Ana Victória Padilha Carneiro (acadêmica do 4° de RI da UNAMA)

Carla Lima (acadêmica do 6° de RI da UNAMA)

A prática tradicional referente ao extrativismo do babaçu feito por mulheres é uma atividade profundamente marcada por uma ancestralidade socioeconômica feminina, que ajuda a preservar também o meio ambiente e a cultura local. Presente majoritariamente nos Estados da região Norte e Nordeste do país, essa atividade representa um movimento de resistência e evidencia a importância do protagonismo das mulheres no meio rural brasileiro.

Entretanto, a existência de políticas públicas ineficientes, a crescente privatização do campo e a renovação dos modelos de desenvolvimento sustentáveis para o meio extrativista que não contemplam a complexidade de tal prática, têm dificultado a continuidade do protagonismo feminino nesse meio. Desse modo, a luta e organização dessas mulheres tornam-se elementos fundamentais para garantir a manutenção do seu principal meio de sobrevivência e reprodução sociocultural.

Conforme Siqueira (2025), as mulheres quebradeiras de coco babaçu constituem um grupo social particularmente atingido pelas transformações estruturais advindas dessa racionalidade econômica. Presentes principalmente nos estados do Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí, as quebradeiras de coco são responsáveis pelo extrativismo do babaçu, atividade que envolve coleta, quebra e beneficiamento do fruto da palmeira, historicamente realizado por mulheres.

O babaçu integra um complexo socioprodutivo que articula dimensões econômicas, ambientais, culturais e de gênero, sendo uma base material para a autonomia das mulheres e para a manutenção de práticas tradicionais de manejo florestal (Siqueira, 2025). No entanto, a intensificação das políticas desenvolvimentistas e a apropriação privada dos territórios romperam de maneira profunda o equilíbrio entre essas comunidades e os recursos naturais.

A expansão da agropecuária empresarial, os empreendimentos madeireiros e a presença crescente de monoculturas como a soja resultaram no cercamento e na derrubada de extensas áreas de babaçuais. Esses processos produziram impactos diretos sobre a vida das quebradeiras.

Nesse sentido, conforme Siqueira (2025), o impedimento de acessar os babaçuais, prática historicamente reconhecida como um direito costumeiro, configurou-se como uma forma de violência econômica e simbólica, uma vez que restringiu o principal meio de subsistência feminino e fragilizou redes comunitárias de trabalho e solidariedade.

A privatização das terras e a imposição de cercas e vigilância armada por fazendeiros intensificaram os conflitos (Siqueira, 2025), gerando criminalização das atividades extrativistas e vulnerabilização das mulheres, que passaram a enfrentar tanto barreiras físicas quanto jurídicas para exercer uma prática ancestral.

Diante disso, segundo Soares (2018), a relação entre políticas desenvolvimentistas e desigualdades de gênero torna-se evidente quando se observa que tais programas ignoraram sistematicamente a centralidade do trabalho feminino no extrativismo do babaçu, reforçando a invisibilidade das mulheres nas políticas de desenvolvimento regional.

O paradigma produtivista, baseado em indicadores de crescimento econômico, não considerou as economias de uso comum, a gestão comunitária dos recursos naturais nem os sistemas produtivos que não se enquadravam na lógica de mercado (Soares, 2018). Isso produziu, simultaneamente, exclusão territorial e epistemológica, desqualificando os saberes tradicionais e impondo modelos de gestão ambiental incompatíveis com a reprodução social das comunidades extrativistas.

Como resposta a esse quadro de espoliação territorial, as mulheres quebradeiras construíram um dos mais expressivos movimentos sociopolíticos da região (MIQCB, 2025), culminando na formação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) durante os anos 1990.

A organização coletiva das quebradeiras emergiu como forma de resistência às políticas desenvolvimentistas, articulação territorial e luta por reconhecimento  (MIQCB, 2025). O movimento atua em várias frentes: defesa de direitos territoriais, enfrentamento à violência fundiária, valorização da economia extrativista e construção de políticas públicas específicas.

