
Sofia Dias, acadêmica do 1° semestre de Relações Internacionais
Ficha Técnica:
Ano: 2013
Diretor: Isao Takahata
Distribuição: Toho
Gênero: Fantasia / Drama
País de Origem: Japão
A obra cinematográfica, indicada ao Oscar de Melhor Animação em 2014, “O Conto da Princesa Kaguya” é uma reinterpretação do tradicional “Conto do Cortador de Bambu”, uma das narrativas mais antigas do folclore japonês, que explica uma das possíveis origens do nome do Monte Fuji. Sob a direção de Isao Takahata, a história adquire um significado profundo, abordando de maneira natural e fluida os valores humanos e conferindo às coisas mais simples o verdadeiro sentido da felicidade (Correio Braziliense, 2015).
A protagonista tem um amor imenso pela natureza em suas formas mais singelas, enquanto seu pai acredita que o verdadeiro bem-estar se encontra nas riquezas e no status social. “O que realmente traz felicidade?” Está é a questão central de O Conto da Princesa Kaguya. O filme revela um cenário onde os bens materiais são altamente valorizados, enquanto há um desprezo pela simplicidade, pela autonomia de pensamento, pelos laços afetivos e pela verdade essencial.
A narrativa acompanha a jornada de um simples camponês, que, em um dia qualquer, encontra em um broto de bambu a figura em miniatura de uma princesa. A narrativa se desdobra como um conto belo e repleto de significados, abordando temas como as transformações pelas quais passamos ao longo da vida, o amadurecimento e todas as suas perdas e ganhos, além da complexa dinâmica entre amor, tradição e os relacionamentos, especialmente entre pais e filhos.
Em uma sociedade onde poucos detêm muito e muitos possuem pouco, os habitantes da vila, que vivem à margem da miséria, são os únicos capazes de experimentar uma alegria verdadeira, enquanto as formalidades e tradições oriundas das classes altas se revelam através de prisões, disfarces e falsidades. Nesse sentido, ao seguir a trajetória de uma princesa, somos apresentados à violência implícita nos costumes que afetam especialmente as mulheres.
Dessa forma, a civilização fundamenta grande parte de sua dominação em uma relação problemática e hostil com a natureza, tratada como um recurso a ser explorado e, ao mesmo tempo, venerada como intocada e “pura”. Aproveitando a aura mística de uma mulher não-humana criada por camponeses que, milagrosamente, se tornam ricos, a obra se insere em um diálogo com uma sociedade corrompida pelo capitalismo. O contraste entre a beleza da natureza selvagem, que inclui os humanos que nela habitam sem explorá-la, e os horrores perpetrados pelos indivíduos movidos pela ganância é claramente exposta no ato de desvalorização da vida simples e rural, por parte de seu pai, ao retirar Kaguya de sua moradia no campo para transferi-la à um palácio na capital e submetê-la à costumes aristocráticos.
Diante desse contexto, é possível analisar a obra cinematográfica sob a perspectiva do pensador colombiano Arturo Escobar, que analisa as dinâmicas de poder no discurso do “desenvolvimento” implantado após a Segunda Guerra Mundial, que envolveu os países industrializados e o chamado “terceiro mundo”. Ao definir “riqueza” como algo passível de ser quantificado e medido em termos de renda, povos cujas economias não eram centradas no dinheiro – como aquelas baseadas em subsistência e comunidades autossustentáveis – passaram a ser rotulados como “pobres”, e o desenvolvimento passou a ser visto como uma obrigação moral do “primeiro mundo” para com eles (WRM, 2021).
Ademais, a obra ao destacar a beleza da natureza intocada e a vida dos camponeses que vivem em harmonia com ela, faz um contraponto direto ao modo de vida imposto pelas elites capitalistas, que desconsideram a autenticidade e a simplicidade em favor da acumulação de riqueza. Nesse sentido, a Teoria Marxista de Relações Internacionais, baseada nos pensamentos do filósofo e economista alemão Karl Marx, que em sua obra “O Capital” (1867), aborda como o sistema capitalista é movido pela incessante busca por mais valor, o que leva à exploração do trabalho e à degradação das formas de vida que não geram lucro imediato. A vida simples, representada pelas comunidades tradicionais e pelos modos de subsistência, é desvalorizada justamente porque não se encaixa nos parâmetros capitalistas de produção e consumo.
Em conclusão, a película pode ser vista como uma metáfora para essa crítica marxista, onde a verdadeira riqueza está nas coisas simples e naturais, e não na acumulação de bens materiais promovida pelo sistema capitalista, no contexto mundial, isso se reflete na crise ambiental e cultural gerada pela priorização do lucro, evidenciando a necessidade de valorizar formas de vida sustentáveis e autênticas como alternativa ao modelo capitalista global. Além de, sob outro enfoque, apresentar um lindo estudo de personagem que eterniza uma história popular do povo japonês.
REFERÊNCIAS
CORREIO BRAZILIENSE. O Conto da Princesa Kaguya baseia-se num relato tradicional japonês. 2015. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e arte/2015/07/15/interna_diversao_arte490465/o-conto-da-princesa-kaguya-baseia-se-num-relato-tradicional-japones.shtml>. Acesso em: 31 mar. 2025.
SANTIAGO, L. Critica – O Conto da Pricesa Kaguya. Plano Crítico. 2021. Disponível em: <https://www.planocritico.com/critica-o-conto-da-princesa-kaguya/> . Acesso em: 31 mar. 2025
WRM. Analisando o discurso do capitalismo “verde”: O significado da palavra natureza na expressão “baseadas na natureza”. 2021. Disponível em: <https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/analisando-o-discurso-do-capitalismo-verde-o-significado-da-palavra-natureza-na-expressao-baseadas-na>. Acesso em: 31 mar. 2025.
MARX, K. Crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
