Ana Paula Praxedes, acadêmica do 2° semestre de Relações Internacionais da UNAMA

Nascido em 6 de setembro de 1943, George Roger Waters é músico, cantor-compositor e ativista britânico. Sua infância, ao final da Segunda Guerra Mundial na vila de Great Bookham, no Reino Unido, foi permeada por debates políticos. Seu pai, professor e membro do partido comunista inglês, juntou-se ao exército britânico e foi morto durante a guerra, pouco após o nascimento de Roger. Sua mãe, agora viúva, mudou-se para Cambridge com seus dois filhos. Foi na adolescência que o futuro astro do rock conheceu seu melhor amigo e colega de banda, Syd Barrett, que influenciaria a música de Roger por muitos anos. (THE VOGUE, s.d.)

Após abandonar a escola de arquitetura para se tornar músico, o co-fundador e um dos membros principais da lendária banda de rock clássico Pink Floyd, lançou juntamente com seus colegas seu primeiro álbum em 1967, intitulado “Piper at the Gates of Dawn”. Durante a década de 1970, a banda alcançou grande sucesso e influência, com suas explorações sonoras e shows de luz alucinógenos conquistando um grande público na cena psicodélica emergente. (FITZGERALD, 2021)

Nas décadas seguintes, Pink Floyd lançou álbuns importantes abordando temas como saúde mental, controle governamental e sociedades distópicas autoritárias— todos com Waters como o principal artista conceitual. “Animals”, baseado na famosa novela satírica alegórica de George Orwell, “A Revolução dos Bichos”, plantou as primeiras sementes do caminho que a banda seguiria, além de conflitos internos que surgiriam. 

O próximo álbum, “The Wall” de 1979, é considerado um dos álbuns mais intrigantes e criativos na história da música rock. Ele segue a vida de Pink, um personagem nascido ao final da guerra, que lida com sentimentos de perda e isolamento em um país fortemente afetado pelo conflito. Imerso nessa realidade, sem pai, com uma mãe dominadora e um sistema educacional rigoroso na criação de trabalho manual para a engrenagem social, Pink adota uma persona ilusória de ditador que antagoniza o mundo durante a Segunda Guerra Mundial. Essencialmente, o álbum reflete os conflitos pessoais de Roger Waters e as consequências da guerra em sua vida, inspirando-se em seu próprio luto pela perda de seu pai e sua alienação gerada pelo sistema. (MIRANDA, 2021)

Apesar de “The Wall” ser o álbum político mais famoso da banda, não foi o único a explorar tais temas. “The Final Cut”, lançado em 1983, tratou dos efeitos da guerra na consciência humana, assunto no qual Waters explorou profundamente, expressando sua raiva e paranoia acerca do estado do mundo após a Segunda Guerra, destacando problemas como imperialismo cultural, colonialismo e suas consequências no indivíduo.

No entanto, conflitos internos entre os membros da banda começaram a surgir, especialmente entre Roger e o guitarrista e vocalista principal da banda, David Gilmour. Com processos judiciais e brigas constantes, “The Final Cut” tornou-se a última contribuição de Waters para Pink Floyd, deixando a banda em 1985 para seguir carreira solo. (NISSIM, 2023)

Por consequência, Roger Waters construiu uma das carreiras mais sólidas na cena musical, sendo considerado um dos músicos mais politicamente engajados da história. Além de usar sua música como um canal para suas crenças pessoais, Roger também utilizou sua posição como figura pública para abordar diversas questões, incluindo a eleição de Bolsonaro em 2018 e o conflito Israel-Palestina, recentemente criticando tanto o presidente dos EUA, Joe Biden, quanto o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, pela perpetuação do genocídio contra o povo palestino. (BRASIL DE FATO, 2023)

Nas últimas quatro décadas, o músico seguiu com sua turnê centrada principalmente em “The Wall”, muitas vezes incorporando a figura de Pink e atuando como o personagem em seus concertos, criando uma experiência imersiva para a plateia ao apresentar paralelos diretos do mundo fictício violento e autoritário, com a violência real e os preconceitos que permeiam o sistema capitalista, além de criticar abertamente outras personalidades por sua conivência com a injustiça, expondo  figuras políticas.

Dessa forma, é possível analisar a carreira de Roger Waters através das lentes teóricas da Teoria Crítica em Relações Internacionais. A teoria surgiu como uma reação às abordagens tradicionais como o realismo e o liberalismo, buscando questionar e desafiar estruturas de poder estabelecidas, normas e relações sociais. (SARFATI, 2005) Ao explorar conceitos como poder, ideologia e justiça social, “The Wall” de Pink Floyd faz uma análise crítica do poder institucional e seu impacto sobre o indivíduo, com Pink construindo um muro metafórico para se proteger do mundo violento e de seu sistema opressor que descarta vidas humanas em prol dos interesses de poder e hegemonia do Estado.

