
Alciane Carvalho Dias
Internacionalista da Universidade da Amazônia
A história de Brenda Mae Tarpley, que o mundo inteiro viria a aplaudir como Brenda Lee, começa de forma humilde e desafiadora. Nascida em 11 de dezembro de 1944, em uma ala de caridade de um hospital em Atlanta, Brenda não teve uma infância cercada de luxos, mas sim de uma necessidade precoce de amadurecer. A pobreza extrema e a perda do pai quando ela tinha apenas oito anos forçaram aquela menina de voz agigantada a se tornar o pilar de sua casa (LEE, 2002).
É aqui que o Construtivismo começa a fazer sentido: a realidade de Brenda não foi algo que ela apenas aceitou, mas algo que ela começou a reconstruir através de seu talento. Como sugere o teórico Nicholas Onuf (1989), nós vivemos em um “mundo que nós mesmos fazemos”, e Brenda começou a fazer o seu mundo cantando em rádios locais e programas de TV como o TV Ranch.
Sua vida mudou drasticamente em 1956, quando o cantor country Red Foley ficou boquiaberto ao ouvi-la cantar “Jambalaya (On the Bayou)”. Naquele momento, nascia a persona “Little Miss Dynamite”. O apelido não era apenas um golpe de sorte; era a construção de uma nova identidade.
No Construtivismo, a identidade de um ator (seja um país ou uma pessoa) é o que define como o mundo o percebe e como ele deve agir (WENDT, 1992). Brenda Lee não era apenas uma criança cantando; ela era uma força da natureza que desafiava a ideia de que a juventude deveria ser sinônimo de fragilidade. Com o lançamento de “Dynamite” em 1957, ela cimentou essa imagem de energia explosiva que rompia com as normas comportamentais da época.
Ao entrar nos anos 60, Brenda já era uma gigante da música, apesar de seus 1,45m de altura. Ela navegava com facilidade entre o rockabilly rebelde e o pop romântico. Músicas como “Sweet Nothin’s” e “Dum Dum” mostravam sua capacidade de se conectar com a nova cultura adolescente que surgia globalmente. Mas foi com “I’m Sorry”, gravada aos 15 anos, que ela realmente mudou as regras do jogo.
A canção trazia uma carga emocional tão profunda que muitos adultos duvidavam que uma adolescente pudesse sentir aquilo. Essa percepção do público é o que os teóricos chamam de intersubjetividade: o sucesso da música dependia de um entendimento compartilhado entre Brenda e seus ouvintes de que aquela emoção era real (WENDT, 1992).
Enquanto isso, um fenômeno silencioso começava a ganhar corpo: “Rockin’ Around the Christmas Tree”. Gravada em 1958, a música não foi um sucesso imediato, mas com o passar das décadas, ela se transformou em uma “norma” cultural. Hoje, é impossível pensar em Natal sem a voz de Brenda Lee.
Isso ilustra perfeitamente como ideias e símbolos ganham poder com o tempo. A música tornou-se uma instituição social, algo que todos aceitamos como parte da nossa realidade coletiva. No campo das Relações Internacionais, a forma como Brenda conquistou o Japão, a Europa e a América Latina com sucessos como “As Usual” e “Fool #1” é um exemplo clássico de Soft Power — o poder de influenciar os outros através da cultura e da admiração, e não pela força.
Mesmo quando a música mudou e os Beatles dominaram o mundo, Brenda não se deixou apagar. Ela teve a agência de renegociar sua identidade mais uma vez, voltando-se para o Country na década de 70. Canções como “Nobody Wins” e “Sunday Sunrise” provaram que ela não era uma artista de um único momento, mas alguém capaz de se adaptar a novas estruturas e públicos. Essa resiliência é a prova viva de que as estruturas do mundo (ou da indústria musical) não são prisões; elas podem ser moldadas por atores que têm uma identidade forte e clara.
A coroação dessa trajetória veio em 2023, quando, aos 78 anos, ela viu “Rockin’ Around the Christmas Tree” chegar ao topo das paradas pela primeira vez desde que foi lançada (BILLBOARD, 2023). Esse recorde histórico não é apenas um número, mas a prova final de que Brenda Lee construiu algo eterno. Sua vida nos ensina que, seja na política global ou na música, o que realmente importa são as histórias que contamos e os significados que decidimos, juntos, validar. Brenda Lee não apenas viveu sua vida; ela construiu um legado que prova que o mundo é, de fato, o que nós fazemos dele.
Referências
BILLBOARD. Brenda Lee’s ‘Rockin’ Around the Christmas Tree’ Hits No. 1 on Billboard Hot 100. Nova York: Billboard Media, 2023.
LEE, Brenda; OERMANN, Robert K.; QUIGLEY, Robert. Little Miss Dynamite: My Life Story. Nashville: Hyperion, 2002.
ONUF, Nicholas. World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and International Relations. Columbia: University of South Carolina Press, 1989.
WENDT, Alexander. Anarchy is what States Make of it: The Social Construction of Power Politics. International Organization, v. 46, n. 2, 1992.
