Julia Vitória Castro da Silva, acadêmica do 7° semestre de Relações Internacionais.

O conflito indo-paquistanês é um dos mais persistentes da política internacional contemporânea. No dia 22 de abril de 2025, homens armados abriram fogo contra turistas em um popular destino de viagem na região montanhosa de Pahalgam, na Caxemira administrada pela Índia. Pelo menos 25 cidadãos indianos e um nepalês foram mortos (CNN, 2025). A Frente de Resistência (TRF), um grupo filiado ao Lashkar-e-Taiba, assumiu a autoria do ataque, alegando oposição às mudanças demográficas na região. A escalada levou ao fechamento de fronteiras, à suspensão do Tratado das Águas do Indo e à realização de testes de mísseis por ambos os países (DR, 2025). Em resposta, a Índia lançou a Operação Sindoor no dia 6 de maio, realizando ataques com mísseis contra a Caxemira administrada pelo Paquistão, tendo como alvo infraestruturas terroristas. Essas ações indicam uma escalada significativa, com o risco de um conflito armado maior, considerando que ambos os países são potências nucleares.

O conflito na Caxemira tem origem na Partilha da Índia, em 1947, quando o Império Britânico cedeu à luta por liberdade em sua colônia na Índia e garantiu independência à região. Assim, o subcontinente foi dividido em dois Estados: a União Indiana, de maioria hindu, e a República Islâmica do Paquistão, de maioria muçulmana. A Caxemira, majoritariamente muçulmana, tornou-se palco de disputas simbólicas e políticas, com grupos insurgentes se opondo à presença de hindus e a políticas que incentivam a migração de não muçulmanos para a região (EHL, 2019). A região é reconhecida pelo sistema internacional como parte da administração indiana. Porém, o governo do Paquistão se posiciona contra e defende que o estatuto da Caxemira ainda é incerto, e que apenas a população pode decidir o posicionamento da mesma (ANUNCIAÇÃO, 2013).

Durante o período da Guerra Fria, o Paquistão contou com o apoio dos Estados Unidos, e a Índia, com o apoio da União Soviética. O Paquistão recebeu investimentos em tecnologia militar e armamentos, além de ser uma peça-chave na Invasão Soviética do Afeganistão, em 1979. A Índia, por sua vez, construiu uma base militar autônoma e avançou sucessivamente em seu programa nuclear. Ambos os países passaram a investir fortemente no setor bélico e, hoje, fazem parte do grupo de nove países que possuem armas nucleares (BDF, 2025). Essa herança da Guerra Fria moldou não apenas os arsenais dos dois países, mas também a sua doutrina de segurança, que segue fortemente centrada na lógica da dissuasão e na prontidão para conflitos de alta escala. A ameaça de uma guerra nuclear é persistente e amplifica o medo em relação à segurança da região fronteiriça, que é uma das mais militarizadas do planeta.

Analisando a disputa sob uma perspectiva construtivista, percebe-se que o conflito não é apenas geopolítico, mas também simbólico. Na obra Social Theory of International Politics (1999), Alexander Wendt afirma que os interesses dos Estados não são dados pela natureza anárquica do sistema internacional, mas socialmente construídos a partir de suas identidades e das normas compartilhadas. A identidade social é definida como o conjunto de significados que os atores atribuem a si próprios, tomando em perspectiva os outros (WENDT, 1999 apud SARFATI, 2005). A identidade nacional indiana, fortemente influenciada por ideologias hindus, constrói o Paquistão não apenas como rival estratégico, mas como uma ameaça à sua identidade cultural. Do lado paquistanês, o nacionalismo é fortemente fundamentado na ideia de proteger muçulmanos contra a dominação hindu. Essa construção recíproca de identidades inimigas reforça a persistência do conflito, independentemente de questões econômicas ou militares.

Em suma, a guerra indo-paquistanesa transcende o domínio estratégico e militar, sendo um exemplo claro de conflito identitário, onde fatores sociais e culturais se entrelaçam. Embora o realismo sustente que os Estados agem racionalmente, os aspectos culturais não devem ser ignorados, pois influenciam a percepção de ameaças. Para a superação dessa tensão, é necessário reavaliar as narrativas culturais e promover formas alternativas de diálogo, que reconheçam a pluralidade histórica e religiosa da região. A comunidade internacional observa, com preocupação, o aumento das tensões, principalmente diante da instabilidade política entre ambos os países.

REFERÊNCIAS:

ANUNCIAÇÃO, Arthur Sá. O conflito em Caxemira: uma luta identitária e a perpetuação de um risco internacional. 2013. 171 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Relações Internacionais, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2013.

CNN. Entenda a tensão entre Índia e Paquistão que pode levar a nova guerra. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-a-tensao-entre-india-e-paquistao-que-pode-levar-a-nova-guerra. Acesso em: 5 maio. 2025.

DURÃO, R. Tensão entre Índia e Paquistão aumenta na região da Caxemira; entenda a disputa. Brasil De Fato. 2025. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2025/04/25/tensao-entre-india-e-paquistao-aumenta-na-regiao-da-caxemira-entenda-a-disputa. Acesso em: 5 maio. 2025

EHL, David. O perigoso conflito envolvendo a Caxemira. DW. 2019. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/o-perigoso-conflito-envolvendo-a-caxemira/a-49933901. Acesso em: 3 maio. 2025.

SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

WENDT, A. Social theory of international politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999