Da mesma forma, “The Final Cut” enfatiza o impacto das narrativas culturais dominantes nas estruturas sociais e na consciência humana, sendo um dos principais mecanismos de alienação e controle das massas, como discutido por Michel Foucault, um dos pensadores associados ao desenvolvimento da Teoria Crítica. Segundo Foucault, o conceito de “governamentalidade” é essencial para analisar como o poder opera nas sociedades. Através de instituições como o sistema educacional, o objetivo primário torna-se moldar o comportamento dos indivíduos propagando narrativas, evidenciando até que ponto os mecanismos de governo organizam os indivíduos em uma sociedade. (FOUCAULT, 1978) O mesmo conceito pode ser aplicado durante períodos de guerra, amplamente discutidos em ambos os álbuns, uma vez que instituições políticas podem racionalizar a guerra através da regulamentação da informação e de práticas sociais.

Ao expor as duras realidades do sistema atual e das estruturas sociais que perpetuam todos os tipos de abusos na sociedade humana, assim como os pensadores da Escola de Frankfurt, Roger Waters defende um projeto que busca a emancipação de todas as formas de controle e dominação sociais, e a construção de uma sociedade que não explore a classe trabalhadora, não abandone pessoas com problemas de saúde mental, não deixe crianças sem pais e mulheres viúvas. Seu trabalho incansável ao longo das últimas seis décadas, sua luta constante pela justiça social e pela preservação dos direitos humanos, assim como seu trabalho filantrópico e sua própria vida, repleta de perdas e injustiças, mostram como o músico britânico está disposto a ajudar a construir um mundo melhor. Como disse uma vez:

“Só escrevi sobre uma coisa em minha vida, que é o fato de que nós, como seres humanos, temos uma responsabilidade uns com os outros e que é importante que sintamos empatia pelos outros, que organizemos a sociedade para que todos nós fiquemos mais felizes e consigamos a vida que realmente queremos.” (ROLLING STONE, 2017).

Mesmo com sua turnê mais recente, “This is Not a Drill”, cheia de nostalgia por músicas clássicas do Pink Floyd e apresentando novas composições do músico chegando ao fim, Waters não vê se aposentando tão cedo. Aos 80 anos de idade, Roger Waters continua desafiando as normas na cena musical, lembrando-nos da importância de usar nossas vozes para falar por aqueles que são silenciados, e que a arte é sempre política.

REFERÊNCIAS

Em turnê no Brasil, Roger Waters diz que Biden perdeu humanidade e convoca protestos pró-Palestina. Brasil de Fato, 2 de Novembro de 2023. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2023/11/02/em-turne-no-brasil-roger-waters-diz-que-biden-perdeu-humanidade-e-convoca-protestos-pro-palestina&gt;. Acesso em: 16 nov. 2023.

FITZGERALD, Riley. “The Piper at the Gates of Dawn”: Pink Floyd’s swansong of their madcap leader. Happy Magazine, 25 de Agosto de 2021. Disponível em: <https://happymag.tv/the-piper-at-the-gates-of-dawn/>.

FOUCAULT, M. et al. Segurança, território, população : curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

How Roger Waters Will Fight Trump With Upcoming Tour, Concept Album. Rolling Stone, 23 de Fevereiro de 2017. Disponivel em: <https://www.rollingstone.com/music/music-features/how-roger-waters-will-fight-trump-with-upcoming-tour-concept-album-194059/&gt;

MELAMED, Dave. The Message Of Pink Floyd’s “Animals” Still Resonates 45 Years Later [Listen]. Live for Live Music, 23 de Janeiro de 2023. Disponível em: <https://liveforlivemusic.com/news/pink-floyd-animals-44-years-later/>

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MIRANDA, Igor. Entenda o conceito por trás de “The Wall”, a complexa obra do Pink Floyd. Igor Miranda, 30 de Novembro de 2021. Disponível em: <https://igormiranda.com.br/2021/11/pink-floyd-the-wall-conceito/>

NISSIM, Mayer. Pink Floyd: A timeline of all their feuds and fallouts over the years. Gold Radio UK, 21 de Setembro de 2023. Disponível em: <https://www.goldradiouk.com/news/music/pink-floyd-feud-split-break-up-reunion/>.

Roger Waters – The Vogue. Disponível em: <https://thevogue.com/artists/roger-waters/#bio&gt;. Acesso em: 8 dez. 2023.

SARFATI, G. Teorias de relações internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

SKAGGS, Julie. An Essay Of The Final Cut Album. Disponível em: <https://www.pinkfloydz.com/library-books/essay-final-cut-album/>.

The Wall Analysis – A Song-By-Song Literary Analysis of Pink Floyd’s “The Wall”. Disponível em: <https://thewallanalysis.com/&gt;.