Sofia Dias, acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais 

Thaís Carvalho, acadêmica do 8º semestre de Relações Internacionais 

Ficha Técnica: 

Ano: 2024 

Direção: Pat Boonnitipat 

Gênero: Drama 

Distribuição: Paris Filmes 

País de Origem: Tailândia  

Pré-indicado ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Filme Internacional, o longa-metragem tailandês Como Ganhar Milhões Antes que a Vovó Morra? – dirigido por Pat Boonnitipat – insere-se em uma tradição cinematográfica asiática que explora as relações familiares como arenas simbólicas de conflito, afeto e transformação. Apesar do título sugerir um tom leve ou sentimental, o filme parte de uma premissa moralmente ambígua: M, um jovem que abandona a universidade e sonha em se tornar streamer, decide cuidar de sua avó Mengju, diagnosticada com câncer terminal, motivado inicialmente pela possibilidade de herança. No entanto, essa relação, que começa por conveniência, aos poucos revela outra camada — mais íntima, afetuosa e transformadora (Giacobbo, 2024). 

Assim, a trama gira em torno de M (Putthipong “Billkin” Assaratanakul), um jovem que abandona os estudos e decide se mudar para a casa da avó doente, Mengju (Usha Seamkhum), após descobrir que ela está com câncer terminal. Seu gesto, no entanto, está longe de ser altruísta: a casa onde ela vive, localizada na Chinatown de Bangkok, representa uma possível herança valiosa. Dessa forma, movido pelo interesse, M se oferece como cuidador, acreditando que, ao permanecer por perto, garantirá sua parte na herança. Mas o convívio diário, inicialmente forçado, dá origem a uma relação inesperada e aos poucos, o afeto vai surgindo no lugar do cálculo, e o tempo, dentro daquela casa antiga, passa a fluir de outro modo — mais lento, mais íntimo (Boonnitipat, 2024). 

No âmbito familiar, Como Ganhar Milhões Antes que a Vovó Morra? problematiza as questões de gênero ao expor as dinâmicas de desigualdade e exclusão presentes na transmissão de herança e nas relações interpessoais. Inspirado na experiência pessoal do co-roteirista Thodsapon Thiptinnakorn, cujo relato aponta para a prática comum de favorecer filhos em detrimento das filhas na divisão de bens, o filme evidencia um padrão patriarcal estruturado, sintetizado na frase contundente: “filhos herdam bens, filhas herdam câncer” (Baysa, 2024). 

A cena em que Mengju procura o irmão para pedir dinheiro expõe com clareza a injustiça de gênero enraizada nas relações familiares. Mesmo sendo a figura central da casa e da história, ela aparece em posição de dependência e fragilidade diante de um homem. Essa inversão de poder revela como, mesmo em idade avançada, as mulheres permanecem submetidas a hierarquias patriarcais que as colocam em situação de vulnerabilidade econômica e simbólica. O gesto contido, quase envergonhado de Mengju, contrasta com a postura de autoridade do irmão, tornando visível uma forma de violência silenciosa que perpassa gerações.  

A narrativa da obra revela uma lógica que marginaliza as mulheres dentro do núcleo familiar, refletindo desigualdades históricas de gênero. Esse processo também é evidenciado pelo favoritismo da matriarca Mengju em relação aos seus filhos, mesmo diante de comportamentos problemáticos, como o furto cometido pelo filho mais novo, Soei (Pongsatorn Jongwilas), e o abandono do filho mais velho, Kiang (Sanya Kunakorn). Essas atitudes expõem como os vínculos afetivos são atravessados por complexas relações de poder e exclusão de gênero. Dessa forma, o longa oferece uma crítica incisiva às estruturas familiares patriarcais que perpetuam a desigualdade e limitam o papel das mulheres, convocando à reflexão sobre as implicações sociais dessas dinâmicas. 

Assim sendo, o longa-metragem pode ser analisado sob a lente da Teoria Feminista das Relações Internacionais (RI), vertente esta que surge no fim da década de 1980, inserida no terceiro debate das RI, cujo principal objetivo era defender a importância da criação do conhecimento para além da análise apenas do Estado-nação – frequentemente feita pelas teorias mainstream-, partindo para o estudo do Sistema Internacional a partir “da análise de gêneros, mais especificamente as desigualdades entre gêneros” (Youngs, 2004; apud Reis, s.d). 

Nesse sentido, a teórica J. Ann Tickner, um dos nomes mais expoentes da vertente feminista, afirma que as normas de masculinidade desempenham um papel central na construção das identidades estatais e, por consequência, influenciam diretamente os comportamentos dos Estados no cenário internacional. Ademais, a teórica argumenta que a ideia de “masculinidade hegemônica”, conceito este entendido como um ideal de virilidade ocidental composto por traços como agressividade, competitividade e autonomia, o qual tornou-se fundamental para compreender muitas decisões em política externa, pois se alinha de maneira significativa com os principais pressupostos das abordagens positivistas das Relações Internacionais, silenciando outros pontos de vistas, como a atuação da mulher na arena global (Tickner, 2001, p. 15; apud Monte, 2013). 

Por fim, Tickner traz a ideia de que estruturas de poder globais e locais são historicamente construídas a partir de valores masculinos hegemônicos, e silenciam e marginalizam as experiências das mulheres, tanto na esfera pública quanto na privada (Monte, 2013). Dessa forma, pode-se observar a desigualdade de gênero presente nas estruturas de poder através do corte emblemático em How To Make Millions Before Grandma Dies, especificamente na fala da protagonista “filhos herdam bens, filhas herdam câncer”, sintetizando assim a crítica ao sistema patriarcal que naturaliza a exclusão feminina da herança e do poder, demonstrando como as relações familiares estão engendradas nos moldes patriarcais e silenciam as experiências femininas, seja no âmbito privado quanto público. 

REFERÊNCIAS 

GIACOBBO, Bruno. Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra? aborda a diferença de gerações. Rota Cult, 18 dez. 2024. Disponível em: <https://rotacult.com.br/2024/12/como-ganhar-milhoes-antes-que-a-avo-morra-aborda-a-diferenca-de-geracoes/&gt; Acesso em: 26 jul. 2025. 

BOONNITIPAT, Pat. Pat Boonnitipat expected to lose money on his debut film. It’s become an Asian cultural supernova. Financial Times. Disponível em: https://www.ft.com/content/392a3ba8-9727-4075-8236-a65380571fc1. Acesso em: 26 jul. 2025 

BAYSA, Rhanydell Bien. Amah, You’re My First Place: Pat Boonnitipat’s How to Make Millions Before Grandma Dies. Cha: An Asian Literary Journal, 19 jun. 2024. Disponível em: https://chajournal.blog/2024/06/19/make-millions/. Acesso em: 26 jul. 2025. 

MONTE, I. X. DO. O debate e os debates: abordagens feministas para as relações internacionais. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 1, p. 59–80, jan. 2013. Disponível em:< https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100004>. Acesso em: 03 ago. 2025. 

REIS, C. F. DOS. A teoria feminista nas relações internacionais. ORBIS – International Relations Studies Association. s.d. Disponível em: <https://orbisirsa.pt/a-teoria-feminista-nas-relacoes-internacionais/> . Acesso em: 02 ago. 2025.