
Lucas Cardoso – Acadêmico do 6° Semestre de Relações Internacionais da UNAMA
As Guerras da Chechênia, travadas entre a Rússia e separatistas chechenos, marcaram profundamente a política russa pós-soviética. O primeiro conflito (1994–1996) começou após a dissolução da URSS, quando a Chechênia declarou independência e foi duramente reprimida por Moscou. Apesar da força russa, o acordo final garantiu autonomia à região. A instabilidade e o avanço de grupos armados levaram a uma nova ofensiva em 1999, resultando na reconquista da Chechênia e em forte repressão sob controle do Kremlin. Estes conflitos evidenciam o embate entre autodeterminação, integridade territorial e autoritarismo na Rússia contemporânea (Gammer,2006).
A Chechênia localiza-se ao norte da cordilheira do Cáucaso, em uma região montanhosa. Segundo o folclore local, o nome Cáucaso deriva de “Caucas”, descendente de Noé e patriarca dos povos que falam idiomas nakh, como chechenos e inguches (Hughes,2007). Por estar entre o Oriente Médio, a Rússia e os mares Negro e Cáspio, a região foi disputada por diversos impérios. Os chechenos sofreram influências de sumérios, georgianos, cazares e mongóis, lembradas em lendas que exaltam a resistência aos invasores. O terreno montanhoso favoreceu a defesa com emboscadas e fortalezas. No século XIV, com as invasões mongóis, o Islã sunita chegou à região, substituindo a antiga mitologia nakh (Gammer,2006).
A partir da chamada idade moderna muito da atual Chechênia e das crises da região começaram a se desenhar e três grandes impérios disputavam o controle o Império Otomano, Império Persa e Império Russo para isso eles faziam alianças com grupos locais e aproveitavam as divisões clânicas o envolvimento russo iniciou em 1558 um príncipe circassiano de outro povo pediu ajuda do Czar Ivan, o Terrível para deter os nakh e como símbolo da aliança ele ofereceu sua filha em casamento (Mankoff, 2009).
O czar Ivan, o Terrível, construiu uma fortaleza na região e ordenou o assentamento de cossacos, o que deu início a séculos de violência e pilhagem entre os grupos locais. No início do século XVIII, Pedro, o Grande, avançou sobre o Cáucaso após derrotar os persas. Neste período, os chechenos adotaram táticas que hoje reconhecemos como guerrilhas, aproveitando o terreno montanhoso para resistir (Gammer, 2006).
Durante as disputas entre Pérsia e Império Otomano, os chechenos aliados aos persas converteram-se ao islamismo xiita, enquanto os pró-otomanos aderiram ao sunismo. A maioria, porém, tornou-se sunita como forma de oposição à Rússia cristã ortodoxa, chegando a convocar a jihad contra o domínio russo (Hughes, 2007).
No início do século XIX Rússia derrotou os concorrentes e se consolidando na região adotando táticas de destruir vilarejos e represálias o que nos dias de hoje se encaixa em genocídio e apenas no meados do século que eles se renderam aos russos e foram marcados por deportação das populações locais e colonização por russos por esta repressão eles lutaram a favor dos bolcheviques na guerra civil russa após as revoluções de 1917 e outros lutando a favor dos czares ou a independência após o fim da guerra eles viraram uma república autônoma sendo um grau menor que as repúblicas constituintes da União Soviética (Gammer,2006).
Com o fim da União Soviética, líderes chechenos defenderam o direito à independência, como ocorrido nas demais repúblicas constituintes. O governo russo, porém, considerou o movimento ilegal, já que a Chechênia fazia parte da Federação Russa. Em novembro de 1991, foi proclamada a República Chechena da Ichkeria, com capital em Grozny fundada em 1818 como fortaleza russa e liderança de Djokhar Dudaiev. O presidente Boris Yeltsin recusou o reconhecimento, temendo um efeito dominó separatista. Além disto, a região era estratégica por suas reservas de gás e petróleo e por abrigar oleodutos e gasodutos que ligavam o Mar Cáspio à Rússia e à Europa (Sakwa,2003).
Em 1994, a Rússia iniciou uma operação militar para retomar o controle da Chechênia, dando início à Primeira Guerra Chechena. Apesar da superioridade em homens e equipamentos, as forças russas não conseguiram dominar a região devido a falhas de abastecimento, desorganização pós-soviética e táticas de guerrilha chechenas. O conflito terminou em 1996 com vitória dos separatistas e o tratado de 1997 manteve a Chechênia como parte da Rússia, mas com autonomia e capital em Grozny (Evangelista, 2002).
A instabilidade e os atentados no Daguestão provocaram a Segunda Guerra Chechena em 1999, sob a liderança de Vladimir Putin. O conflito durou menos de um ano e consolidou a popularidade do novo presidente, embora grupos insurgentes continuassem com ataques por anos. As duas guerras deixaram cerca de 150 mil civis mortos, 30 mil combatentes abatidos e meio milhão de deslocados. Hoje, a Chechênia integra a Federação Russa sob forte controle político de Moscou (Russell, 2005).
A teoria das Relações Internacionais que melhor se aplica às Guerras da Chechênia é o Neorrealismo de Kenneth Waltz (1979). Esta corrente vê o sistema internacional como anárquico, sem uma autoridade central, o que leva os Estados a priorizarem sua segurança e poder. Conflitos surgem quando há disputas estratégicas ou ameaças à soberania, como ocorreu entre a Rússia e os separatistas chechenos. Assim, a guerra é entendida como resultado natural da busca por sobrevivência e manutenção do poder.
Sob essa ótica, as ações da Rússia refletem a lógica realista de preservar a integridade territorial e o poder estatal. Moscou via a independência chechena como ameaça à unidade nacional e ao equilíbrio interno. Além disso, a importância geopolítica e energética da região rica em petróleo e gás reforçava o interesse russo em mantê-la sob controle. Desta forma, as guerras chechenas expressam a tentativa de garantir segurança e influência em um ambiente internacional competitivo.
Referências:
EVANGELISTA, Matthew. The Chechen Wars: Will Russia Go the Way of the Soviet Union? Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2002.
GAMMER, Moshe. The Lone Wolf and the Bear: Three Centuries of Chechen Defiance of Russian Rule. London: Hurst & Company, 2006.
HUGHES, James. Chechnya: From nationalism to jihad. Conflict Studies Research Centre, 2007.
MANKOFF, Jeffrey. Russian Foreign Policy: The Return of Great Power Politics. Lanham: Rowman & Littlefield, 2009.
RUSSELL, John. Terrorists, bandits, spooks and thieves: Russian demonisation of the Chechens before and since 9/11. Third World Quarterly, v. 26, n. 1, p. 101–116, 2005.
SAKWA, Richard. Chechnya: From past to future. Post-Soviet Affairs, v. 19, n. 4, p. 391–412, 2003.
WALTZ, Kenneth N. Theory of International Politics. Reading, MA: Addison-Wesley, 1979.
