
Railson Silva (acadêmico do 8º semestre de RI da UNAMA)
Nas últimas décadas do século XX, o campo das Relações Internacionais (RI) passou por profundas transformações na forma como se pensa e interpreta o mundo. Essas mudanças vieram impulsionadas pela emergência do pensamento pós-moderno, que trouxe uma nova ótica para se interpretar temas clássicos da disciplina, como poder, soberania, identidade e segurança. Em vez de procurar verdades universais ou leis objetivas, o pós-modernismo busca refletir sobre os sentidos produzidos pelas narrativas, pelas imagens e pelos discursos que atravessam o cotidiano da política internacional.
Segundo Nizar Messari (2008), uma das vozes brasileiras mais respeitadas no campo, o pós-modernismo rompe com o ideal da ciência neutra e objetiva, alertando para o fato de que todo conhecimento é situado e permeado por relações de poder. Segundo ele, o que chamamos de “realidade internacional” não é um dado bruto, mas o resultado de interpretações que priorizam determinadas visões e silenciam outras. Ao trazer à tona temas como identidade, subjetividade e cultura, esse pensamento abre espaço para olhares mais atentos à diversidade de experiências políticas.
O pós-modernismo se apresenta como uma vertente crítica ao modelo mainstream da disciplina, fortemente influenciado pelo positivismo e pelas teorias racionalistas. Inspirados por pensadores como Lyotard e Derrida, autores pós-modernos rejeitam a ideia de que exista uma narrativa única e verdadeira sobre a política mundial. Em vez disso, defendem que a realidade é plural e construída por meio de discursos que disputam sentidos.
Zarakol (2010) reforça essa perspectiva ao mostrar como o ceticismo epistemológico típico do pós-modernismo permite desconstruir certezas aparentemente sólidas, como a neutralidade das instituições internacionais ou a universalidade dos direitos humanos. Em vez de verdades absolutas, temos interpretações diversas e, muitas vezes, conflitantes.
Renata Peixoto de Oliveira aponta que o pensamento pós-moderno é também uma ferramenta poderosa para questionar o eurocentrismo das teorias tradicionais. Oliveira (2018) argumenta que esse pensamento nos ajuda a repensar as Relações Internacionais desde uma perspectiva mais plural, sensível às diferenças culturais, históricas e epistemológicas, algo urgente em um mundo marcado por desigualdades globais profundas.
Dentro desse panorama, Michael Shapiro insere-se no debate pós-moderno ao rejeitar a ideia de que a política internacional pode ser compreendida por meio de modelos universalistas ou metanarrativas totalizantes. Em suas obras como “Violent Cartographies” (1997) e “Methods and Nations” (2004), ele propõe uma nova forma de ler e de se pensar a política. Para Shapiro, a política não acontece apenas nos parlamentos ou nas instituições; ela está presente nas narrativas dos filmes, nos romances, nas imagens da televisão e nos discursos cotidianos. A forma como contamos as histórias do mundo molda o próprio mundo.
Essa visão aproxima a teoria política da estética. Ao deslocar o foco das estruturas objetivas para os modos de produção de sentido, Shapiro convida os estudiosos das RI a desenvolverem um olhar mais atento às sutilezas das representações. Não basta analisar os fatos; é preciso compreender como esses fatos são contados, por quem e com que efeitos (Shapiro, 1997).
Outro aspecto central na obra de Shapiro é sua crítica às formas instituídas de conhecimento. Em “The Politics of Representation” (1988), ele frisa na necessidade de reimaginar o espaço da política, abandonando as categorias herdadas do Estado-nação e das relações de poder convencionais. A política, para ele, deve ser compreendida como um espaço de abertura à diferença, de produção de novos sentidos e de resistências à normatividade.
Em suma, Michael Shapiro é uma das figuras mais instigantes do pensamento pós-moderno em Relações Internacionais. Seu trabalho, ao cruzar fronteiras entre disciplinas, convida a uma reflexão profunda sobre o papel da linguagem, da arte e da cultura na construção do mundo político. Mais do que uma teoria, sua proposta é um gesto ético e estético: olhar para o mundo com mais atenção, sensibilidade e coragem para questionar o que parece dado.
Referencias:
MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais: fundamentos e abordagens. In: CEPIK, Marco A.; MOURÓN, Ricardo (org.). Relações Internacionais: visões do Brasil e da Argentina. Belo Horizonte: PUC Minas, 2008.
OLIVEIRA, Renata Peixoto de. Pós-colonialismo e estudos críticos em Relações Internacionais: uma agenda possível? Revista Brasileira de Política Internacional, v. 61, n. 1, e001, 2018.
SHAPIRO, Michael J. Violent Cartographies: mapping cultures of war. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997.
SHAPIRO, Michael J. The politics of representation: writing practices in biography, photography, and policy analysis. Madison, WI: University of Wisconsin Press, 1988.
ZARAKOL, Ayse. What makes terrorism modern? Global Society, v. 24, n. 4, 2010.