Uma das conquistas mais significativas foi a formulação e aprovação das chamadas Leis do Babaçu Livre (MIQCB, 2025), existentes em diversos municípios e estados, que asseguram o acesso das quebradeiras às palmeiras, mesmo em territórios privatizados. Essas leis representam uma reconfiguração importante da relação entre propriedade privada e uso comum, ao instituir normativas que reconhecem práticas tradicionais e protegem meios de vida associados ao extrativismo.

Além disso, o MIQCB tem contribuído para a inserção do extrativismo do babaçu na agenda da economia solidária, do feminismo rural e das políticas socioambientais. Ao reivindicar reconhecimento e participação, as quebradeiras questionam não apenas a destruição dos babaçuais, mas também o modelo hegemônico de desenvolvimento imposto à Amazônia.

Sua atuação política evidencia que a luta pelo acesso ao território está vinculada à luta pela despatriarcalização das políticas públicas, pela justiça ambiental e pela construção de alternativas econômicas baseadas na floresta em pé (MIQCB, 2025). O extrativismo do babaçu, nesse sentido, torna-se uma referência para pensar modelos de desenvolvimento que preservem a biodiversidade, garantam a autonomia das mulheres e fortaleçam economias locais de baixo impacto ambiental.

Portanto, a luta pela manutenção do extrativismo do coco babaçu revela-se essencial para o enfrentamento das formas de violência que incidem sobre essa prática, seja por ações do Estado, ou pela pressão do setor empresarial. Mais do que uma atividade econômica, trata-se de um trabalho conduzido por mulheres detentoras de um manejo florestal ancestral altamente capaz de garantir a continuidade dos babaçuais e a reprodução de modos de vida profundamente enraizados no território a séculos.

Diante da temática exposta, para maior compreensão acerca das tradições, luta e importância do modo de vida das quebradeiras do coco babaçu, recomenda-se o acesso ao site oficial do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), o acompanhamento também pode ser feito através de redes sociais, como o Instagram, Facebook e YouTube, onde o MIQCB mantém perfis ativos que compartilham vídeos e fotos sobre a história, cultura e luta das mulheres extrativistas e do movimento.

Site: < https://miqcb.org.br >

Instagram:<https://www.instagram.com/miqcb_?igsh=MWN5bTA0b3ZmcGs2bQ==. >

Facebook: < https://www.facebook.com/MIQCBOficial?mibextid=ZbWKwL >

YouTube: < https://youtube.com/@miqcb8622?si=Alb8J0lnU4Cl_n7J >

Instagram:<https://www.instagram.com/aldeiakujubim_xipaya_e_kuruaya >

Por fim, se recomenda o documentário, “Quebradeiras”, produzido pelo Cine TVT em parceria com o Patrimônio Cultural Imaterial (Etnodoc), na direção de:  Evaldo Mocarzel, feito em 2007, que fora gravado afim de focalizar nas tradições seculares, nas estratégias de sobrevivência e na rica cultura das quebradeiras de coco de babaçu da região do Bico do Papagaio, onde os estados do Maranhão, Tocantins e Pará se encontram.

Documentário Completo: < https://youtu.be/nLz0b3IKAsM?si=NJsQDer-cbYx9_42 >

REFERÊNCIAS

SIQUEIRA, Givanildo Alves, Et al. O reconhecimento dos direitos territoriais das quebradeiras de coco babaçu como comunidade tradicional. Studies in Multidisciplinary Review, Curitiba, v.6, n.1, p.01-19, 2025

Movimento interestadual das quebradeiras de coco babaçu (MIQCB). Corpo-território, Babaçu Livre: quebradeiras da Regional Mearim /Cocais reafirmam a luta por vida, leis e liberdade. 2025

SOARES, João Gabriel. ARRUDA, Paula.Proteção de direitos humanos: o caso das quebradeiras de coco babaçu. Arq. bras. psicol. vol.70 no.3 Rio de Janeiro sept./dic. 2018