture. London: Routledge, 1994.
BLEIKER, Roland. Aesthetics and world politics. London: Palgrave Macmillan, 2009.
FINNEMORE, Martha. National interests in international society. Ithaca: Cornell University Press, 1996.
HURD, Elizabeth Shakman. The politics of secularism in international relations. Princeton: Princeton University Press, 2008.
KATZENSTEIN, Peter J. (org.). The culture of national security: Norms and identity in world politics. New York: Columbia University Press, 1996.
PHILPOTT, Daniel. Revolutions in sovereignty: How ideas shaped modern international relations. Princeton: Princeton University Press, 2001.
SAID, Edward W. Culture and imperialism. New York: Knopf, 1993.
SYLVESTER, Christine. Art/museums: International relations where we least expect it. Boulder: Paradigm Publishers, 2008.
THOMAS, Scott M. The global resurgence of religion and the transformation of international relations. New York: Palgrave Macmillan, 2005.
TICKNER, Arlene B. Core, periphery and (neo)imperialist international relations. European Journal of International Relations, v. 19, n. 3, p. 627–646, 2013.
WENDT, Alexander. Social theory of international politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
